Branca de Neve E Os Sete Demônios

Há muito tempo, quando a magia e o conhecimento oculto eram ensinados de pais para filhos, vivia em um reino, uma bela e jovem mulher de nome Branca de Neve. Era filha única da rainha mais amada que já viveu naquelas terras e seria excepcionalmente bela, não fosse sua face sempre carrancuda.

Seu passatempo favorito era andar pela capital e desdenhar dos plebeus, ora ria dos trajes simples de um, ora caçoava a falta de beleza de outro. Ver pessoas discutindo, as casas simples e a falta de riquezas daquele povo a fazia se sentir a criatura mais afortunada do mundo. No castelo, Branca de Neve tinha tudo o que queria e nunca lhe faltaria nada.

O que mais a aborrecia era a rainha sua mãe, tão popular e sábia. Todos afirmavam que a monarca era a mais bela criatura e, a única pessoa no mundo que quase equiparava sua beleza era ela, Branca de Neve.

A rainha tinha o respeito e o amor de todo o reino. Passava a maior parte do dia e da noite em seu escritório na frente do espelho e perguntava: Espelho, espelho meu, existe alguém no reino menos feliz que eu? Na maioria das vezes o rosto fantasmagórico que ali surgia respondia que todos em seu reino eram felizes, mas vez ou outra, apontava algo como: Sim, minha rainha, existe uma família que acabou de perder suas três vacas para uma matilha faminta de lobos, agora se encontram tristes pois não tem meios de se sustentarem. Assim, o espelho lhe mostrava os infelizes e o lugar onde se encontravam; na mesma hora a rainha enviava seus cavaleiros ao local para acabarem com aquele sofrimento.

Branca de Neve se sentava no escritório da mãe e a observava em seu ofício de acabar com a infelicidade do seu povo. As vezes se perguntava como seria o reino caso a mãe morresse. Uma vez, quando a rainha saiu do escritório para resolver um assunto importante, Branca de Neve correu até o espelho e disse: Espelho, mostre-me agora como seria o reino sem o governo da minha mãe.

O rosto no espelho, de má vontade, assentiu. Branca de Neve viu cidades decaírem com a pobreza, pessoas morrendo de fome, bandidos tomando terras e assolando famílias, inúmeros rostos tomados pelo medo e tristeza. E lá estava ela, Branca de Neve, espetacular em seu castelo, assistindo seu povo clamar por socorro. Na medida em que via, seus olhos brilhavam. Ouvindo a volta da mãe, disse ao espelho que bastava e voltou para sua poltrona. A rainha ao passar por ela, deu-lhe um beijo e disse-lhe que a amava.

Branca de Neve ficou a pensar no que poderia fazer para tirar a mãe do poder e tomar seu lugar. A rainha era tão imaculada que era impossível tramar para que ela fosse presa ou acusada de algo, levando-a assim a ser odiada pelo povo. Só restava uma alternativa para Branca de Neve: a rainha tinha que morrer.

Pensar na morte da mãe se tornou o principal passatempo de Branca de Neve e não demorou para que encontrasse meios para concretizar seu desejo. Numa noite sem lua montou em seu corcel negro e galopou até a cabana de uma temida e respeitada bruxa que morava atrás de sete montanhas. Ao ver a miserável vida que a bruxa levava, Branca de Neve se alegrou e disse:

— Preciso de algo que me dê poder, mais poder do que tenho sendo uma princesa. Em troca lhe dou isso.

Jogou aos pés da bruxa um pacotinho contendo joias preciosas. A velha o pegou e lhe devolveu dizendo:

— Seu desejo é uma ordem, princesa. — Foi até sua enorme estante no fundo da cabana, pegou um grosso e empoeirado livro e o entregou à Branca de Neve. — Conhecimento é o maior poder que poderá ter.

Branca de Neve já ia atirar o livro na cabeça da velha, mas se deteve quando ele abriu em suas mãos. Era um grimório completo de magia que ensinava desde curar resfriado até evocação de entidades.

Branca de Neve guardou o livro sob a capa e voltou para casa, mas não sem antes ouvir da bruxa:

— E ouça, você pode ter todo o conhecimento, mas usá-lo contra os outros a levará a ruína. O pêndulo sobe e desce, não se esqueça disso.

