O Buraco Negro e a Estrela Cadente
Eu já me apaixonei por um buraco negro.
Uma anomalia do espaço-tempo. Um fenômeno diferente de tudo que já se apresentou neste extenso palco chamado espaço sideral. Um centro tão negro quanto a incognita carimbada como uma fragância na pele do seu ser. Os lençóis da realidade se dobram e afundam e dobram ao seu redor. Toda a matéria é seduzida pelo seu centro gravitacional. Tal qual um redemoinho capaz de capturar qualquer suspiro de vida e jogar sobre as mãos de Poseidon.
Eu me apaixonei por ele. Um fenômeno lindo, porém assustador, Algo letal, todavia especial, Amor pelo carinho que exalava perigo.
Me aproximei do buraco negro. Curiosidade e admiração moviam o meu corpo, como um fraco magnetismo. Contemplava aquela existência. Uma gótica divindade. Luz escura. Sensual penumbra.
O buraco negro me abraçou subitamente, com uma força e velocidade sobre-humanas. Me vi envolto em suas densas e obscuras presas.
Senti as minhas articulações desmontarem. Os ossos, precisamente fatiados, sem deixar escapar nenhuma gota de sangue, lasca de osso ou fragmentos de vísceras. Deslizam um sobre o outro. Minha visão, fragmentada e estilhaçada. Meus ouvidos só ouvem a sua voz. Não sinto mais o que é meu ou o que eu quero. Sinto somente o que ele sente ou o que ele quer sentir. Meu dizer tem o valor de latão, e os seus dizeres tinha o valor de platina. Minha preferências por prazer deslizavam entre meus dedos feito areia, e suas preferências por prazer ficaram impressas em minha pele tal qual tatuagens.
Havia perdido a minha identidade. Meu nome era apenas uma escura lembrança. me tornei uma extensão daquela maléfica identidade. Meu espírito, antes tela branca, foi maculado por toda a sujeira e poeira exalada por aquele buraco negro. Seus irracionais medos, suas bobas inseguranças, seus densos limites e suas fantasiosas noções de realidade, esta para a qual se fechou.
Queria me libertar, porém aquele sentimento antes denominado de “amor” me impedia. Estava preso. Algemado. Amordaçado. Sem esperança. Meu mundo se resumia a ele. Longe dele, estaria perdido. Realidade caída. Um sentimento que antes era um presságio de um belo vínculo, se revelou como sendo a isca para a minha ruína.
***
Apenas uma noite.
Apenas uma noite foi o bastante para eu me libertar desta tormenta. Enquanto o conjunto de estruturas orgânicas que constituíam o meu ser estava sendo banhado pelas águas enlameadas e enegrecidas do buraco negro, um fraco fragmento de esperança rugiu dentro de mim. Tal qual um ventriloquista, ele puxou a contraiu as minhas fibras musculares, de forma a estender um dos braços para a luz daquele buraco.
Com a mão aberta, como se estivesse pronto para receber uma bênção, sussurrei, quase falando desesperadamente:
“Me salve”
À medida que a luz ia se fechando, a luz da minha esperança enfraquecia. Não havia mais saída.
Sono de obsidiana.
Cama de lama.
Boa noite.
***
Calor sobre a palma.
Algo está vinculado a ela.
Me prendendo. Me puxando.
Uma luz bate sobre o meu rosto.
Ela fica retida pelas densas pálpebras.
Mesmo grossas e pesadas, eu as abri. Abro lentamente, e a luz entra na retina, com a graça de um clarão.
Vejo uma mão. Uma chama que imitava uma mão. Uma intersecção entre o branco e o azul.
Ela ouviu o meu chamado. O espanto tomou conta de mim.
Por um microssegundo, senti-me como se estivesse num ponto intermediário entre a vida e a morte. Abaixo, um abraço negro e gélido. Acima, um fio denso e flamejante de salvação, deixando-me presente no mundo físico.
E então, ela me puxou…
Tirou-me daquele funesto domínio. Da convidativa ruína. Do azedo romance. Laço furado. Mal encarnado.
Saí pela boca do buraco negro. Toda aquela dependência. Toda aquela simbiose. Acabou. E a saudade… Nula.
***
Deitado sobre a estrela cadente. Apesar da alta velocidade do seu correr e da força do seu fogo, ela injetava paz e calma nos meus vasos sanguíneos. Sua essência pautava-se na serenidade e na bondade.
Aos poucos, ela me costurou. Costurou minhas articulações. Costurou os meus ossos. Costurou os fragmentos da minha visão.
Ela costurou a minha identidade.
Não havia mais vozes em meus ouvidos. Estava livre para falar. Para sentir. Para escolher.
O máximo que eu pude ouvir dela foram os seus sussurros. Conselhos. Canções. Poesias. Palavras de esperança. Brincadeiras. Ela me deixava à vontade e confortável, mas fazia-se presente. Adocicou a minha jornada. Entornava as águas dos copos do seu afeto, carinho e preocupação sobre mim.
Era liberto. Livre do mal.
Obrigado, estrela cadente, por realizar o meu desejo.