A Guerra dos Matitas (o inicio)
Um lindo dia, mais um dia perdido na terra dos homens, já não marco mais o tempo, “é sim hoje está um lindo dia”, meu coração acelerou quando vi aquela figura, mesmo com as duas pernas, eu conseguia sentir a sua magia, era um encanto muito usado pelo meu povo para enganar os humanos, tanto tempo já se havia de passado, já havia quase me
esquecido da minha época de matreiro, sim, dos bons tempos, dias de diversão; apesar de me achar esperto, caí na armadilha do homem, a malandragem da mata sucumbiu a maldade do coração humano, eu não sabia que havia seres humanos com poderes, pessoas ruins, que usavam sua força sobre humana para corromper, fui seduzido por uma criatura, cuja beleza era comparada a da mãe d'água, tão linda como a Iara, mas tão ambiciosa e maligna, um carcará de homens, era como a rainha da feitiçaria da mata, a Grande Cuca, a danada era versada nos segredos antigos, nos encantamentos esquecidos, da magia dos negros, na magia negra dos brancos, dos segredos dos livros de Enoque, uma negra-índia, linda e ardilosa, a história entre eu essa Necromante é longa.
Eu era um rei entre os meus, considerado o mais esperto, o mais sagaz entre os matitas, versado na matreiragem e sacanagem, rsrsrsrsr! Sim, era o mais rápido, tanto minha força física e a dos meus redemoinhos eram incríveis, chegavam a envergar facilmente os Bambuzais, sim, que saudades dos grandes bambuzais, a linda terra do meu povo, nem aqui, nem ali, nem acolá, um lugar entre mundos, onde poucos conseguem achar, é já faz muito tempo que não vejo uns dos meus, mas sim ele estava ali, altivo, belo, parecia um deus de ébano, em um terno bem alinhado, um sorriso despretensioso e irradiava confiança, ele ali no meio da praça e eu jogado ao canto à sombra da grande catedral, mesmo assim nossos olhares se encontraram, ele veio calmamente em minha direção, levantei rápido como a muito tempo não fazia, pois nesse estado deplorável em que vivia, eu era apenas um aleijado vivendo há muito nessa vida de pedinte e restava muito pouco do meu poder, apenas o suficiente para me manter vivo e conseguir comida, ao mesmo tempo que levantei, o grande negro se ajoelhou, o que me deixou muito constrangido e o que me deixou mais surpreso foram suas palavras:
─ Meu Rei, até que enfim o encontrei, venha meu
pai!! A guerra só está começando.
─ Quem é você?
─ Sou Pedro, meu pai, seu filho! ─ respondeu com
um largo sorriso no rosto.
As lágrimas correram por minha face, enquanto me vinha à mente aquele negrinho sorridente e brincalhão que pregava peças até nos sacis mais espertos, fruto de uma grande traquinagem, de uma história entre muitas outras, um príncipe mestiço, um ser entre mundos distintos.
O pequeno não precisa da toca e do pito para realizar suas traquinagens, de alguma forma tinha liberdade para atravessar o vórtex, sim, o grande Bambuzal, tinha sua proteção, até os matitas tinham seus limites, precisavam de seus aparados para chegar ao outro lado, mas com a presença humana tão perto, o grande rei havia proibido a saída dos saçurás à terra dos homens, apenas uma vez a cada ano o vórtex era aberto, quando este ficava mais próximo dos mundos dos homens, devido a conjunção astral, tornando a parede dessa realidade mais fina e os mutemas iam azucrinar a vida alheia e este dia estava chegando, esse dia era conhecido pelos homens da terras de longe, terras depois dos reino das águas, lugar da Senhora do mar, rainha do abissal, a senhora dos grandes monstros, aquela que expulsou os Leviatãs para o grande abismo,
local do grande portal, era a véspera do dia de Todos os Santos, o dia das bruxas, o halloween dos gringos, no Brasil o dia do saci .
A terra dos sacis não era a única terra extradimensional que abria suas portas, ah sim!, Havia muitas e muitas terras e seres muitos antigos, tão ou mais poderosos que os matitas, outros bons, outros perigosos, devoradores de homens e sugadores de almas e desejos, coisas não vivas, seres que habitam sonhos e o imaginável humano, que vagavam livres por essas terras antes da queda e a guerra do terceiro céu.
Marcelo Saci Mendes By Banda Cara de porco 1999
Este é parte do livro Contos pervertidos de um saci de duas pernas.