Assim que regressou ao castelo, Branca de Neve correu para os seus aposentos e abiu o livro na página que ensinava a evocar demônios. Ela precisaria de uma lista extensa de instrumentos mágicos que ela não tinha, além de que, teria que esperar a lua certa para realizar o feitiço. No dia seguinte, bem cedinho, voltou a vestir sua capa e, disfarçada, cavalgou até o mercado de pulgas onde comprou instrumentos e os materiais que precisaria.

No decorrer dos dias a rotina no castelo continuava a mesma. A rainha ajudava seu povo através do espelho e reservava algumas horas para ouvi-los e conversar com eles. Jamais poderia imaginar o que sua filha tramava. Sabia que Branca de Neve, apesar de ser ranzinza e fria as vezes, iria aprender a ser uma boa rainha como ela. Ela mesma a preparava para isso todos os dias.

Finalmente o momento propício chegou. No meio da noite, a princesa tomou o livro e os instrumentos e foi silenciosamente até a floresta. Na clareira, nua, com objetos sinistros, cânticos proibidos e sacrifício de sangue, Branca de Neve conseguiu seu intento. Viu diante de si um grupo de sete demônios ávidos por maldade e caos.

— Eu os trouxe aqui para realizar o meu desejo. Em troca darei a vocês o que quiserem.

Com a mãe morta, Branca de Neve teria uma incalculável fortuna e poder. Daria depois aos sete demônios uma arca contendo os mais preciosos tesouros. Isso certamente bastaria.

Os demônios disseram, em uníssono:

— Atenderemos seu pedido. Mas o preço será...

— Sim, sim, sim... Eu darei a vocês o que quiserem — disse uma impaciente princesa pensando em joias em um baú feito de ouro. — Agora quero que vão até a rainha e a mate.

— Sete demônios somos. Sete maledicências a rainha terá. No sétimo dia, a morte a carregará.

— Sete dias, ainda? — Queixou-se Branca de Neve. — Pois que assim seja.

Um redemoinho levou os demônios. Sem demora, Branca de Neve enterrou ali tudo o que usou e voltou feliz para o castelo, ansiando os infortúnios da mãe.

No dia seguinte, o demônio do primeiro dia jogou poeira nos olhos da rainha quando esta descia as escadas. A queda a fez quebrar uma perna.

O demônio do segundo dia jogou veneno na sopa da rainha e a fez ter cólicas terríveis.

O demônio do terceiro dia possuiu um camponês e agrediu a rainha enquanto ela, mesmo com as dores, atendia seu povo.

O demônio do quarto dia adentrou os sonhos da rainha e a fez acreditar que seu reino logo seria consumido por guerras, fome e morte. Isso a deixou terrivelmente assustada.

Branca de Neve assistia a tudo e se alegrava em segredo. Mal podia esperar o sétimo dia em que a rainha finalmente morreria e ela teria o reino todo para si.

O demônio do quinto dia lançou seu ataque à rainha quando ela buscava medidas com seu conselho para evitar a terrível premonição que tivera em sonho. No meio da reunião, o demônio levou até eles um terrível troll que destruiu o salão, pôs todos para correr e ainda surrou a rainha.

O demônio do sexto dia visitou a monarca logo de manhã e, antes que acordasse, lançou sobre ela um cobertor invisível que a encheu de canseira e desânimo. Neste dia, ela chamou Branca de Neve até seus aposentos e mandou que ela cuidasse do seu povo, como ela mesma fazia. Branca de Neve concordou e foi para o escritório da mãe onde passou a o dia rindo com os demônios e jogando comida no espelho.

Um caçador, amigo da rainha, visitou-a naquela tarde e disse:

— Minha querida amiga, não é normal que esses males lhe aconteçam. Peço permissão para trazer a bruxa que mora atrás das sete montanhas. Ela poderá ajudá-la com seus feitiços de proteção e cura.

A rainha, moribunda, conseguiu apenas assentir com a cabeça. O caçador partiu e voltou com a bruxa no início da noite.

— Aqui está ela, minha estimada soberana.

Atrás deles vieram todos os conselheiros do reino.

A bruxa se aproximou da moribunda, passou um raminho sobre seu corpo trêmulo e disse:

— Um grande mal foi feito para que a senhora morra. Amanhã será o sétimo ataque e ele a matará.

