As bênçãos da deusa
Sob a luz da manhã, um bafio de plantas em decomposição se elevava da água parada do pântano, que refletia mortiça a luz do sol. Gwaeddan e Agnes caminhavam a passos lentos pelos trechos de terra firme, onde cresciam touceiras de mato, a ferreira empunhando um longo bastão que parecia servir, entre outras coisas, para sondar a profundidade do alagadiço e espantar animais peçonhentos escondidos na vegetação rasteira.
- O cheiro não é bom, e a aparência pior, mas é daqui que vem o ferro que uso na minha forja - explicou a ferreira, espantando uma cobra d'água com uma varada.
Agnes não estava muito animada pela aventura. Se aquilo era parte do trabalho de Gwaeddan, ela não tinha realmente muito interesse em aprender o restante.
- E como você faz para descobrir onde está o ferro? - Indagou, imaginando que seria necessário um sexto sentido para localizar as jazidas de minério.
- Observe a água e a vegetação à sua volta - sugeriu Gwaeddan. - Grama murcha, lama avermelhada... tudo isso pode ser um sinal de que há ferro no solo.
Agnes viu um ponto próximo, ao lado de um arbusto retorcido, que parecia corresponder à descrição dada pela ferreira.
- Ali - apontou.
- Muito bem - aprovou Gwaeddan.
Aproximaram-se cautelosamente do terreno, deixando pegadas úmidas no solo encharcado. Então, a ferreira enfiou o bastão em vários pontos ao redor da árvore, conferindo a coloração da terra grudada à madeira.
- Aqui - determinou, indicando um local onde o solo era castanho-avermelhado.
Pôs-se de cócoras, e sacando uma longa faca de cortar turfa, começou a remover camadas de solo, revelando que abaixo da terra, havia vários nódulos cor de ocre de ferro de turfeira. Ela foi sacando habilmente com a faca os nódulos menores, do tamanho de uma maçã, e os repassou à menina, que os guardou numa sacola de pano que trazia a tiracolo. Finalmente, Gwaeddan deu-se por satisfeita.
- Pronto. Isso é suficiente - avaliou a ferreira. - Que tal achou? É difícil?
- Parece bem fácil... menos a parte de ter que malhar o ferro - admitiu.
E também ter que lidar com bichos peçonhentos escondidos na vegetação, pensou. Mas achou melhor não levantar este assunto.
- E você tem que ir cada vez mais para dentro do pântano, atrás do ferro? - Indagou, subitamente apreensiva.
- Não necessariamente - redarguiu Gwaeddan. - Há um segredo em relação ao ferro do pântano, que não acontece com o ferro trazido pelos koryosaram: graças à deusa, ele se regenera.
- Como assim? - Agnes estava embatucada.
- Depois de alguns anos, o ferro cresce novamente sob a terra. E nós podemos voltar e extrair mais.
Diante do ar de incredulidade de Agnes, Gwaeddan complementou com firmeza:
- É um milagre da deusa. Minha mãe vinha exatamente a este ponto, cavar o ferro, quando eu tinha a sua idade. E agora, voltei aqui e há mais ferro para ser forjado.
Fez um gesto para as águas paradas ao redor, de onde subia um vapor malcheiroso:
- A natureza se renova.
No caminho de volta para a choupana da ferreira, Agnes imaginou se tudo o que morria no pântano não se transformava em ferro depois de algum tempo. Verbalizou o pensamento para Gwaeddan, que pareceu aprová-lo.
- Ferro e turfa, que podemos queimar nas fornalhas. Bríd é generosa, como vê.
- [14-11-2021]