Contos de Valanka - A Criação
Valka abriu seu livro e fez-se o tempo e o mundo físico. Com sua divindade e poder, criou os titãs Kaia e Liara para lhe ajudar a estruturar sua outra criação. Kaia encarregou-se rapidamente de formar a terra e as montanhas, enquanto Liara criou a chuva. A segunda, entretanto ficou com ciúmes da vasta área que Kaia havia conseguido criar para si. A chuva caia vez ou outra, enquanto a terra era sólida e perene. Inundada pela necessidade de igualar seu domínio, Liara viu uma oportunidade nas depressões e irregularidades da terra e das montanhas. Fazendo com que chuvas fortes e ininterruptas inundassem todo ponto desnivelado que podia preencher, rios e lagos começaram a se formar com tamanha rapidez que Kaia era incapaz de elevar sua criação na mesma velocidade.
A Deusa escriba, vendo essa disputa e prevendo que Liara acabaria eventualmente cobrindo tudo com suas águas, deu a Kaia o poder dos ventos. Dessa forma, a titã da terra poderia soprar as nuvens de sua irmã e dissipar sua tentativa de domínio completo. Valka havia criado o equilíbrio, ainda que não a paz. Naquele instante em diante, Kaia e Liara travam uma disputa constante de poderio sobre o mundo. Ainda que não fosse o ideal, Valka entendeu que a dinâmica das titãs garantia que não houvesse um novo desequilíbrio, já que as duas estavam ocupadas demais defendendo o que já haviam criado. A Deusa assistiu sua criação com alegria, vendo o movimento lento das montanhas ao longo do tempo e as várias mudanças que as águas impunham a tudo.
O tempo passou e Valka se entediou com o ritmo lento com que as mudanças aconteciam. Pensou então em criar um outro titã, que chamou de Vilkin. De sua imagem, criou também algumas criaturas menos poderosas, que chamou de animais. Vilkin, um urso enorme de duas cabeças, era bom e protetor. Amava de todo coração os animais que Valka havia criado e usava de toda sua força para mantê-los protegidos, mas a briga de Liara e Kaia era poderosa demais para que ele pudesse defender a si mesmo e aos seus. Temendo que a disputa de suas irmãs não deixasse que ninguém pudesse habitar a criação de Valka, o urso pediu a Deusa que lhe conferisse um reino próprio, em que ele e seus companheiros menos poderosos pudessem viver em paz.
A Deusa, em sua imensa sabedoria, viu na água e na terra a fonte da vida e deu a Vilkin o poder de transformar a terra molhada em que seu pé tocava em vegetação. Prevendo que o titã urso pudesse querer expandir seus domínio como fizeram suas irmãs, Valka deu aos animais a fome e a sede. Dessa forma, os animais precisariam da água para se sustentar e Vilkin precisaria manter o que já havia criado, já que as criaturas de Valka comiam o que ele acabara de fazer.
Satisfeita, Valka viu que havia criado a necessidade de coexistência entre suas criaturas e titãs, ainda que houvesse disputa por seus domínios. Ao ver como Vilkin e seus semelhantes haviam se adaptado bem ao mundo físico, Valka sentiu-se tentada a criar seres a sua imagem. Pensou e escreveu sobre os imortais. Divindades que passaram a habitar o mundo juntamente com as criaturas de Vilkin e que se ambientaram perfeitamente a tudo. Esses imortais eram, entretanto vaidosos por natureza, sendo criados a imagem da Deusa, viam uns nos outros seu amor incondicional e acabaram deitando uns com os outros e liberando uma energia infinita. Valka, vendo o poder que era gerado temeu que estes pudessem de alguma forma desequilibrar o mundo físico e resolveu dar ao ato uma consequência. Sempre que os imortais se deitavam uns com os outros a energia gerada era canalizada na forma de uma nova vida, não podendo ser usada pelos pais. A ação que deveria conter os imortais teve um desfecho diferente do que Valka esperada. Os imortais passaram a gostar de ver suas criações e querer mais e mais como os seus. E o número de imortais passou a aumentar em um ritmo enorme.
Vilkin, temendo que as novas criações de Valka saíssem do controle e ameaçassem seus animais, instruiu a eles para copiarem o rito de geração de vida, obrigando a Deusa a conceder-lhes a dádiva da vida da mesma forma.
Vendo que os imortais e Vilkin poderiam desequilibrar o mundo físico como outrora Kaia e Liara fizeram, criou Aioria. O senhor da bondade e da pureza, tinha como objetivo de sua existência influenciar e manter todos sob sua influência. Era inteligente como os imortais e forte como os animais, mas para que Vilkin não tivesse ciúmes, Valka deu à Aioria a aparência de um cavalo.
