O casamento secreto

O CASAMENTO SECRETO
Miguel Carqueija

As quatro guerreiras permaneciam na sacristia, onde poderiam sentar, mas em vez disso andavam de um ponto ao outro, inquietas, incapazes de permanecer paradas.
— Serenity vai nos matar... — balbuciou Mercúrio, sentando-se afinal na marquesa.
— Não diga isso. Você está sendo medrosa — respondeu Marte.
— Só a Serena para conseguir nos convencer dessa loucura... — Júpiter, encostada a um pilar, braços cruzados, buscava se acalmar.
— Pois eu estou achando tudo muito excitante — observou Vênus com um sorriso. — O amor é uma brava loucura!
Mercúrio não aguentou permanecer sentada, levantou-se e começou a andar em círculos.
O sacristão entrou e olhou-as com certo desdém, e pôs-se a arrumar os paramentos.
— Nós estamos incomodando, senhor? — indagou timidamente a Mercúrio.
Com seu traje negro e sua estatura elevada o sacristão era uma figura que impressionava; mas não às quatro garotas, que praticamente nem o viam. Evitando olhá-las ele respondeu:
— A única coisa que incomoda são esses trajes exíguos que vocês usam. Se eu não soubesse que vocês não têm outros, pediria que mudassem de roupa.
Sailor Vênus baixou o olhar para seu saiote amarelo e suas pernas de fora.
— Esse é o traje de uma guerreira sailor. É apenas um uniforme.
— Será que a Serena vai demorar? — indagou Marte.
— Estou aqui — e Serena entrou, vestida de noiva.
Vênus aproximou-se dela.
— Você está linda, Princesa. Agora vou tratar de arrumá-la!
— Será que ainda é preciso?
— Mas é claro! — disse Júpiter. — É o mínimo que podemos fazer! Seu cabelo é lindo e não pode ficar desarrumado na cerimônia!
— Está bem. Vou sentar e vocês façam o que quiserem.
— Temos de perfumá-la também — lembrou Mercúrio.
Serena olhou para uma pintura na parede.
— Diga, Senhor Adal... o que significa essa cruz?
O monge da ordem de Melquisedec respondeu:
— É uma antiga profecia, que diz ser a cruz um importante símbolo espiritual, ou melhor, será no futuro.
— Um futuro próximo ou distante?
— Dizem que num futuro distante, quando surgir uma grande luz neste mundo. É o que consta nas nossas Escrituras.
Enquanto Vênus desfazia as suas longas tranças e penteava carinhosamente os seus cabelos, Serena divagou:
— Num distante futuro... veremos esse futuro? Será que eu poderia viver tanto quanto vocês, minhas amigas?
— Você não vai falar em morte no dia do seu casamento, não é? — e Marte parecia meio agastada.
— Me desculpe, Rei... e Ami, Makoto, Minako... eu botei vocês nessa encrenca.


O sacristão voltou-se para Serena:
— A senhora está ciente dos problemas que isso irá causar, se a vossa mãe não sabe de nada...
— Eu sei, mas não me importa. Nada mais me importa no momento, a não ser casar com Endymion!
—Vossa Alteza deveria pensar nas consequências — insistiu Adal.
— O que é que você tem com isso afinal? — explodiu Minako, a Sailor Vênus.
— É que as consequências poderão atingir a todos nós, apenas isso. Mas peço desculpas se me excedi. Bem, tenho que sair agora, se me dão licença. Tenho que preparar o altar para o casamento.
— Onde está Endymion? — indagou Serena.
— Ele deve estar chegando – respondeu Ami Mizuno, a Sailor Mercúrio.
— Vou ligar para ele — apressou-se Minako, buscando o comunicador.
Mas não foi preciso, pois a porta da entrada foi aberta e o Príncipe Endymion surgiu, já em seu traje elegante e majestoso, de cor predominantemente azul.
Serena ergueu-se, correu e atirou-se nos seus braços.
— Endymion...
– Serena...
— Querida, desculpe por esta cerimônia ser tão discreta e reservada...
— Fui eu quem teve a idéia, não foi?
— Bem, sim, mas a organização é minha...
— O sacerdote Melquisedec nos unirá, não é?
— Sim, isso mesmo, querida, e as circunstâncias exigem muita discrição. Você sabe, esse mal insidioso...
— Isso me preocupa também. Minha mãe com certeza não aprova o que estou fazendo, mas é pelo bem dela também. Se nos unirmos poderemos enfrentar o que vem por aí.
— Eu deixei o Castelo de Magellan há tempos, quando a Princesa nasceu — interveio Vênus. — E quando o fiz já sabia da sombra negra que invadiu o Sistema Solar. Todo o cuidado é pouco.


