Vulnerável

Donzela prateada.

Cabelos tão reluzentes, capazes de refletirem a luz solar tal qual a luz de estrelas. Olhos azuis,

banhados por um oceano de inocência e pureza. Voz angelical, lírica e especial. Pele branca

como a de um pequeno e doce cordeiro. Toques tão delicados quanto o dançar de penas no

vento imaculado. E um vestido tão deslumbrante que poderia ter sido costurado e moldado

pela maior das divindades acreditadas pelo homem.

Caminhava delicadamente pelo solo asqueroso e lodoso do pântano perto de seu castelo.

Carregava em seus dedos de vidro um guarda sol, a fim de guardar sua inestimável irreplicável

beleza da luz calma e devastadora do astro sol. Cada um de seus passos era salpicado de um

medo perfurante. Uma ansiedade dominante, rugindo gravemente, debatendo-se loucamente

nas jaulas de seu encéfalo, pronta para tomar as rédeas de seu frágil ser. Um temor que

martelava tão intensamente quanto os tambores do apocalipse. Um apocalipse seu e somente

seu caso mergulhasse em uma das densas poças negras e malcheirosas daquele pântano.

Não tinha dúvida. Temia aquelas poças assim como um bispo temia o cálice do pecado como

uma passagem inevitável para o inferno. Os redutos de toda a crueldade, maldade e horror que

seriam conhecidos por vivos olhos. E até mesmo os desconhecidos. O banhar daquela água

destruiria suas roupas, queimaria sua carne, condenaria seus ossos ao pó e rasgaria sua alma

de forma tão violenta que nem mesmo seu Deus teria capacidade de salvá-la.

As correntes do destino, no entanto, não foram gentis com sua bela existência. Um deslize

sobre uma superfície, e seu corpo caiu sobre o sujo e tenebroso terreno. Terreno que a levava

de boa vontade à uma de suas fundas poças. Uma banheira sulfurada, cujo fulgor a assombrou

profundamente, violando o seu espírito. Chorou, clamou pela vida, clamou por salvação. O

pântano, porém, não compreendia a linguagem do socorro. Ela era dele, e somente dele.

Ao mesmo tempo que a água enegrecida arranhava sua pele, sentia sua essência abandonar

sua casca. Seus pensamentos, tão emaranhados quanto um labirinto sem fim. Sua visão,

abraçada pelo líquido atroz da poça.

Sua vida acabou

...

Tinha pés que tocavam o fundo, então podia se levantar.

A donzela antes prateada saiu de seu grosseiro banho. Sua pele, antes branca como a de um

cordeiro, era agora branca como a de um ovo. Olhos se tornaram castanhos. Castanhos como o

tronco das feias árvores que a recebiam novamente em seu pós-morte. Seus cabelos, tingidos

de preto pelas águas barrentas, replicavam o ar da noite. Seu vestido, reduzido a um mero

conjunto de panos maltratados e surrados, era apenas um vestígio do que um dia foi. Suas

mãos se assemelhavam mais à de uma moça do campo do que a de uma dama gerida e criada

pela realeza.

Seu medo sumiu. Sua ansiedade foi domada e adormeceu profundamente. Os tambores do seu

temor silenciaram de uma vez por todas.

Ela levantou seu rosto. Levou-o ao céu. E com um sorriso que exibia dentes tão amarelos

quanto maçãs oxidadas, recebeu de bom grado do Deus Sol a sua nova vida.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 28/05/2021
Código do texto: T7266097
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