A mulher que falava com pombos

Cuidar do gatinho presenteado pela cervejeira Grissell, havia sido uma das condições impostas por Parnell Langstone para que a filha adotiva pudesse trazê-lo para casa. Já de volta à choupana onde residiam, depois que Agnes serviu ao animal leite numa tigela, a bruxa chamou a menina para sentar-se junto de si.

- Você gostou de ajudar sua tia Grissell a fazer cerveja? - Inquiriu Parnell.

- Gostei mais da parte em que ela me ensinou a ler algumas coisas - admitiu timidamente Agnes. - Nem tanto de ficar mexendo no caldeirão.

- Pois mexer no caldeirão é algo que terá que aprender a gostar, tanto se quiser seguir a profissão dela, quanto a minha - observou Parnell. - Já parou para pensar nisso?

- Bem... sim - redarguiu Agnes. - Mas também sei que o seu trabalho inclui muitas outras coisas além do caldeirão fervendo no fogo...

Parnell fez um aceno de aprovação.

- Muito bem colocado, Agnes. Cozinhar poções é parte do que faço, mas não é tudo, como já sabe; eu tenho que ler muito, e também fazer anotações. Você vai ter que aprender a ler e a escrever, e sua tia Grissell poderá lhe ensinar o básico... o suficiente para preparar cerveja, imagino. Mas se quiser realmente ser uma bruxa, terá que ir além disso e também interpretar textos... algo que somente eu, creio, estou em condições de transmitir.

- Então... posso começar como aprendiz de cervejeira... e depois virar uma bruxa como você? - Indagou esperançosamente Agnes.

- Se eu achar que está preparada para tanto, naturalmente - replicou a mãe adotiva. - Você vai me acompanhar em algumas tarefas e apenas assistir a princípio... mas poderá fazer perguntas quando voltarmos para casa.

Agnes olhou para o gato, que explorava o ambiente da sua nova habitação.

- E o Raphe?

- O que tem o seu gato? - Parnell arqueou as sobrancelhas.

- Ele é só um gato rajado... não me disse que uma bruxa tem que ter um gato preto?

Parnell deu de ombros.

- Raphe pode ser apenas o gato da casa, o que já é bastante responsabilidade. E quem te disse que familiares de bruxas têm que ser sempre gatos? Se for esse o caminho que vai seguir, sempre poderá escolher outra criatura mais adiante.

Agnes arregalou os olhos ao perceber que Parnell falara em "criatura", não em "animal"; um mar de possibilidades abriu-se diante dela.

* * *

Havia um pombal atrás da choupana, e cuidar dele era uma das atividades cotidianas de Agnes.

- Não se preocupe com o Raphe - Parnell a tranquilizara. - Quando ele começar a querer caçar, vai descobrir que o pombal está protegido por um sigilo anti-gatos... aliás, anti qualquer bicho que quiser mexer com os pombos.

Uma vez por outra, Parnell colocava uma das aves numa gaiolinha de vime e a levava para um dos seus trabalhos, longe dali. A princípio, Agnes acreditara que o animal era sacrificado, mas com o tempo percebeu que os pombos escolhidos sempre retornavam ao pombal.

- Esses pombos carregam mensagens? - Indagara ela por fim, roída pela curiosidade.

Parnell lançou-lhe um olhar de admiração.

- Você é boa observadora; mas não, esses não são pombos-correio, são pombos peregrinos.

E, pondo a mão no queixo.

- Embora, num certo sentido, eles também sejam mensageiros; mas não do tipo que carrega mensagens, e sim, almas.

- Almas de quem? - Questionou Agnes, surpresa.

- Almas dos mortos, é claro; de quem mais seriam? - Replicou Parnell, erguendo os sobrolhos. - Sempre que se precisa duma resposta de alguém que está no plano astral, é necessário mandar um pombo peregrino trazer a alma certa para cá. Depois do ritual, o pombo leva a alma de volta e só então pode retornar ao pombal.

- E esses pombos não vão para o sul, no outono? - Indagou Agnes.

- São pombos domesticados - minimizou Parnell. - Às vezes, perco um ou outro para os bandos que migram, mas mesmo esses, quase sempre voltam na primavera.

Agnes ficou matutando que deveria ter havido um tempo em que não era possível falar com os mortos no inverno, pois todos os pombos peregrinos haviam migrado para o sul. E que alguém tivera a ideia de domesticar os pombos, para que não fossem embora.

- Certamente, a primeira bruxa fez isso - assegurou Parnell com orgulho.

- [03-11-2021]