É O FIM
Vai que o mundo acabe na semana que vem...
Imagine, o mundo acabando, tudinho, o nosso planeta, a galáxia, o universo simplesmente se mistura tudo, formando um amontoado de nada, talvez um monte de entulho dos restos das estrelas, tudo chamuscado pelos respingos desmanchados do sol que também se acabou, em migalhas incandescentes.
Pronto. Já é "semana que vem", tudo acabado. Apocalipse consumado. Os maus não foram castigados. Os bons não foram encaminhados com antecedência para o paraíso. Nem o paraíso sobrou.
O poder contido nas algibeiras dos milionários também foi consumido pelo apocalipse. Não deu tempo de transferir as fortunas para outros mundos. Mal as trombetas buzinaram e tudo, num estalo, se foi, voando pelos ares do que restou. E nem o resto restou.
Aquela velhinha que rezava pelos pobres, que benzia os doentes sem plano de saúde, foi pega de surpresa exatamente quando colhia ervas no fundo do seu quintal. Nem deu tempo de chegar no pé de arruda, para quebrar um galhinho e benzer o mundo, protegendo-o do fim. Não deu tempo. Nem o tempo sobrou.
E aquele bilionário, que bebericava seu uísque envelhecido em dólar, sentado no conforto da sala do seu iate, rodeada de lindas garotas, enquanto navegava pelo lindo mar azul da baia paradisíaca, a caminho da ilha recém-adquirida, não pode chegar lá, não desfrutou da última aquisição. Não teve tempo de apagar todas as falcatruas, origens do seu poder. Tudo ficou exposto a todos, ao universo todo, a vista do todo que agora já era nada. Tudo apagado. Ainda bem!!
O Padre, coitado, foi pego de joelhos. Rezava de olhos abertos e tudo que pode ver foi aquele clarão invadindo a catedral. O último olhar foi à caixa da coleta, na entrada da Igreja. O último pensamento foi em Cristo, que deveria chegar para levá-lo ao paraíso, mas não deu tempo. Não deu. Tadinho do Padre. Tanto fez, tanto esperou, tanto rezou para chegasse o dia da vida eterna, ao lado direito do criador e tudo se foi num repente. Bum!!!
Everaldo, o pastor, aquele ex-presidiario, convertido pela leitura das escrituras, conduzido pelos missionários evangélicos que passavam pelas penitenciárias todos os domingos, estava sentado em sua escrivaninha, arrumando o dinheiro arrecadado na coleta do último culto. Arrumava o dinheiro, separando as notas uma a uma, para poder contar direitinho e levar ao banco no dia seguinte.
Foi pego exatamente quando planejava expandir seus negócios, abrindo mais uma franquia da casa do senhor. Pensava que já poderia comprar uma BMW. Deixaria escondida na garagem do seu amigo para os fiéis não sacarem que estava enricando. E assim pensando o mundo deixou de ser mundo, virando essa parafernália, essa mistura de coisas, restos de planeta, de estrelas, pitadas de poder, migalhas de toda fome, resquício de emoções, tudo melecado pela inteligência humana que servia agora de nada. Era nada. Nadinha de nada.
Só o mendigo não foi surpreendido pelo fim do mundo. Não foi. Só ele não foi. Estava deitado na calçada da cidade grande, sob uma marquise, confortavelmente sossegado sobre o cobertor levemente fedorento que tinha subtraído de uma caçamba de lixo já fazia uns 20 dias, mas estava inteirinho.
Deitado ali, olhos no céu, e o sono, ou a preguiça, ou o desestímulo, sabe-se lá, pesando em suas pálpebras, podia ver o fundo das nuvens esparsas que cobriam levemente o azul celeste, enquanto o tempo ido rodeava sua mente meio entorpecida pela última cachaça.
Viu, viu sim, tinha certeza que viu o céu abrindo uma cratera escura, negra e dali jorrando ouro, que vinha caindo, caindo e pousando suavemente na calçada onde estava. Viu sim seu corpo sendo coberto de pepitas douradas e então se sentiu rico. Biliardário, nadando no ouro.
Enquanto caia mais e mais ouro daquela fresta celeste, seus olhos foram esbugalhando, assustados, vendo o céu se misturar com os morros, as montanhas ao longe, tudo se revirando, como uma panela fervente, um caldeirão de bruxa, derretendo o mundo.
Só o Bastião viu o mundo se indo. E ele ali, soberbo, extasiado, tocando com os dedos no ouro que lhe cobria. Estava rico. Muito rico infinitamente rico.
O mundo que se danasse.
E o mundo se danou!!! Tudo se danou e só o Bastião viu, detalhe por detalhe.