OS LANCEIROS DO REI

OS LANCEIROS DO REI (alegoria)

O interior de São Paulo preparava-se, mais uma vez, para a festa folclórica mais expressiva de todas as Regiões, desde que o Brasil se fizera República e o cargo de "lanceiro do Rei" virara lenda, "phantasia", Passado. Porém, as lanças de seus antepassado foram preservadas e as cores de cada Família também. Na terra das laranjas e dos "laranjas" -- havia bananas (e "bananas") também, mas estas (e estes) não contavam -- era o ano de mais uma disputa... a cada 4 anos as Famílias recuperavam suas Histórias de luta e tradição. Tal evento se dava num braço imundo do Rio Tietê, que findava na lagoinha fétida, a "Pára no Ar", referência às canoas a vela usadas no Passado. Consistia o prélio em andar a cavalo por 10 km, remar pelo riacho nojento por mais uns 300 metros e cruzar 80 ou cem metros do lago pútrido até a outra margem, sem perder a lança ou sujar o saiote de "Cruzado" moderno, resgatando um grande escuda d'Armas com o símbolo da Cidade.

Eram 4 anos de glória para a Família do vencedor, tratado como a um rei pelo povo do lugar, com direito a "torrar" o erário da região em bobagens e passear quase que o ano todo. Os mais afoitos davam palpites na Economia e na direção do "município", porém disso nada entendiam. Desta vez teriam mulher no embate... fazia tempo que tal coisa não sucedia ! A última era "meio tantã", queria produzir energia elétrica a partir da mandioca e não falava coisa com coisa. Das famílias tradicionais em disputa, as duas mais importantes nem paulistas eram, vinham "de fora" e se "caipisaram". Aliás, a de Jairo "Doido" criara raízes na Corte e era mais carioca (?!) que os "caraíbas" nascidos no Rio de Janeiro... um desbocado, mal-educado e "machão" ! Usava saiote verde com cruz amarela, montando vistoso alazão, pronto para disparar. Já Luís, o "Baixo', vinha numa "éguinha pocotó", saiote vermelho com cruz preta e muita disposição. Estivera no xilindró por um bom tempo, devido a fofocas e acusações.

Eram os contendores com mais chances, os demais faziam figuração... João "História" era só estória e quase nenhuma competência e o Sérginho "Mouro" -- de tradicional família basca -- nascera raquítico e branquelo, uma lástima ! Fechando a fila Ciro "Fome", num jegue de dar dó... nesse nem é bom falar ! Dizem que haveria uma mulher na disputa. Até a hora da largada, nenhuma confirmação !

Enfim, largaram... o ginete do 'Doido" disparou doidamente e "comeu" os 10 km de estrada em pouco tempo, chegando à sua bela canoa 20 minutos antes do concorrente. A égua do "Baixo" tinha brios, não ía "baixar a cabeça" e fez das tripas coração para "tirar a diferença". Os demais chegaram com meia hora de atraso para o "segundo turno", o do riacho. Triste Destino... Sérginho e João, pouco afeitos ao trabalho braçal, suavam "em bicas" para remar suas canoas. Já Ciro, faminto e sem dinheiro, juntara uns troncos, amarrara-os no que chamou de "jangada" e tirava a diferença entre êles "no muque". Exatamente o que sucedia lá na frente, com o preguiçoso e dorminhoco Jairo penando horrores para remar. Não estava acostumado... já "Lulu" (apelido na família) remava cantando "Vai dar PiTi, vai dar...", etc.

O "doido" viu-se perdido... já no lago, a poucos metros da margem e do escudo da vitória, jogou-se no lodaçal fétido, "sujando-se" todo e caminhou resoluto rumo a meta. para espanto do Luís. "Quebrara" todas as Regras e tradições, frente ao povo estupefato e com aplausos dos adeptos da "Famiglia" mafiosa. Estava feito o impasse... o "Doido" "comprara" todos na cidade: povo, juízes, polícia, até religiosos ! Levou-se a questão para a ONU e o Tribunal de Haia, sem nenhum efeito.

-- 'Bando de MARICAS, venham me tirar" !, retrucava a quem reclamasse da bandalheira. Nenhuma surpresa, o Brasil já fôra assim no Passado, no tempo dos "coronéis", no de Getúlio e de vários outros iguais. Leiam 'Vila dos Confins", de Mário Palmério, um "manual" daqueles tempos em forma de romance. O povo, que tudo sabe, diz do alto de sua experiência: "em 2027 vai seu um VALE-TUDO por quem NÃO VALE NADA"! É viver, pra ver... estamos regredindo !

"NATO" AZEVEDO (em 19/fev. 2022, 6hs)