Carta a Peter Pan

CARTA A PETER PAN

Miguel Carqueija

 

“Querido Peter Pan:

 

Escrevo a você do Refúgio das Fadas, utilizando um papiro, uma pena de ganso e tinta preparada com flores. Você pode não acreditar, mas nós fadas temos tudo o que precisamos.

No entanto lágrimas caem dos meus olhos e ameaçam borrar a minha escrita. Felizmente tenho um mata-borrão.

Peter, sinto tanto a sua falta! No entanto eu não voltarei.

A decisão de te deixar foi difícil mas tive de tomá-la. Porque eu, Tinkerbell, sou uma fada dos bosques e você é um ser humano. E durante os anos da nossa convivência eu te amei. Sim, Peter, eu amei você desde que te conheci, vivenciei durante anos um amor impossível. Era necessariamente amor platônico. Eu nunca poderia me casar com você, visto que não posso sequer abraçá-lo. Você não é um homem grande, é um menino que não cresce, o Capitão Gancho é bem maior. Mesmo assim diante de você eu sou minúscula.

Na verdade eu nem deveria ter me apaixonado por você, este sentimento nos é estranho, a nós fadas. Temos até, em pequeno número, as fadas masculinas. Todas nós, porém, nascemos quando um bebê humano dá o seu primeiro sorriso. Portanto, e você sabe disso, somos criaturas assexuadas, pois não nos reproduzimos. Como os anjos, não temos parentesco.

Por aí se vê que amar você era um sentimento inusitado. O detalhe agravante é que você não me amava, nunca me amou de forma romântica. Para você, hoje vejo assim, eu era vista como mascote. Eu era uma diversão para você.

No entanto, deixei a Ilha das Fadas para viver com você e os Meninos Perdidos na Terra do Nunca, essa região misteriosa que, como nossa ilha, não está nos mapas dos humanos. A Terra do Nunca, povoadas por piratas, índios e sereias e até um crocodilo que não sei como foi lá parar.

Você aprendeu a voar com o pó mágico e hoje em dia parece mais uma fada crescida e sem asas.

No entanto, Peter, eu derramei muitas lágrimas na sua ausência e de seus amigos. Não queria que vissem a minha fraqueza. Até senti ciúmes tolos da Wendy, mas acabei entendendo que você não queria nada com ela e nem comigo. Uma vez que você resolvera não crescer, não sabia amar como um adulto ou mesmo adolescente. Você não levava nada a sério, nem mesmo as lutas com o Capitão Gancho. Com seu temperamento zombeteiro, Peter, como você iria levar a sério os sentimentos do coração?

E como você parou de envelhecer, tornou-se virtualmente imortal. E eu sou uma fada, e nós fadas vivemos por séculos.

Se eu ficasse ao seu lado, Peter, seria uma eternidade de sofrimento silencioso. Foi por isso que um dia eu fui embora sem me despedir, sem falar com você, apenas deixei na árvore um bilhete lacônico, mas eu devia esta explicação maior.

Ah, Peter, Peter! Meu querido Peter Pan!

Por que eu tive que te conhecer?

 

Rio de Janeiro, 2 de abril de 2022.

 

 

 

Tinkerbell (Sino Tilintante) ou Sininho, como é conhecida no Brasil e Portugal, é personagem criada em 1904 pelo grande escritor escocês Sir James Barrie, nas suas histórias de Peter Pan. Para os seres humanos a linguagem de Tinkerbell assemelha-se a um toque de sino, ela é uma fada artesã repleta de idealismo e uma das figuras mais icônicas da literatura, cinema e quadrinhos de fantasia.