O Mago De Mil Palavras

 

Um mago, tão antigo quanto as primeiras células de carne, acabara de rodear o mundo por mais uma vez, compartilhando seus ensinamentos para todas as tribos e nações dos homens. Então, chegou a um deserto e decidiu por lá ficar. Nada lhe faltava, pois, se quisesse algo, verbalizaria seu desejo e este se tornaria real. Assim, não eram necessários cajados, varinhas, símbolos no chão ou gesticulações arduamente ensaiadas, mas apenas proferir. Por isso, era cuidadoso no que pedia. Se suas palavras fossem imprudentes, muito esforço e tempo seriam necessários para anular ou amenizar as consequências.

 

Na sua primeira noite, teve sede e sentiu o desejo de vinho.

Que vinho se realize – ele pediu. Minuciosamente descrevera como queria sua bebida: a textura, o cheiro, o sabor, a quantidade e o formato da garrafa. Vinho tomou, e pôs-se a admirar a luz das várias estrelas: amarelas, brancas e azuis. Conhecedor do universo, sabia que as estrelas eram sóis e admirou a potência e a energia que traziam calor e luz para o mundo. Pensando na luz, pensou também nas trevas. Admirou também a escuridão de um buraco negro cuja força atrativa o tornava voraz e tudo engolia.

 

Na manhã seguinte, ele pensou em criar um jardim naquele lugar. Um belíssimo. Porém, diferente de uma garrafa de vinho, essa criação exigiria mais detalhes dos seus pedidos. Descreveu como seria o jardim: a terra, a grama, as flores, as árvores, os insetos, as aves e tudo mais. Nada seria trivial. Ali haveria coisas inéditas e magníficas. Os séculos e séculos de vida lhe deram inspiração.

 

Muitos anos se passaram, porque um ótimo trabalho exige tempo e paciência. Caminhando pelo seu jardim, buscando o que faltava para torná-lo completo, concentrado em seus pensamentos, ele não viu à sua frente uma pedra, um pouco maior do que a cabeça de um homem, e bateu o pé nela, trincando-lhe um dos dedos. A dor surgiu fugaz como um raio e como um trovão a imprudência saiu de sua boca. – Ahhhh, maldição! Que um buraco negro engula este lugar! – Em instantes, no espaço onde estava a pedra, nasceu um buraco negro de implacável poder de atração que arrastou subitamente o mago para si, negando-lhe o tempo para anular o pedido. Com muita pressa, o buraco negro cresceu e consumiu todo o jardim. Ainda com muita pressa, cresceu mais e consumiu o deserto. Sem aviso todas as nações e tribos próximas do jardim, e aquelas um pouco além destas, desapareceram. Ninguém ali nesse raio se despediu de quem devia. A ninguém houve o mínimo de minutos para abraços nem para dizer “eu te amo”. Quem estava só, assim se foi.

 

O buraco negro se satisfez e o silêncio governou.

 

João Flávio
Enviado por João Flávio em 25/12/2021
Reeditado em 05/01/2024
Código do texto: T7414548
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.