Um lar para os bereginyas

- Isso nunca foi tentado - advertiu Nora Brilhavento, quando Ali Santorno lhe mostrou as especificações do projeto de transmorfengenharia que desejava utilizar em Umbrareia. - Ao menos, não nessa proporção.

- Esse é uma operação especial - afirmou o endopaisagista. - Por ser um pântano, as técnicas de drenagem tradicionais, além de demoradas e caras, podem não surtir o efeito desejado.

- O que exatamente o prefeito pretende construir lá? - Inquiriu Brilhavento, que havia recebido Santorno em seu estúdio de trabalho, construído nos fundos da aprazível residência, num bosque em Falkenwalla a cavaleiro do rio.

- Ele quer dividir Umbrareia em duas grandes regiões, dotadas de infraestrutura moderna - resumiu Santorno. - Junto ao rio, uma área maior, onde comerciantes e industriais possam instalar seus galpões e entrepostos; e ao sul dela, um parque retangular, separando a parte menor do terreno onde será construído um loteamento residencial.

- É um projeto ambicioso, - admitiu Brilhavento, mãos espalmadas sobre o mapa de Umbrareia que Santorno havia aberto sobre a prancheta de desenho no centro do estúdio - particularmente conhecendo quem mora lá; como vão convencer os bereginyas a abrir mão do seu reduto?

- Isso já foi feito - desconversou Santorno. - Eles aceitaram trocar Umbrareia por um novo loteamento da prefeitura, junto aos manguezais na foz do Cabarkapa.

Brilhavento ergueu os sobrolhos.

- Um local totalmente na contramão, para quem hoje vive praticamente dentro da cidade; mas entendo que o prefeito tenha lá os seus meios de dissuasão e que não queira discuti-los. Quanto ao meu papel específico dentro deste projeto, terei que subcontratar a parte dos fundamentos do terreno; é uma tarefa bastante especializada, e só conheço um único profissional capaz de entregar o resultado desejado: Peridoto Contalua.

- Ele é de confiança? - Questionou Santorno.

- Pode apostar que sim - replicou Brilhavento. - Ademais, mora em Esan Kanar e nada sabe da política local; da minha parte, continuará totalmente ignorante quanto a isso.

- Quando poderá começar? - Inquiriu o endopaisagista.

- Quando vai me entregar Umbrareia sem moradores? - Retrucou Brilhavento.

- Bem... o loteamento do manguezal está em fase adiantada de construção. Eu diria... uns 30 dias.

- Em duas semanas, no máximo, terei a confirmação de Contalua - assegurou Brilhavento.

- Mãos à obra, então - replicou Santorno.

Ao sair da residência da transmorfengenheira num fiacre de aluguel, Santorno perguntou-se se deveria ter detalhado a real razão das complicações do projeto apresentado. Depois, concluiu que isso não iria interferir no resultado final do trabalho; bastava que ele soubesse exatamente o porquê de estar fazendo tudo aquilo.

[Continua]

- [06-09-2021]