O acolhimento
Resolutamente, seguimos Shantel rumo à pousada fantasma, mãos esquerdas nos bolsos segurando uma hathagola, dedo pousado sobre a runa que indicava a mudança de estado do mímico.
- Só ativem se eu mandar - sussurrou ela, olhando para trás.
Paramos a poucos passos do edifício de dois andares, feericamente iluminado por lâmpadas de cobre que pendiam dos beirais, como se alguma festa estivesse para ocorrer ali. Todavia, portas e janelas estavam fechadas e lá de dentro ainda se ouvia música, porém mais nenhuma voz humana.
- Estaria acontecendo um encontro reservado? - Indagou Jaric, diante da porta principal.
Como se estivesse aguardando a deixa, a porta abriu-se e diante de nós surgiu a figura de uma jovem sorridente, com um avental branco sobre o vestido cinza; uma atendente ou a própria estalajadeira.
- Bem-vindos, viajantes! Desejam descansar um pouco em nossas acomodações? Quem sabe, beber uma cerveja ou comer um guisado?
Eu e Jaric nos entreolhamos. O discurso soava ensaiado, e a atitude da atendente parecia artificial; Shantel, contudo, não fez caso e pediu uma mesa para três.
Dentro, o salão estava ocupado pela metade. A maioria dos frequentadores era de homens, e muitos vestiam roupas estranhas ou antigas. Voltaram-se em silêncio ao nos ver entrar, como se estivessem avaliando o que nossa presença poderia significar. A música, logo descobrimos, provinha de um saltério tocado por uma jovem de vestido verde. O silêncio, talvez, decorresse da apreciação da música.
Isto, claro, se esta fosse uma pousada normal.
- Este lugar é do agrado de vocês? - Indagou a atendente, indicando uma mesa no fundo do salão, bem longe da porta principal.
- Está ótima! - Assentiu Shantel, cara de despreocupação. - Por favor, traga-nos uma jarra de cerveja.
Fiz que não com a cabeça, pois sabe-se lá o que poderia conter a comida e bebida servidas no interior de um mímico, mas Shantel não me deu atenção. Quando a atendente se retirou para atender o pedido, Jaric cochichou:
- Essa é a nossa deixa para armar as bombas e cair fora daqui?
- Ainda não - replicou Shantel, olhando ao redor. - Quero saber exatamente o que ocorre aqui. Esse mímico está se dando muito trabalho apenas para devorar viajantes incautos...
- Talvez assustar as vítimas estrague o sabor da carne - avaliei.
- Todas essas pessoas estão mortas? - Sussurrou Jaric, olhos arregalados.
- O que você acha? - Retrucou Shantel. - O que vemos aqui, são recriações feitas pelo mímico; e são de excelente qualidade, aliás. Nunca havia visto um grau de detalhamento como esse.
A musicista havia acabado de tocar seu instrumento e os presentes expressaram sua satisfação batendo ritmadamente nas mesas. Ela então olhou diretamente em nossa direção e disse:
- Temos convidados esta noite. Gostariam de se apresentar e dizer de onde vêm?
Shantel ergueu-se, mão no peito.
- Eu sou Shantel de Seabourne, e estes são meus companheiros de viagem, Jaric e Ferric. Você é a dona desta pousada?
- Eu sou Iltani e não sou a dona da pousada - replicou a jovem. - Eu sou a própria pousada.
- [Continua]
- [21-10-2021]