A cerca
A cerca
Há muito tempo, uma pequena aldeia se formou em meio a uma densa floresta. Pelos três lados a aldeia fazia divisa com a vegetação fechada e escura que escondia em seu interior seres e animais desconhecidos daqueles que habitavam a pequena vila.
Durante o dia, os homens, faziam incursões à floresta a fim de buscar alimentos. Esses alimentos eram basicamente pequenas caças, frutas, cogumelos e sementes.
Um dia se aventuravam mais para o interior da floresta e se viram diante de uma linda cascata, que perceberam que era o que dava início ao riozinho que abastecia de água fresca o interior do vilarejo.
A sensação em torno da cascata era maravilhosa. Um pequeno véu molhado, com gotículas brilhantes e coloridas se espalhava pelo ar, trazendo uma agradável sensação de frescor. Borboletas e pássaros coloridos faziam festa sobre as florezinhas que se seguravam com suas raízes a beira do penhasco por onde escorria a cachoeira. O cantarolar dos pássaros junto com o zunido de abelhas sobressaíam-se com dificuldade sobre a cantoria que ecoava no bater das águas geladas sobre as pedras.
Passaram a ficar alguns longos minutos por ali, todos os dias, apenas saboreando a paisagem. Sem se darem conta dos olhos amarelos e dos dentes pontiagudos que babando os observava. Ambas as criaturas eram desconhecidas um do outro. Os seres da floresta nunca tinham visto um ser humano, e os humanos que moravam na vila também não sabiam o que a floresta escondia.
Mas o tempo foi passando e assim como as incursões a floresta foram se tornando frequentes, os seres que antes temiam o desconhecido, passaram a observar que as criaturas da vila tinham suas fraquezas. Além de astutos esses seres também possuíam a vantagem de estarem observando das sombras. Escondidos estudavam a vulnerabilidade de suas presas.
Então numa noite quente e quieta, onde somente se podia ouvir as cigarras ao longe, um desavisado aldeão saiu para seu jardim para recolher suas ferramentas. Não viu de onde veio o ataque, foi arrastado para o interior da floresta, sem nem mesmo ter a chance de ver seu agressor. O que pode ter sido uma benção, afinal ele não estaria preparado para o horror que o tomaria.
Na manhã seguinte todos sentiram sua falta no início dos trabalhos, e apesar de procurar por todos os lados não entenderam o que havia acontecido.
Na noite seguinte outro aldeão desapareceu e assim noite após noite, foram vendo sua aldeia ser atacada, sem saber de onde vinha o ataque.
Resolveram ficar de tocaia e observar para tentar descobrir quem estaria atacando as pessoas.
Por certo que passaram a tomar maiores cuidados, não saindo mais a noite sozinhos para o jardim. À noite acostumaram-se a ficar em suas casas escondidos até a manhã clarear o dia.
Mas isso não era o bastante, algumas pessoas foram tiradas de suas camas. E o medo tomou conta da vila.
A vila era composta de pessoas trabalhadeiras, que plantavam verduras e sementes que eram tiradas da floresta, bem como domesticavam alguns animais mansos e vendiam sua produção nas cidades próximas. Tinham portanto dinheiro e comida armazenados para um longo período, mas ainda assim não se sentiam seguros.
Até que alguém inteligente o bastante, pensou que talvez o perigo se escondesse na floresta. Sugeriu que uma cerca alta fosse feita em torno da aldeia, separando os animais da floresta das frágeis casas que habitavam.
Juntaram todas as economias, grossas tábuas de madeira, e reforçados pilares, e cercaram a vila toda, cessando assim os ataques noturnos. Por muitos e muitos anos viveram felizes e sentindo-se seguros, protegidos pela enorme cerca que apesar de impedir que visem as belezas da floresta, os mantinha longe dos ataques.
Os aldeões mais velhos, seus filhos seus netos e bisnetos sabiam dos ataques, estava tudo fresco em suas memórias, mas o tempo continuou passando e a aldeia se tornou uma próspera cidade, os aldeões orgulhosos do progresso que tinham visto a cerca ser construída morreram e foram enterrados com honra pelos seus filhos. O aldeão que teve a ideia de fazer a cerca também morreu, velho e muito querido por todos. Fizeram-lhe uma homenagem construindo uma estátua, que foi colocada no centro da cidade.
O tempo passou mais, e muitas gerações vieram e se foram, e ninguém se lembrava mais quem era o homem cuja estátua estava no centro da cidade. Decidiram destruí-la e construir em seu lugar um monumento mais moderno.
O crescimento da cidade trouxe a necessidade de ampliar o território e o mais óbvio era cortar umas árvores da floresta e limpar o terreno ao redor para construção de novas casas.
Assim iniciaram a derrubada da cerca, afinal ninguém se lembrava mais porque ela existia.
Uns achavam que era tentativa dos mais velhos de limitar a liberdade do povo, outros diziam que a floresta possuía riquezas que estavam mantendo longe deles, para os privar de seus tesouros escondidos. A maioria apenas achava que a floresta era bonita demais para ficar além e escondida pela antiquada cerca. No final do dia a cerca estava toda destruída e admiram-se por não ter removido a cerca antes. Afinal a floresta era realmente muito linda.
Naquela noite, seres famintos e há muito afastados, devastaram a cidade. Muitos perderam parentes e amigos. Não se atinaram sobre o que ocorreu, até se darem conta de quê era a cerca de proteção que os mantinham a salvo.