A quebra do sigilo
- Posso falar? - Indagou Portyngton, quando o grupo chegou à porta principal da mansão, a qual, como havia sido informado, estava fechada e lacrada. Tiploft franziu a testa.
- Você é bastante transparente, Androw. E mais do que você, são os nossos anfitriões; melhor ficar de boca fechada.
Recado dado, Tiploft apontou para o sigilo gravado com runas desconhecidas, que cobria a fechadura e a maçaneta da porta.
- Alguém já viu uma coisa dessas? Até a escrita é desconhecida pra mim...
Oswyn estreitou os olhos, como que para enxergar melhor.
- Não se parece com nada que eu já tenha visto antes. Contudo, uma coisa é certa: se o sigilo foi colocado pelo lado de dentro, a intenção não era impedir alguém de entrar, mas de sair. Ou seja, os moradores da mansão.
Os outros três olharam ao redor, para as paredes cobertas de quadros do saguão onde estavam. Os homens e mulheres retratados pareceram sustentar seus olhares.
- Nós entramos - lembrou Myles Bosby.
- Não entramos - refutou Oswyn. - Fomos trazidos para cá, e duvido que tenha sido através de qualquer porta ou janela deste lugar. Feitiçaria, meus amigos, é disto que estou falando.
Tiploft ergueu as mãos.
- Está bem; e não parece que irão nos deixar sair, exceto se fizermos o que querem. Ficou claro?
- Claríssimo - redarguiu Portyngton.
- Se vamos quebrar o sigilo, porque não nos deixaram as armas? - Questionou Bosby.
- Talvez porque não vamos precisar delas - replicou Oswyn. - Isso, na melhor das hipóteses...
Portyngton inclinou-se sobre o sigilo, mãos nas cadeiras.
- Essa coisa parece ser feita de ferro; vamos precisar de um pé de cabra para arrombar.
- A minha espada resolveria isso fácil - avaliou Tiploft. - Mas não estou com ela.
- E se não precisarmos arrombar? - Sugeriu Oswyn. - E se bastar... puxar ou erguer?
- Boa ideia. Faça isso - ordenou Tiploft, braços cruzados.
Oswyn amaldiçoou mentalmente a ideia que tivera, mas não podia agora passar a responsabilidade para outrem. Tocou cautelosamente o sigilo, imaginando que poderia ser projetado do outro lado do aposento, ou ter a mão queimada. Mas não aconteceu nem uma coisa, nem outra.
- É frio - informou. - Nada muito diferente de uma tranca de metal comum.
- Myles, abrir trancas é a sua especialidade - disse Tiploft, para alívio de Oswyn.
Bosby resmungou um palavrão e aproximou-se do sigilo, enquanto Oswyn recuava dois passos.
- É... uma tranca de encaixe com seis voltas - avaliou, enquanto deslizava os dedos sobre o sigilo. - Não é muito comum, mas não chega a ser a coisa mais difícil do mundo.
- Pois então, destranque - replicou Tiploft. - Para ir para a próxima fase, precisamos sair daqui primeiro.
- E Bethsabe nos ficará muito grata - murmurou Portyngton, ignorando o olhar enfezado que o líder lhe lançou.
Bosby girou os dedos sobre o sigilo, ajustando o encantamento de desproteção.
- Alguém teve trabalho para manter essa coisa fechada - murmurou, cenho franzido.
As runas sobre a peça de metal brilharam brevemente num tom azulado, que depois tornou-se roxo até apagar-se por completo. Ouviu-se um clique, e em seguida a tranca abriu-se e caiu com uma pancada surda sobre o piso de madeira envernizada. A maçaneta e a fechadura estavam livres.
- Imagino que a chave deve estar no quadro - comentou Bosby, olhando para um porta chaves pendurado numa parede próxima. - Aquela preta, a maior.
Oswyn pegou a chave indicada e a entregou a Myles Bosby; este a enfiou na fechadura e girou com facilidade. A porta abriu-se e o que viram além do batente em nada lembrava o entorno da hospedaria do Bagre-Pintado.
- Essa floresta não estava aí ontem - comentou Bosby, um tanto desnecessariamente.
- E eu jurava que ainda estávamos no verão - redarguiu Portyngton, colocando-se ao lado dele.
Além do Solar dos Blodwell, tudo o que se via era uma floresta desfolhada e neve, muita neve.
- [Continua]
- [14-01-2021]