Nisso, o cortinado que dava para a lateral da igreja foi violentamente afastado e quatro figuras masculinas, com mantos e espadas, entraram de supetão.
— Vocês! — disse Endymion.
Kunzite olhou em volta e observou com sarcasmo:
— Mestre, viemos salvá-lo de si próprio! Este casamento não se realizará!
— Que traição é essa? — Endymion levou a mão ao cabo da espada. — Em nome de quem você está falando?
— Em nome da Rainha Beryl, que assumiu o comando da Terra inteira e ordenou a expulsão dessas lunares!
— Vocês quatro são meus servos!
— Não somos mais — declarou Jedyte. — Agora servimos à Rainha Beryl e vamos defender a Terra dessas estrangeiras!
— Endymion... — e Serena abraçou-se ao seu amado.
— Beryl está louca! — exclamou Endymion, indignado. — E com certeza obedecendo as ordens do Reino Escuro! Eu ordeno que vocês me obedeçam!
— Impossível, Mestre — disse Zyocite. — Temos ordem de levá-lo e depois que o senhor recuperar a razão, voltaremos a ser seus servos.
Zyocite e Nephryte avançaram sobre Endymion, mas uma corrente dourada surgiu no ar e os derrubou; era a Corrente do Amor de Vênus.
— Afastem-se dos dois! — ordenou Minako.
— Insolente! — disse Kunzyte. — Pensam que mulheres como vocês poderão nos enfrentar?
— E por que não? — Makoto Kino, a Sailor Júpiter, mandou o seu trovão e derrubou Kunzyte por sua vez.
— Maldição — murmurou Jedyte, para logo em seguida gritar: — Devíamos ter cuidado delas primeiro!
Os quatro “shinnetous” recuaram e ergueram suas espadas de poder, prontos para a batalha.
— Parem! — pediu Minako. — Kunzyte, como pode fazer isso? Somos amigos, lembra? Eu o levei a conhecer Magellan, como pode ter esquecido?
— Isso não importa mais! Não viemos aqui para discussões sentimentais!
— Ela lavou o cérebro deles — explicou Endymion. — Beryl é diabólica.
Não houve mais tempo para discussões. Os quatro guerreiros lançaram seus raios de poder contra as sailors, que se defenderam com a água, o fogo, o trovão e o raio — golpes de Mercúrio, Marte, Júpiter e Vênus. O combate prolongou-se por minutos, sem definição, enquanto Endymion abraçava protetoramente Serena; subitamente um grande clarão iluminou ofuscantemente o vasto aposento, por alguns instantes, e todo o combate cessou.
Por outra porta entrara um homem alto, majestoso, de longa barba e vestindo uma comprida túnica branca.
— Mestre Melquisedec! — exclamou Kunzyte. — O que o senhor veio fazer aqui?
— Sou eu quem pergunto — respondeu o ancião empunhando o seu báculo. — Aqui é um local sagrado. Os guardas do templo foram chamados pelo sacristão e se vocês quatro não forem embora imediatamente sofrerão as consequências.
— Mas como! — ripostou Jedyte, cerrando os punhos. — A Rainha Beryl nos garantiu que o senhor também terá de obedecer!
— Isso veremos. Agora voltem para onde vieram. Quanto a Beryl, digam a ela que ou se serve a Deus ou ao diabo. Eu sei o que estão planejando. Sei que vocês desejam a guerra com a Lua. É o caminho que Metalia deseja que sigam, mas também é o caminho da perdição.
Kunzyte tentou lançar um raio contra Melquisedec, mas fracassou.
— Você não conseguirá, está num local sagrado — avisou o sacerdote.
— Que autoridade você tem sobre nós? Nem sabemos direito quem você é! — revoltou-se Kunzyte.
Serena resolveu falar:
— Eu os conheci como amigos de Endymion. O que aconteceu com vocês? Por que não reconhecem mais seu mestre?
— Cale a boca, sua selenita! — gritou Nephryte, que com sua longa cabeleira era um homem belo e majestoso. A Princesa sentiu pena por ver aqueles quatro, a quem conhecia como amigos, em tal situação.
— Cale a boca você, Nephryte! — gritou por sua vez Endymion. — Saiam todos daqui imediatamente!
— Vocês ouviram — acrescentou Sailor Vênus, já preparando a sua “corrente do amor” para lançar.
— Saiam por aqui — disse Melquisedec. — Eu lhes darei salvo-conduto, pois os guardas estão prontos para invadir esta sacristia.
— Vamos — acedeu Kunzyte. — Fizemos o possível.
— Mas, Kunzyte — observou Zyocite — vamos permitir esse infame casamento?
— Endymion já está perdido. Vamos, depois acertaremos as contas.
Depois que os quatro saíram, Endymion segurou a mão direita de Serena e acariciou-a:
— Você está se sentindo bem, querida? Tem coragem de seguir adiante?
— Mas é claro que sim, meu amor. Vamos! Se o grão-sacerdote Melquisedec não fizer objeção, vamos casar o quanto antes!



