Fora dos limites

O prefeito Limônio Lubelha recebeu em mangas de camisa o endopaisagista Ali Santorno no seu escritório com vista para o rio, em Badinbohr.

- O que vê do outro lado do rio, meu caro Santorno? - Indagou o prefeito de modo afável, conduzindo o endopaisagista pelo braço até a ampla janela aberta no fundo do aposento, por onde entrava a brisa da manhã e o cheiro de plantas em decomposição.

- O pântano de Umbrareia - declarou Santorno.

- Pois eu vejo uma grande oportunidade de expansão para a cidade - redarguiu o prefeito. - Por isso pedi que viesse aqui hoje.

Santorno ergueu os sobrolhos.

- Pelo que me lembro, o pântano foi declarado fora dos limites do zoneamento urbano há alguns séculos... mais do que posso me lembrar.

- Certamente, quando o pacto tripartite foi assinado, você ainda não era nascido - replicou Lubelha, dando palmadinhas amistosas nas costas do endopaisagista. - Sim, há um pacto e ele tem sido respeitado pelos signatários... até agora.

Santorno desviou os olhos das águas verdes do rio e encarou o prefeito; ele estava sorrindo, e o sorriso pareceu-lhe irônico.

- Umbrareia é uma região sagrada para os humanos - Santorno recordou. - Há ali várias turfeiras de onde extraem ferro cerimonial, o qual julgam importante para se manter em pé de igualdade conosco.

Braços cruzados, o prefeito, agora sério, balançou a cabeça em concordância.

- A mineração de ferro de turfeira já foi importante no passado, é verdade, mas a igualdade obtida pelos humanos não se deve à ela, como sabe. Ocorre, apenas, que eles se reproduzem mais rápido do que nós... até por terem uma expectativa de vida menor.

- Sim - assentiu Santorno.

- Então, - prosseguiu Lubelha - o que resta hoje é pouco mais que a lembrança de uma época em que ainda não tínhamos defesa contra o metal forjado pelos humanos, e que hoje eles mesmos já não dão tanta importância, posto que nos integramos à sua sociedade de forma pacífica e deixamos de ser vistos como uma ameaça...

- E a prova, é que você é o prefeito de uma cidade onde a maioria dos habitantes é humana - ponderou Santorno.

- Exato! - Exultou Lubelha. - Pois creio que está na hora de superar definitivamente este passado e abrir Umbrareia e além para novos assentamentos.

- Os humanos e o nosso povo certamente ficarão muito satisfeitos... - avaliou o endopaisagista. - Mas, como disse, o pacto era tripartite; a terceira parte é quem eu estou pensando?

Lubelha apenas balançou a cabeça, o mesmo sorriso irônico desenhando-se no rosto.

- Imagino que eles não ficarão nada satisfeitos com essa perspectiva - comentou Santorno.

- Tudo em nome do progresso - retrucou Lubelha. - Agora, nós somos maioria...

E ampliando o sorriso:

- Quero dizer, meus munícipes.

[Continua]

- [03-09-2021]