Com o tempo tudo parecia ter funcionado. Aioria ensinou o amor, o que manteve os povos em harmonia e em constante aumento. Ensinou a gentileza e a ternura, fazendo do mundo um lugar de movimento constante de criação e expansão. O tempo, entretanto fez com que as crianças crescessem, mas essas não tinham a divindade de seus pais, que tinham sido criados a imagem de Valka, e começaram a desenvolver corrupções. Invejaram os animais que tinham fome e sede, sentimento que nunca haviam experimentado, mas que cobiçavam pelo simples fato de não lhes pertencer. Com a invejava, vieram junto a avareza e a raiva. Valka havia dado poderes apenas aos pais e aos titãs, deixando-lhes sem nada.
A Deusa, temorosa pela capacidade das corrupções de se instalar nos corações dos filhos dos imortais, pediu à Aioria que intervisse, mas nem o deus cavalo foi capaz de convertê-los, pois eram menos capazes que seus pais na compreensão da razão. Valka havia lhes dado a vida, mas eram frutos de outros e isso lhes conferiu defeitos que os imortais não possuíam. Aioria e Valka discutiram por mil dias e mil noites até que chegaram a uma solução. Criado a partir de um fio de cabelo de Aioria, Aionus veio ao mundo, com a missão de absorver toda a corrupção para si e livrar os filhos dos imortais de suas falhas.
Aionus absorveu em seu ser tudo que corrompia os pensamentos dos seres vivos, mas a energia negativa cobrou seu preço, e o belo alazão se desfigurou até que se parecesse com um javali, com cascos e presas disformes e tortuosas. Aionus em suplica, pediu a Valka que diminuísse seu fardo e que desse a fome e a sede para os filhos dos imortais, dessa forma, ao menos a inveja deixaria de ser um problema.
Ainda que a carga negativa tivesse diminuído, inveja passou a ser direcionada a outras coisas e com o tempo voltou tão forte quanto antes. Aionus suplicou a Valka que diminuísse o número de seres no mundo, para que ao menos pudesse suportar o alto volume de energia negativa. Relutante, Valka retirou a imortalidade dos filhos e permitiu que seus corpos fossem absorvidos pela terra e que isso fortalecesse o ciclo da vida no mundo.
Aionus não estava satisfeito. A velocidade com que os filhos dos imortais morriam era demasiadamente lenta, e o nascimento de novos filhos, além dos filhos dos filhos, fazia com que o deus javali estivesse em seu limite. Impaciente e carregado da negatividade, passou a ressentir e odiar a todos aqueles seres imperfeitos. Aionus usou de seus poderes de persuasão para convencer irmãos a tirar a vida uns dos outros, movidos por todos os diferentes sentimentos negativos. Não demorou muito para que eles voltassem esses sentimentos aos animais de Vilkin e ver neles uma forma de alimento. O titã urso protegeu alguns, mas muitos foram mortos. Em desespero, Vilkin pediu a Deusa que tivesse compaixão por suas criaturas.
Valka estava desolada. Suas criações por mais que tentasse eram incapazes de se manter em equilíbrio. Aionus era incontrolável a esse ponto, corrompendo cada vez mais filhos e distorcendo todo o caminho que Aioria tentava criar. Num ato de desespero, deu a Vilkin poder imenso, fazendo com que de suas pegadas enormes árvores emergissem, criando as florestas e os bosques para refugiar os animais. Além disso, deu aos animais dentes e força desproporcional para que pudessem se defender dos filhos corrompidos dos imortais. Prevendo que isso seria mais uma solução paliativa, Valka pediu aos imortais para que controlassem seus filhos. Estes, cheios de vergonha e culpa, atenderam ao pedido da Deusa e formaram o Conselho de Pallás. Onde os dez imortais criados por Valka discutiram e ponderaram suas opções para controlar os filhos.
Em comum acordo, o Conselho decidiu acionar seus filhos mais ligados a Aioria, e aos ensinamentos do deus cavalo, pedindo-lhes que intervissem como Aioria fazia. Convencendo os irmãos a voltar ao caminho da bondade e da paz. Batizaram aqueles cuja missão era orientar e conversar de sacerdotes. Os sacerdotes cresceram em número, mas ainda assim não foram capazes de converter os mais corrompidos de seus irmãos e irmãs. Sem alternativa em mente, acionaram seus pais e reportaram a dificuldade. O Conselho de Pallás novamente ponderou e anos se passaram até que finalmente tomaram a decisão de criar o Clericato. Os clérigos, eram filhos devotos que assumiriam o fardo de tirar a vida dos irmãos e irmãs impassíveis de correção. Escolheram entre os sacerdotes os mais fortes de vontade para lhes conferir essa missão e se tornarem clérigos. Ambas as ordens responderiam diretamente ao Conselho, para que esse pudesse medir seus avanços. Apesar de imperfeita, Valka ficou satisfeita com a solução dos imortais e resolveu deixar que o mundo seguisse seu fluxo.
Valka limitou-se a observar o movimento do mundo que havia criado, com todas suas imperfeiçoes e mudanças, mas em um processo constante de aperfeiçoamento, e continuou a escrever...