A destruição anunciada

- Ele espera mesmo aprovar isso? - Indagou estarrecido o professor Vojin Klimenta, após ouvir as últimas e preocupantes notícias por Ali Santorno.

- Sim - assegurou o endopaisagista. - O prefeito Lubelha concluiu que está na hora de quebrar o pacto com os bereginyas e invadir Umbrareia.

- Falando desta forma, parece mesmo uma operação de guerra, - ponderou Klimenta - mas os tempos são outros, e o que ele deseja mesmo é uma vitória rápida, com a rendição ou fuga dos pantaneiros. Mas por que justamente agora, saberia dizer?

A conversa transcorria na biblioteca da residência de Klimenta, que havia sido professor de endopaisagismo de Santorno e ainda era considerado por este como seu mentor.

- Os bereginyas são hoje uma sombra do que já foram - avaliou Santorno. - Seu poder diluiu-se nos últimos séculos, e a cada ano, menos pantaneiros os seguem. Certamente ainda têm seus vínculos com políticos corruptos e chefões do crime organizado, mas isso não irá lhes garantir imunidade eterna. E embora essa proximidade seja essencial para lhes assegurar uma sobrevivência que o Pacto somente não mais garante, pode funcionar como uma faca de dois gumes nas mãos de gente como Lubelha; ele pode, e certamente o fará, jogar a opinião pública contra os bereginyas.

- Percebo - redarguiu Klimenta, expressão reflexiva. - E então, no que acha que posso ajudá-lo? O prefeito confia que aceitaria o trabalho, ou não o teria convidado.

- De fato - acedeu Santorno. - Se eu não aceitasse, Lubelha com certeza chamaria algum mercenário com ideias pseudo-progressistas. Ao menos, tenho uma ideia de como posso fazer Lubelha acreditar que triunfou com um mínimo de esforço. E para isso, preciso que me consiga um encontro com Gavro Lubarda.

O professor ergueu os sobrolhos e entrelaçou os dedos das mãos.

- Não sabe como isso pode ser perigoso... particularmente se Lubarda souber do que se trata. Ele não hesitaria em cortar o seu pescoço e enterrá-lo no pântano.

- E com isso abriria caminho para alguém que seguiria fielmente a orientação de Lubelha - replicou Santorno com um sorriso triste. - Os bereginyas vão perder essa batalha, não importa o que façam; mas posso fazer com que vençam a guerra, no longo prazo.

- É uma promessa que talvez tenha dificuldades em cumprir - avaliou o professor. - Como, exatamente, pretende fazer isso?

- Preciso fazer com que os bereginyas aceitem vir para a cidade, - explicou Santorno - e com isso, tragam os pantaneiros. Já convenci Lubelha a criar um loteamento junto aos manguezais da margem direita do Cabarkapa e cedê-lo para os desalojados de Umbrareia, bereginyas inclusos.

- Um loteamento - Klimenta encarou o ex-aluno com atenção. - Imagino que concentrar os seus inimigos num único local também atenda aos planos do prefeito...

- Decerto que ele está consciente desta possibilidade - admitiu Santorno. - Seria como um tipo de reserva ambiental, com os mangues e um jardim botânico para preservar espécies que iríamos retirar de Umbrareia antes da sua... destruição.

- Controlar, vigiar, punir - resumiu o professor.

- É bem ruim, mas pode ficar pior - redarguiu Santorno. - Por isso, preciso que me ponha em contato com Lubarda... e o convença a não me fazer desaparecer no pântano, ou qualquer outra coisa igualmente danosa à minha integridade física.

Klimenta esboçou um sorriso.

- Você foi meu melhor aluno - ponderou. - Seria realmente uma pena que sua vida terminasse antes de uma grande realização, como este projeto do prefeito para Umbrareia...

- Pessoalmente, espero ainda poder viver o bastante para realizar outros grandes projetos... e com maior grau de liberdade - admitiu Santorno.

O professor balançou a cabeça em concordância.

- Vou falar com Lubarda. Mas não prometo nada...

- Isso me basta - replicou Santorno.

[Continua]

- [04-09-2021]