MARIJUANA E A BOITATÁ
Seu Josué gostava muito de sentar com as crianças da família, seus netos e seus sobrinhos-netos, para contar as histórias que vivera quando pequenino.
As histórias que mais causavam algazarra eram as fantásticas, e seu Josué, como um bom contador de causos, havia encontrado a Boitatá em pessoa, ou melhor, em cobra.
- Meus irmãos mais velhos saiam para fumar escondido nas matas. Era sempre assim: saiam e não me chamavam, se escondiam e eu não podia fumar também. Mas um dia eu saí disposto a encontrá-los.
Todas as crianças já estavam atraídas e observavam atentamente com os olhos para explodir do rosto de tão curiosos:
- Entrei na mata e caminhei um pouco. Tive a impressão de andar em círculos durante um tempo, então resolvi mudar a rota. Quando mais novo, eu ia pescar com meu pai atravessando uma pequena estradinha que ficava ali perto e dava no início da chácara de um ricaço,logo, pensei comigo mesmo: "se eles estiverem fumando pelas redondezas, eu sentirei o cheiro". Porém, não contei com a sorte! Ao chegar no lugar da estradinha, o mato já tinha crescido por toda parte e era denso como uma floresta jovem. Porém, continuei o caminho por lá mesmo, foi quando me deparei com uma jaracuçu muito bonita. Tinha o corpo preto e amarelo feito desenhos que lembravam artes de cerâmica. Fiquei assustado e meu primeiro pensamento foi fugir dali.
- E então?- Perguntou uma das crianças após Josué parar a história e beber um gole de água.
- Então eu não fugi. Quando olhei bem, percebi que a bichinha estava machucada. Parecia ter sido ferida com um tiro, ao mesmo tempo. Não quis deixar aquele bicho bonito morrer... Vi um pé de pau-de-óleo e usei o facão que andava comigo para conseguir o máximo de óleo que coubesse em uma folha. Depois fui ao encontro da jaracuçu e ela se mexeu um pouco como se me desse um sinal de que estava viva mesmo. Coloquei a folha recobrindo o ferimento e resolvi voltar para casa.
- Porém, fui atrás dos meus irmãos no dia seguinte. Segui pela estradinha que já não era estradinha e fui surpreendido pela mesma Jaracuçu do dia anterior. Ela parecia estar bem melhor! Apressei o passo e quando olho para trás vejo de novo aquele bicho. A cobra estava me seguindo, mas não queria me atacar, só me acompanhar. Nunca pensei que cobra gostasse de homem, mas não quis fazer desfeita. Cumprimentei a cobra com um "oi, dona Marijuana".
Seu Josué foi interrompido por uma das crianças:
-Marijuana? Como você sabia que esse era o nome dela?
-Eu não sabia- respondeu seu Josué com um sorriso- eu a chamei por esse nome porque lembrei que estava indo atrás dos rapazes que estavam fumando longe de casa. Para estarem se escondendo, só poderiam estar fumando marijuana. Por isso, chamei ela assim, foi o primeiro nome que me veio a cabeça.
Um dos meninos estava impaciente e perguntou zangado:
- Mas e a Boitatá? Quando vai falar dela?
- Agorinha! -respondeu Josué- Fui andando com Marijuana me seguindo durante quase 40 minutos e nada de encontrar os meninos. Mas, com o passar do tempo percebi que a presença que sentia não era da Marijuana: ela era até grande, devia ter 1 metro, mas era incapaz de pressionar a terra como ela parecia estar sendo pressionada. Foi quando, de repente, tive a impressão de ver fogo. Marijuana começou a verbalizar aquela sibilação de cobra. Porém, uma sibilação mais forte e assustadora se interpôs.
-O que é sibilação? - perguntou a mais curiosa das meninas.
-É o barulho que a cobra faz. E esse era diferente, era alto e forte e sentia-se um bafo de fogo. Foi quando me aproximei alguns metros e vi aquele bicho furioso: uma Boitatá enorme, gorda, todo recoberta de chamas. Seus olhos eram labaredas pura e sua presença era dominante. A terra parecia responder a presença daquele bicho furioso. Fiquei imóvel e a Boitatá se preparava para me atacar. Eu podia ver seu corpo se enrolando com um pedaço a postos para agarrar a vítima: eu! Foi quando Marijuana, a Jaracuçu, apareceu do meu lado e conversou com a Boitatá.
- E o que ela disse? -Perguntou novamente a menininha sagaz.
- Eu não sei, era língua de cobra. Mas, ao que parecia, a Boitatá entendia e respondia. Depois de uns 2 minutos de sibilações, a Boitatá se acalmou e não parecia que ia mais me atacar. Marijuana olhou para mim e deu de costas, como se me avisasse para ir embora daquele pedaço de terra. Quando estava chegando perto de casa, Marijuana se apressou e sumiu no mato, encontrei meus irmãos na entrada de casa. Um deles perguntou por onde andava, pois a mãe tinha dito que eu saira há bastante tempo- não vi o tempo passar,no entanto, já havia se passado horas desde a entrada na mata até a chegada em casa.
- Ao anoitecer, um deles contou que tinha visto uma Jaracuçu e que como bom caçador que era, tinha atirado nela no dia anterior. Foi aí que liguei todos os pontos.
As crianças estavam eufóricas com o final da história:
-Sim, é isso mesmo que estão pensando. Foi o meu irmão que atirou na Marijuana e deve ter sido isso que chamou a Boitatá. A Boitatá estava lá para se vingar de quem tinha machucado a bela Jaracuçu que eu salvei. Ela não deve tê-los encontrado e como me viu pelas bandas, pensou que teria sido eu, e por isso queria me atacar, mas Marijuana deve ter contado que eu a ajudei e a Boitatá entendeu.
-E você encontrou seus irmãos- perguntou o menininho mais novo?
- Até hoje não sei onde se metiam.- respondeu seu Josué coçando a cabeça.
- E você ficou amigo da Marijuana, seu Josué?- perguntou outra criança.
- Na verdade, nunca mais a vi, nem a Boitatá. Mas como lição desse dia, aprendi a tratar a mata bem e os bichos também, pois quando a gente mexe com eles, a Boitatá se zanga. E se a Boitatá encontrar quem faz mal às matas, nem quero pensar o que ela pode fazer com esses malfeitores...