Noctis

A taverna estava animada naquela tarde. Pessoas dançavam e cantavam ao som do alaúde, subindo sobre as mesas de madeira e batendo palmas no ritmo da música, a bebida velha sempre presente em suas mãos. Amaya se encontrava mais próxima ao taverneiro, pegando quaisquer bebidas que visse pela frente, sem se preocupar com seus verdadeiros donos.

A mulher sorriu ao olhar aquela bagunça. Arrumou o capuz sobre a cabeça, jogou algumas moedas sobre a mesa e saiu. O vilarejo não era mais do que um amontoado de pedras rachadas, mas tinha seu charme. As portas de madeira eram seguradas por fitas de couro trançadas, tal qual o teto. À noite, a iluminação vinha de algumas tochas e fogueiras

aqui e ali, que levantavam o cheiro de álcool e madeira queimada.

O pequeno e único vilarejo do planeta recebera o nome de Umbra, se estendendo por uma pequena porção da Planície de Tarsis, aos pés do imponente Monte Olimpo e dos Portais. O vulcão, a muito extinto, era uma estrutura magnífica, rompendo as nuvens e escondendo seu topo dos mais curiosos. Os mais velhos costumavam dizer que era maior do que qualquer montanha na Terra.

Os Portais, por sua vez, eram, até onde Amaya sabia, o caminho até a Terra, mas haviam se fechado a muito tempo, muito antes dela ter nascido – o motivo? Mesmo se tivessem lhe contado, não faria diferença, era impossível abri-lo novamente, nem mesmo o melhor dos feiticeiros havia conseguido.

O feiticeiro era alguém como ela, um jovem com mais curiosidade do que neurônios na cabeça. Ela nunca chegou a conhecê-lo de fato, quando nascera, ele já não estava mais ali. Mas sempre quisera saber mais sobre ele, mas não ousara perguntar.

Amaya olhou para cima, para os Portais e para a pequena cachoeira que escorria gentilmente para fora do Monte Olimpo, era toda a água que tinham, mas esta nunca acabaria; um presente dos que já se foram, da magia e da Terra. Os Portais eram um local de prece, agradecimento e nostalgia.

A mulher colocou um pé na frente do outro, em direção à montanha. A tempestade de areia passando por suas vestes à deixou com frio. Umbra era um vilarejo acolhedor, não havia para onde irem então fizeram deste o melhor lar que conseguiram.

Amaya passou por algumas pessoas, uma senhora e suas duas filhas. Cumprimentou-as, jogando uma maçã para as duas pequenas, que sorriram e acenaram para ela, que retribui o sorriso. A mulher colocou suas mãos mais fundo no bolso e apressou o passo, era um caminho difícil até Os Portais.

Na encosta do Monte Olimpo, uma escada suspensa havia sido erguida, passando por trás da cachoeira, levando-a para cima. A garota começou a subir, passando suas mãos pelas pedras frias e pelas cordas que mantinham a ponte de pé. Amaya esticou as mãos quando chegou na cachoeira, pegando um pouco da água para si. A cachoeira tinha cheiro de sal, mas não era salgada. A mulher ouvira quando criança que este era o cheiro de “casa”. Era o que ela mais gostava sobre a Terra.

O sol estava quase se pondo quando chegou aos Portais. A estrutura principal era formada por dois pórticos simples: dois pilares de pedra vermelha enrolados em tiras de couro, cipós, musgo e folhas, mantidos de pé por um arco simples que os ligava. Aquele era o único lugar de todo o planeta que havia algo além de pedra e areia. A pedra no chão era rachada, pequenas plantas cresciam por entre elas, enquanto a água no chão corria livremente, formando círculos e símbolos no chão. Não havia sentido nestes símbolos, mas eram estranhamente belos. Era dali que escorria a água para a cachoeira e dava vida àqueles lá embaixo. No centro havia um poço, sua água espelhava tudo ao seu redor, lançando raios de luz para cima. Ninguém sabia como funcionava, só sabiam que a última pessoa que tentou estava agora afogada no fundo daquela cratera. Ela desviou o olhar e escorou-se no pórtico, era possível ver todo o horizonte daquela altura. O sol estava se pondo, dando contraste aos três vulcões gêmeos ao final do Noctis Labyrinthus, que abria a floresta de pedra em duas, rasgando o chão do planeta vermelho até onde sua visão alcançava.

Amaya acreditava que a Terra possuía mais cores do que o degradê terracota de Marte, com cheiro de sal e plantas coloridas. Ela sentia nostalgia e falta de um lugar que nunca havia conhecido. O sol cobria uma pequena porção do céu, se esgueirando por entre as nuvens escuras e do vento que levantava a areia do chão em pequenos tornados. Era lindo, mas também um pouco solitário. Ela voltou sua visão para o Portal e aproximou-se lentamente.

Ela baixou o capuz, ajoelhando-se ao lado da cratera. Mesmo ela conseguia sentir os resquícios da magia naquela água. Ela fechou os olhos e espalmou sua mão sobre a água, levando seu rosto próximo a ela, sentindo o cheiro salgado e a brisa delicada que dele vinha.

Ela sentiu a água movendo-se sob sua mão, molhando seus joelhos e segurando seu rosto com delicadeza, mas não abriu os olhos. Ela não ouvia nada além da água caindo pela cachoeira. Quando a água segurou suas mãos, ela deixou ser levada.

O Portal abraçou seu corpo, puxando-o para dentro, levando-a para o fundo. A magia podendo ser sentida até seu último fio de cabelo. Sabia que estava submersa, mas não se sentiu sufocada ou com medo, estava em casa.

A água massageou sua pele e aqueceu seu corpo, a fazendo flutuar. Amaya não viu o tempo passar e adormeceu, o cheiro salgado adentrando suas narinas.

Quando acordou, não estava encharcada e a luz era incomoda.

Sob suas mãos sentiu algo macio, a grama gelando seus dedos. Colocou-se de pé.

À sua frente, apenas o mar.

Beatriz Kaiber
Enviado por Beatriz Kaiber em 09/12/2021
Reeditado em 09/12/2021
Código do texto: T7403653
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