Grimbaldo e a raposa

- Não foi esse o combinado - disse Faroardo cofiando a barba encaracolada, ao receber Clodomir e a raposa engaiolada que supostamente era Grimbaldo, encantado pela bruxa Gothuuera.

- Como não foi o combinado? - Clodomir pôs as mãos nas cadeiras. - Vou repetir suas palavras, textualmente: "devolver meu filho à humanidade". Ele está no meio da humanidade, não está?

- É... sim. Mas o que eu quis dizer foi: "restabelecido à forma humana" - redarguiu Faroardo, para não se dar por vencido.

- Você queria o seu filho de volta, são e salvo, e eu o trouxe - insistiu Clodomir. - Que ele esteja ainda transformado em raposa, deve-se muito provavelmente à quebra do pacto feito com Gothuuera; para resgatar a confiança dela, sugiro que cumpra a sua parte no trato e mande as duas vacas que prometeu.

- Bem... mas se a bruxa não desfizer o encantamento, vou considerar a sua missão como não cumprida - replicou Faroardo, abrindo as mãos como quem pede desculpas. - E, assim sendo, não haverá pagamento.

Clodomir ergueu os sobrolhos. Nem poderia se declarar surpreso, pois estava esperando justamente por aquela resposta.

- Então, permita que eu retorne ao Hulisgardo acompanhando a escolta das vacas. Tentarei sensibilizar Gothuuera para que desfaça o feitiço - prometeu Clodomir.

Como isso não implicava em qualquer compromisso por parte de Faroardo, este acabou concordando com a solicitação.

* * *

- Ah, soube que conseguiu fazer com que o tratante cumprisse sua parte no acordo - declarou Gothuuera, ao receber novamente Clodomir em sua cabana.

- Sim, as vacas foram trazidas, conforme o combinado - disse o emissário. - Agora, peço que devolva a forma humana a Grimbaldo.

Gothuuera lançou-lhe um olhar sagaz.

- Apenas porque respeito o seu trabalho como mediador - declarou a bruxa.

E, fazendo um sinal para um dos guardas, postados à entrada da cabana:

- Tragam o filho de Faroardo.

Para surpresa de Clodomir, o garoto entrou pouco depois no recinto, acompanhado pelo guarda.

- Mas... e a raposa que levei para Faroardo? - Questionou o emissário.

Gothuuera deu de ombros.

- Eu lhe informei que Grimbaldo estava aqui... e não necessariamente em forma de raposa. Mas, como você aceitou levar a raposa, considerei seu pleito atendido.

Clodomir mordeu os lábios.

- Suponho que agora vai liberar Grimbaldo para que volte comigo?

Gothuuera virou-se para o garoto.

- Você quer voltar para junto do seu pai?

Grimbaldo fez um gesto negativo.

- Não. Quero ficar em Hulisgardo e estudar para ser druida; não me interessa ser um guerreiro como meu pai.

Gothuuera encarou Clodomir.

- Aí tem a sua resposta. A raposa de Faroardo continuará a ser uma raposa.

Antes de despachar o emissário, a bruxa complementou:

- E eu sugiro que não conte o que realmente aconteceu aqui, ou Faroardo poderá imaginar que tentou enganá-lo. E quem tenta enganar Faroardo, geralmente não consegue manter a cabeça sobre os ombros por muito tempo.

Clodomir estava ciente disso. E Faroardo também não desejava comprar briga com uma bruxa tão poderosa, capaz de transformar homens em animais. No fim das contas, o emissário acabou sendo recompensado pelos seus serviços; menos do que merecia, mas ainda assim...

- [30-12-2021]