A mãe do granizo
Sob o olhar atento de Agnes Langstone, sentada num tamborete ao lado dela à frente da choupana da cervejaria, Grissell Aldebourne apanhou um graveto e desenhou dois traços verticais paralelos no barro do terreiro. Em seguida, riscou um traço oblíquo unindo as duas barras, começando pouco abaixo do início daquela da esquerda e terminando pouco acima do término da barra direita.
- Esta é a runa hagel - disse a cervejeira. - Hagel, como em "granizo".
- Isso não parece nada com uma pedra de granizo, tia - observou Agnes, cotovelos apoiados nos joelhos, cabeça nas palmas das mãos.
- Não precisa parecer - replicou Grissell. - Isso é uma ideia, não o desenho de alguma coisa real.
Pondo-se a olhar atentamente para o símbolo, Agnes começou a imaginar que a barra esquerda poderia ser o céu, e a direita a terra; o traço oblíquo entre ambas seria a representação visual de uma pedra de granizo caindo sobre a terra - e provavelmente machucando a cabeça de alguém.
- Não sei se quem desenhou hagel pensou nisso, mas é uma explicação bastante boa - admitiu Grissell.
- E no que você usa essa runa, tia? - Indagou Agnes.
- Que tal descobrir você mesma? Vá na estante atrás de casa e me traga o pote com a runa hagel - disse a cervejeira.
Agnes fez como lhe fora mandado; pegou o pote de barro tampado, numa prateleira inferior da estante improvisada sob o telheiro nos fundos da choupana e o trouxe para Grissell. Ela o abriu e Agnes viu que estava cheio de fécula de arroz.
- Isso é usado para fazer cerveja? - Indagou a menina, intrigada.
- Não, na verdade - admitiu Grissell, tapando o pote. - A runa tem uma relação, digamos assim, indireta, com o que eu faço com essa fécula de arroz; aposto que você nunca comeu falude...
Agnes balançou negativamente a cabeça.
- É uma sobremesa dos ricos, - prosseguiu Grissell - feita com fécula de arroz, açúcar, água de rosas... e gelo.
- Gelo? - Agnes arqueou as sobrancelhas. - Onde vão encontrar gelo no verão? Sobem as montanhas?
- Os koryosaram dão um jeito para conservar gelo, mesmo no verão, - afirmou a cervejeira - numa construção chamada "poço de gelo".
- Eles enchem esse "poço de gelo" de granizo? - Intuiu Agnes.
- Eles recolhem o gelo no inverno e enchem o fundo do tal poço, - explicou Grissell - que é coberto por paredes muito grossas. Assim, o gelo não derrete e eles podem fazer sobremesas geladas o ano inteiro.
- E você vai me deixar provar desse falude? - Indagou esperançosamente Agnes.
- Talvez algum dia - ponderou Grissell. - Veja, eu não preparo a sobremesa, faço apenas um dos ingredientes, que é à base de fécula de arroz. Os koryosaram têm seus próprios cozinheiros para cuidar dessas iguarias.
- Pois no dia em que chover granizo, podíamos pegar um pouco e tentar fazer esse falude - sugeriu Agnes.
Grissell admitiu que a ideia nunca lhe havia ocorrido.
- Você está se perdendo com a Parnell - disse a cervejeira em tom brincalhão, acariciando os cabelos da menina.
Agnes olhou para o pote com a runa hagel e pensou que aquilo era mais do que uma analogia; na verdade, parecia uma inverdade. Os koryosaram realmente tinham gelo, e o seu povo, apenas granizo.
- [04-11-2021]