As Encantadas Aventuras de Justiniana (2)

Justiniana não conseguia conter a ansiedade e toda hora ia até a mesa de costura da mãe saber se já havia terminado de fazer seu vestido e a manta para enfeitar Corajoso. Pela primeira vez participaria da Cavalgada de São Cosme, um festival onde os participantes, vestidos com roupas coloridas, percorrem as ruas de Alecrim em suas montarias enfeitadas. No final, todos se reúnem na praça central onde jurados avaliam os animais e cavaleiros mais bonitos e premiam os melhores.

Desde criança Justiniana sempre acompanhou a cavalgada, encantada com todas aquelas belas montarias e seus cavaleiros. E neste ano, finalmente, depois de ter encontrado seu querido Corajoso, poderia participar do evento ao lado dos outros competidores.

Depois de tudo pronto, Justiniana parou em frente ao espelho, radiante, apreciando o lindo vestido que a mãe havia costurado para ela. Toda alegre, pegou a manta e saiu correndo para o quintal e começou a vestir seu jumentinho. Corajoso ficou um pouco desconfortável com aquela quantidade de pano sobre ele e com os enfeites que Justiniana colocou em suas orelhas e o laço na testa.

Se sentindo uma intrépida princesa em seu cavalo, Justiniana montou em Corajoso e se dirigiu para a praça central, onde encontrou os demais participantes da cavalgada. Logo em seguida todos saíram num leve galope pelas ruas de Alecrim, recebendo acenos das famílias que esperavam nas portas das casas o comboio passar. Justiniana acenava de volta para as pessoas e ficou ainda mais animada quando viu Alice e Bento balançando os braços para chamar sua atenção, enchendo-a de elogios ao passar por eles.

Depois de um pouco mais de uma hora de passeio pela cidade, a cavalgada retornou à praça central. Os participantes desmontaram dos animais e aguardavam a avaliação dos jurados, que do alto de um palanque observavam montarias e montadores e rabiscavam em suas pranchetas. Nervosa, Justiniana os observava de volta, torcendo para que reconhecessem o belo trabalho de sua mãe, até que foi interrompida em seus pensamentos por uma voz.

Horácio era conhecido como o mais chato e boçal de toda Alecrim, metido a besta por ter nascido em berço de ouro. Era filho do coronel Agnobaldo, o fazendeiro mais rico de toda região. Na escola a maioria das pessoas não gostava do sujeito, a não ser os puxa-sacos como os dois que estavam ao seu lado agora. Os três, montados a cavalo, se aproximaram de Justiniana e Horácio tratou logo de lhe fazer uma séria acusação.

- Então quer dizer que foi você, menina magricela, que roubou o jumento que tinha fugido da fazenda do meu pai.

A revelação sobre a origem de Corajoso foi um soco no estômago de Justiniana. Não imaginava que seu querido jumentinho de estimação pertencesse exatamente à pessoa mais poderosa de Alecrim. Mesmo assim, independente da bombástica realidade, Justiniana não se deixou abater.

- Se ele fugiu, ninguém se preocupou em achá-lo. Eu o encontrei sozinho no meio da mata, debaixo do sol quente, com fome, sede e com a pata presa num buraco. Ajudei ele a sair e o levei para minha casa. Eu e minha mãe cuidamos dele e lhe demos um nome: Corajoso – falou Justiniana em tom desafiador.

Surpreso com as palavras ousadas da garota, Horácio desceu do cavalo e se aproximou, encarando-a de cima para baixo. Justiniana não arredou o pé e o encarou de volta. Os dois iniciaram uma calorosa discussão, com acusações e xingamentos que não valem a pena reproduzi-los aqui, a ponto de mostrarem os dentes como um cão e uma gata prestes a brigar.

A confusão só terminou quando o padre Julião se aproximou e perguntou o que estava acontecendo. O reverendo ouviu a história das duas partes e achou justo o jumento retornar ao seu verdadeiro dono por direito. Satisfeito com a concordância do padre, Horácio desdenhou mais uma vez de Justiniana e saiu arrastando Corajoso, que olhava para trás com semblante triste. A cena partiu o coração da menina.

Com lágrimas nos olhos, mas com a cabeça a mil, buscando uma solução rápida para aquela situação complicada, Justiniana teve uma ideia repentina e totalmente maluca. Precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa para reaver seu querido jumentinho. Falando em alto e bom som, torcendo para que o orgulho de Horácio fosse tocado, desafiou o garoto para uma corrida entre seu cavalo e Corajoso. Quem vencesse ficaria com o jumento. A resposta de Horácio foi apenas um sorriso malicioso, de quem já se considerava o vencedor.

Minutos depois, graças ao eficiente trabalho de divulgação do padre Julião, que, apesar de não confessar a ninguém, adorava jogos e competições, um monte de gente estava reunida na praça para acompanhar a corrida entre o jumento de Justiniana e o cavalo de Horácio. Ficou acordado que o percurso seria da praça até a margem do rio, ida e volta. Até o prefeito estava acompanhando o repentino evento, aproveitando para criar a história que a corrida era uma surpresa reservada para o festival desse ano. Coisa de político.

Emparelhados um ao lado do outro, Horácio aproveitou para zombar de Justiniana dizendo que, para não humilhá-la tanto, a deixaria largar na frente alguns metros com o jumento mirrado. Justiniana apenas engoliu seco aquelas palavras, fazendo cara de brava, e não respondeu nada.

O prefeito deu a ordem de largada e Corajoso saiu logo a frente, ganhando distância sob o olhar desdenhoso de Horácio. Justiniana não estava disposta a permitir facilmente que Horácio a ultrapassasse e começou a fazer zigue-zagues na rua para atrapalhar o oponente. Mas o cavalo de Horácio era muito rápido e, num galope estrondoso, logo se aproximou do pequeno jumento e, aproveitando uma brecha pela esquerda, emparelhou ao lado de Corajoso e lhe deu um chega pra lá que o desequilibrou, quase derrubando Justiniana de suas costas. Horácio, com todo o caminho livre a sua frente, disparou em velocidade, dando uma gargalhada de deboche.

Corajoso deu o máximo de si, mas quando chegou ao rio, Horácio já tinha dado a volta e galopava na direção da praça.

- Te vejo na praça, magricela – zombou o garoto ao passar por Justiniana.

Percebendo que as chances de vitória eram uma realidade distante, Justiniana sentiu medo de perder seu querido jumentinho para sempre. Com lágrimas nos olhos, orou em pensamento a São Cosme para que a ajudasse naquele momento, que não deixasse que Corajoso fosse embora.

Quando Justiniana retornava para a praça, no máximo galope que Corajoso podia, viram que o cavalo de Horácio estava parado alguns metros a frente. O animal parecia assustado com alguma coisa e subia as patas da frente. Horácio tentava a todo custo acalmar o animal mas não estava conseguindo.

E foi assim que Justiniana e Corajoso, deixando Horácio para trás, ganharam a dianteira e venceram a corrida, sob os aplausos calorosos das pessoas na praça. Finalmente seu querido jumentinho poderia ficar sempre aos seus cuidados. A dupla não tinha ganhado o concurso de montaria e cavaleiro mais belos, mas a vitória na inusitada corrida a deixou famosa na cidade.

No mesmo dia, Justiniana pediu a mãe para comprar uma imagem de São Cosme e a partir dali, ao dormir e ao acordar, ela agradecia pela ajuda recebida.

FIM

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 02/05/2022
Código do texto: T7507956
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