Contos de Faery: o menino com pele de madeira
O pequeno Gilbert nunca imaginaria que o simples fato de sair de casa para colher amoras fosse se transformar numa fuga desesperada pela vida. Franzino e desajeitado, dava tudo de si numa corrida desenfreada por entre as árvores sem olhar para trás. O que tinha presenciado no meio da floresta gelou sua alma, fazendo seu coração quase explodir de pavor.
Minutos antes, colhendo amoras no local que sempre costumava ir, se deparou com uma cena horrível. No meio de uma pequena clareira estavam vários corpos, ou o que havia sobrado deles, espalhados pelo chão. Mesmo um pouco distante, escondido atrás de uma árvore, Gilbert conseguiu distinguir as vestimentas que usavam e percebeu que eram de soldados reais.
Tomado pelo medo, começou a se afastar daquele local de morte quando ouviu um estranho som vindo de cima, por sobre as copas das árvores. Agachou-se encostado num tronco de árvore ao avistar um vulto se aproximar e pousar onde estavam os corpos dos soldados. Nunca tinha visto nada como aquilo em sua vida, uma criatura humanoide bem mais alta que um homem comum, coberto de pelos escuros como a noite sem lua, longas garras nas mãos e asas de morcego. O rosto tinha olhos ferozes, dentes afiados e orelhas grandes e pontudas.
A criatura começou a vasculhar os corpos, procurando alguma coisa. Gilbert aproveitou a distração do monstro e resolveu sair logo dali mas, desajeitado como sempre, tropeçou e caiu por sobre folhas e galhos secos. O ruído de sua frustrada tentativa de fuga alertou a criatura alada. O que se deu daí em diante foi uma corrida desesperada do garoto pelo meio das árvores. E não demorou muito para que começasse a ouvir o bater das horrendas asas logo atrás.
Tropeçou uma, duas, três, muitas vezes nos arbustos e cipós no meio do caminho, continuou correndo açoitado pelo medo. Se aquela criatura o alcançasse, teria o mesmo fim que os soldados mortos no meio da clareira. Nunca mais veria seus pais e irmãos. Ao olhar para trás para saber a que distância estava a criatura, teve o azar de se chocar contra um tronco no meio do caminho, caindo e rolando várias vezes por um barranco até se estatelar no chão lá embaixo.
Apesar do susto da queda, Gilbert levantou, colocando a mão na testa ferida, e viu ao seu lado uma outra pessoa, um garoto como ele. Não havia se chocado com um tronco, afinal. Mas aquele menino não era como os outros que conhecera. Sua pele era feita de madeira, parecendo um dos bonecos manipulados por cordas que costumava ver nos circos ambulantes que passavam por sua aldeia. Mas neste não havia nenhum animador mexendo seus braços e pernas, tinha vida própria.
Antes que pudessem formular qualquer pergunta, os garotos foram despertados de sua surpresa pelo som das enormes asas batendo. A criatura estava parada no alto do barranco olhando para baixo. Rapidamente o menino de madeira puxou Gilbert para trás de uma árvore.
- Rápido, vamos nos esconder aqui – o garoto tocou no tronco da árvore e um buraco se abriu. Os dois meninos entraram e logo em seguida a entrada se fechou, só deixando um espaço por onde olhavam amedrontados a criatura pousar logo a frente e farejar o ar.
Se dando por vencida e desistindo de procurar pelas presas fugitivas, a criatura decidiu ir embora, gerando um redemoinho de folhas pelo ar quando abriu as asas e saiu voando.
- Ufa, essa foi por pouco, nunca tinha visto uma criatura como aquela aqui na floresta. Acho que agora podemos sair com segurança – o garoto com pele de madeira tocou na árvore e a entrada do buraco se abriu para a passagem dele e de Gilbert.
- Nossa, obrigado por me ajudar – falou Gilbert - Mas como fez isso com a árvore? Você é algum tipo de criatura mágica? Mora aqui na floresta? Você tem nome?
- Nossa, quanta pergunta. Mas não sou nenhuma criatura mágica da floresta. Me chamo Pinóquio e fui criado pelo meu pai. E essa coisa com as árvores eu aprendi sozinho mesmo, descobri que posso conversar com elas e pedir ajuda.
Depois de conversarem por mais alguns minutos, os novos amigos se despediram prometendo voltar a se encontrar num outro momento. Gilbert retornou para sua aldeia as margens da floresta e Pinóquio se dirigiu para casa. Lá chegando, contou sobre o garoto com o qual havia se esbarrado no meio da floresta e da estranha criatura alada.