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Durante a cerimônia Melquisedec apresentou vinho e pão consagrados aos noivos, observando misteriosamente trata-se de um grande símbolo do futuro.
E assim o casamento se efetuou, com a discrição que foi possível. Ao fim, porém, Endymion, numa reunião que incluiu as quatro sailors, recomendou a Serena:
— Você deve voltar imediatamente ao Milênio de Prata, querida. E manter-se de sobreaviso!
— Mas você não vem comigo, Endymion? Quero apresentar meu marido a minha mãe!
— Mas eu preciso segurar a barra por aqui, Serena! A situação está piorando cada vez mais, com essa energia maligna se espalhando. Você viu como meus auxiliares mais chegados foram corrompidos. Eu preciso ver se será possível deter Beryl.
— Mas... nós acabamos de casar e já vamos nos separar?
— Vocês não vão, ao menos, consumar o casamento? — perguntou Minako, com atrevimento.
— Vamos sim — respondeu Endymion. — Passaremos a noite neste prédio, por deferência de Melquisedec. Amanhã de manhã vocês devem ir, eu irei na festa e então nos reencontramos.
Serena abraçou-se a ele com toda a força que tinha.
— Endymion... Endymion...
Rei Hino (Sailor Marte) afagou as longas tranças da princesa.
— Nós estaremos no quarto ao lado e prontas para tudo.
— Eu sei que posso contar com vocês — e Serena sorriu.
E beijou demoradamente Endymion.

NOTA – Nos mangás de Sailor Moon, Naoko Takeushi fala realmente que no tempo do Milênio de Prata da Lua a Princesa Serena (ou Selene) realizou diversas viagens à Terra para estar com o Príncipe Endymion. Ela não dá maiores detalhes e em tese poderia ter ocorrido o casamento secreto aqui descrito.
Após a guerra que destruiu o Milênio de Prata, a Princesa da Lua, com suas guerreiras lunares e Endymion, foi projetada no tempo e se tornou a Guerreira do Amor e da Justiça, Sailor Moon (Marinheira da Lua), reencontrando Endymion na nova identidade de Mamoru Chiba, o Tuxedo Mask (Mascarado de Fraque).

Rio de Janeiro, 22 a 30 de março de 2021.





Imagens: 1) as sailors Mercúrio, Marte, Júpiter, Vênus e, centralizada, Sailor Moon; 2)  Sailor Vênus, a sailor do amor; 3) Sailor Moon, Mamoru Chiba e a filhinha do casal, Chibiusa; 4) Naoko Takeushi e sua imortal criação, Sailor Moon; 5) Usagi Tsukino ou Serena (Sailor Moon) e Mamoru Chiba (Endymion): um romance para a eternidade.