Conheça nossa cozinha

Ami terminou de lamber o pires de leite que a garçonete havia posto para ele no chão, entre as cadeiras de Lucilla e Elspeth, e olhou para cima.

- Tudo bem com vocês?

Lucilla fez um gesto afirmativo.

- Deveria ser crime servir comida dessa qualidade - suspirou, recostando-se na cadeira de vime. - Vai levar um tempo até me acostumar com aquela de sempre...

- O leite também não é mau - avaliou Ami, pulando para o colo da dona.

- Pronta para ir? - Indagou Elspeth, depois de passar um guardanapo de papel nos lábios.

- Acho que ainda consigo caminhar - admitiu.

- Ótimo. Mas antes, vamos ver se aquele aviso na parede é de verdade - replicou Elspeth, apontando com o queixo para um cartaz emoldurado, onde se lia em caligrafia floreada: "a nossa cozinha está aberta para a sua visitação".

- Confesso que só havia reparado naquele outro cartaz - redarguiu Lucilla, fazendo bico na direção de outro quadro emoldurado onde estava impresso: "nós chamamos o táxi para você".

- Que simpático - comentou Elspeth erguendo-se. - Vamos.

Lucilla voltou a colocar Ami na mochila e aceitou a mão que a amiga lhe estendera, para se erguer. Aproximaram-se do balcão e a garçonete Nykiha veio atendê-las, sorridente.

- Que tal, gostaram do café?

- Acho que vamos virar freguesas - afirmou Elspeth. - Mas antes, seria possível dar uma olhada na cozinha, ver como esses petiscos são feitos?

- Claro! Será uma honra! - Exclamou a gnoma. E abriu uma seção do balcão para que passassem, guiando-as para a porta da cozinha.

- Quem não deve, não teme - sussurrou Lucilla no ouvido de Elspeth, que nada respondeu.

A cozinha não era grande, e Elspeth aventou a hipótese de que, além dos armários e de uma despensa, estivessem usando armazenamento infinito. Todavia, nunca havia conhecido um estabelecimento daquele porte que utilizasse a técnica; armazenamento infinito não era barato. Lá dentro, tudo estava muito asseado e limpo, e apenas dois funcionários trabalhavam no momento.

- Snnardic, nosso cozinheiro, e seu assistente, Gnaninap - apresentou-os Nykiha.

Os gnomos, usando uniformes brancos, toucas e protetores de barba, acenaram amistosamente para as visitantes e voltaram à elaboração de um prato de sobremesa qualquer. Elspeth apontou para outra porta, situada diametralmente oposta àquela pela qual haviam entrado.

- O que tem ali? - Indagou para Nykiha.

- É a parte industrial da padaria - informou a garçonete. - Temos máquinas grandes em funcionamento... e o forno. Não está aberto à visitação pública.

- Que pena! Nunca vi um forno de padaria funcionando - lamentou Elspeth.

Nykiha olhou para o cozinheiro, que abriu as mãos.

- Uma olhada não vai fazer mal - disse para Nykiha. - Mas bata na porta antes de entrar, os rapazes podem não estar decentes.

Elspeth e Lucilla se entreolharam, mas a garçonete já havia tomado a dianteira e dado duas pancadas na porta:

- Temos visitas! Estão decentes?

- Não fale assim, ou as visitas vão achar que trabalhamos nus - respondeu uma voz lá de dentro.

Nykiha abriu a porta e enfiou a cabeça para dentro. Depois, voltou-se para Elspeth e Lucilla e fez sinal para que se aproximassem:

- Não reparem, mas faz calor perto do forno... os funcionários trabalham sem camisa!

- Ah sim - Elspeth olhou para Lucilla. - Sabia que era isso.

- Só uma espiadinha - insistiu a garçonete. - Não queremos que os rapazes se distraiam e causem um acidente...

- Só uma espiadinha - prometeu Elspeth.

Nykiha sequer abriu completamente a porta; tiveram que se espremer para espiar pela fresta. O salão abafado que se descortinava diante delas, parecia ocupar uma área que invadia o prédio adjacente à padaria, o que reforçava a ideia do armazenamento infinito. Lá dentro, gnomos sem camisa e suarentos circulavam entre equipamentos industriais modernos, para fazer pão. E no fundo do aposento, em vez de um forno elétrico, havia um de tijolos com uma chaminé que subia parede acima. Um dos gnomos abriu a porta de ferro para enfiar uma fornada de pães e puderam vislumbrar o brilho vermelho das chamas.

Às costas de Lucilla, Ami eriçou-se e rosnou.

- Fim da espiadela - decretou Nykiha, praticamente fechando a porta na cara delas.

- [Continua]

- [14-05-2022]