— Mas quem poderia ter feito esse mal à nossa soberana? Ela é adorada em todo o reino.

A monarca apenas observava, sentindo suas dores e canseira quase mortal.

A bruxa fitando a rainha respondeu:

— Branca de Neve.

Uma lágrima silenciosa desceu pela face da rainha.

O caçador inconsolado, disse:

— O que podemos fazer para parar isso e devolver a saúde e vida a nossa amiga e governante?

— Ouçam — disse a bruxa olhando todos no aposento, — Branca de Neve mexeu com forças inferiores e muito poderosas. Só existe uma coisa que pode ser feita para quebrar o feitiço.

— Diga o que é — pediu um tristonho curandeiro.

— Devemos sacrificar Branca de Neve aos demônios que ela invocou.

Nesse instante, a rainha, a todo custo, conseguiu sentar-se na cama e dizer:

— Não, minha filha, não...

— Pelos deuses, minha senhora. Só assim poderemos salvar-te e a todo o reino.

— Minha filha, não — tornou ela e desabou na cama, desfalecida.

Sem poder desobedecer a monarca, os membros do conselho saíram do aposento desconsolados. Iam se reunir no grande salão para tentarem encontrar uma outra solução. O caçador, portanto, olhou a bruxa e disse:

— Tive uma ideia e preciso da sua ajuda.

A bruxa, sentindo-se responsável por todo aquele mal, se prontificou a ajudar. A ideia era o caçador se passar pela rainha e escondê-la. Assim feito, deitado na cama e com as roupas reais, o caçador recebeu encantamentos da bruxa para que os demônios não desconfiassem da farsa.

Logo após o sino da meia noite badalar, os sete demônios adentraram o quarto real e pararam diante do caçador disfarçado. O demônio do sétimo dia soprou seu hálito podre no rosto do caçador que, no mesmo instante, foi tomado por dores terríveis de doenças que infestavam seu corpo. Quando o galo cantou naquela manhã, o caçador enfim partiu desta vida, deixando um corpo roxo e coberto de pústulas fétidas.

Ao acordar, Branca de Neve foi correndo ver o cadáver da mãe e levou um susto quando a viu viva. A rainha estava sentada na cama e a bruxa lhe ministrava poções e encantamentos de cura. Maldito caçador, praguejou quando soube do plano.

A rainha, que chorava a perda do amigo e herói, disse á Branca de Neve:

— Minha filha, não me resta alternativa a não ser expulsar você do meu país. Só deverá voltar quando tiver um coração puro. Isso é para o bem de todo o reino.

Com um grito de fúria, Branca de Neve deixou o quarto. Arrumou uma pequena trouxa e partiu.

Depois de andar algumas milhas, desceu do corcel para tomar água do rio e descansar. Iria voltar em breve para o castelo, pensava, e iria destronar de vez a mãe. Um fedor de enxofre a fez erguer a cabeça e então viu os sete demônios ao seu lado.

— Bando de inúteis — gritou cheia de ira. — Sumam daqui com o rabo entre as pernas antes que eu arranque os chifres de vocês.

Os demônios mal a ouviram, olhavam-na esgazeados. Disseram em uníssono, dando finalmente o preço do trabalho:

— Atendemos seu pedido. Em troca levaremos você para os confins do inferno, onde nos servirá como nossa mãe e concubina.

Num átimo, os sete demônios caíram sobre Branca de Neve e a carregaram para o meio da floresta. E nunca mais foi vista em parte alguma.

Semanas depois a rainha se encontrava totalmente curada. E por muitos meses perguntou ao espelho:

— Espelho, espelho meu. Existe alguma mãe mais triste do que eu?

O espelho respondia:

— Não, minha rainha. A senhora é a mãe mais triste em todo o reino.

O sofrimento da rainha teve fim quando se casou com o rei de um reino vizinho. Tempos depois soube que uma semente germinava em seu ventre. Quando teve que partir desta vida, deixou o governo nas boas mãos da segunda filha, que anos depois acabou se casando com um malévolo rei de nome Barba-Azul, este reescreveu a história daquele reino, mas esta é uma história sangrenta para outra hora.

Bruno Wolff
Enviado por Bruno Wolff em 31/10/2021
Reeditado em 31/10/2021
Código do texto: T7375136
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