A deusa trivalente
- Algo me diz que você esperava alguém diferente - disse sorridente Gwaeddan, ao ser apresentada à Agnes por Parnell.
Agnes ficou sem jeito. Mal havia dormido a noite anterior, em expectativa pelo seu encontro com a misteriosa ferreira negra, e agora que a havia encontrado, descobrira que ela não era, bem... negra.
- Gwaeddan vive com o rosto sujo de fuligem, e usa aventais de couro preto sobre a roupa, para se proteger de fagulhas... então, acabou ficando conhecida como Gwaeddan, a Negra - explicou Parnell com uma ponta de malícia, para Agnes; a qual, bem que gostaria que a mãe adotiva houvesse lhe dado esta explicação na noite anterior.
- Nunca iria imaginar que houvesse uma mulher ferreira, - declarou Agnes diplomaticamente - até ver a figura de uma, no códice que minha mãe me mostrou.
- E agora que está diante de uma, qual é a sua impressão? - Indagou Gwaeddan, os braços fortes cruzados sob o busto.
- Você é grande - replicou Agnes.
- Essa é a primeira coisa que as pessoas percebem - Gwaeddan continuava a sorrir. - E eu tenho que ser, para poder malhar o ferro, fazer espadas e arados.
Agnes olhou ao redor. A tenda de Gwaeddan ficava ao lado de sua choupana, nos arredores do vilarejo, na direção oposta à casa de Grissell Aldebourne, a cervejeira.
- Você cuida de tudo aqui sozinha? - Indagou.
Gwaeddan olhou para Parnell e descruzou os braços:
- Sua filha quer ser minha aprendiz? - Indagou.
A velha fez um muxoxo.
- Acho que ela não tem porte físico para isso; Agnes está é curiosa sobre quantas profissões as mulheres podem exercer no nosso mundo, e algumas, como a sua, estão meio em desuso... mas quem sabe, não pode ensinar-lhe um truque ou dois?
Gwaeddan inclinou a cabeça e lançou um olhar analítico para Parnell.
- Nós, servas de Bríd, perdemos algum espaço depois da chegada dos koryosaram, - admitiu - principalmente aquelas dentre nós que se dedicam à metalurgia. Porém, Bríd não é somente a deusa da metalurgia, mas também da poesia e da cura. Sempre houve muitas mais de nós como poetas e curandeiras, do que como ferreiras.
Parnell fez um gesto de concordância.
- Esse é o ponto no qual nossas tradições se cruzam - ponderou. - Mas mesmo no seu ofício, há aspectos que podem ser úteis para o caminho que Agnes queira seguir no futuro. O pântano, por exemplo.
- O pântano é importante, - assentiu Gwaeddan - tanto para ferreiras quanto para curandeiras. Agnes será bem-vinda, se quiser aprender um pouco do que sei...
Parnell acariciou os cabelos da filha.
- Cuidado que Agnes pode acabar querendo saber tudo, e decidir se tornar uma serva da deusa...
Gwaeddan riu.
- Antes, ela vai ter que provar que é digna de ser ensinada...
E apontou para a bigorna, no interior da tenda de ferreiro, sobre a qual estava um pesado malho de cabo longo.
- Que tal levantar aquele malho ali, só para testar se tem aptidão para a forja?
Agnes olhou para a mãe adotiva, como quem pede socorro.
- Não, não tem - diagnosticou Parnell. - Passe outro teste, mais fácil, Gwaeddan.
A ferreira fingiu decepção.
- Mas logo agora, que imaginava ter conseguido uma aprendiz!
- [13-11-2021]