Caatingas Do Sem Fim
Quando eu me fizer distância, por sobre os ombros olharei para ti, minha terra.Tentarei ainda lamber teus sulcos, soçobrar sobre teus ombros macios e vegetativos, perscrutar por entre tuas matas e teu terreno açodado por um sol incendiador de freixos. Olharei pros teus céus desanuviados e tuas estrelas pândegas, obscurecidas pelo hálito sertanejo da estiagem. Na minha mochila levarei o ranço da saudade, perfumado com cheiro cipreste das minhas medulas gustativas, fincadas nos pés das tuas serras. Ainda me vejo no espelho das águas dos riachos, em que mergulhava sem medo sem modos sem mitos, pescando piabas tísicas, desafiando as lendas dos sacis e das mulas sem cabeça e caiporas escarlates. Caminhando por um caminho sem destino, varejando os costados do desconhecido com as incertezas das minhas lágrimas, rosto de palhaço vetusto, acampo sob ipês roxos e aspiro ar da caatinga em natureza morna, vivificada pelos sussurros sinfônicos das cigarras. Jamais pensei que o amor-siamês que sinto por ti fosse tão shakespereano, canção desesperada gerada numa mente geraldovandreriana, força de uma viola e de um canto sanfoneiro. Penso nos restos que deixei nos malotes dos versos que tentei fazer, nas melodias que não fui capaz de gerar, me puno. Chicoteio minhas costas? Nunca! Os berros da saudade o fazem melhor.
Quando eu cruzar o rio do parto à fórceps, decerto que serei metade. Já venci minhas batalhas de Little Bighorn, já atravessei os Alpes nas cacundas dos elefantes de Aníbal, encarei e derrubei impérios milenares, varei tundras existenciais, não serei capaz de livrar-me de tua sombra açodadeira? Pois bem, tentarei. Por trás daquelas verdes montanhas, há de haver alguém a me esperar, uma cadeira na calçada baloiçando encantos e sorrisos que me atarão nos pelourinhos dos amantes escravizados. Preciso. Quero. Montarei nos costados do monte Sinai caatingueiro e laçarei quadrúpedes recalcitrantes. Eu e os montes. Sinuosos desvios, aves de rapina, dragões, serpentes do Éden grávidas de postemas, venci-os. Nos meus delírios oníricos desvairados, venci-os. Eis que visualizo uma aldeia barroca, amarelo e azul e vermelho vivazes em pincéis de natureza trovejante. Vejo a cabocla na calçada do hotel Glória baloiçando na cadeira de balanço de vime, aviltando-se aos lordes senhores de gravata borboleta, anglo-saxões expelidos nos navios e trens das grandes guerras. Dona Milinha me recebe com cara de abusada, a dona do hotel, com feições assustadoras; um dente em cima e dois embaixo, nariz adunco e repulsivo.
Bisaco e cantil e chapéu de vaqueiro no guarda-roupa recendendo a naftalina, deambulo pela cintura das calçadas da vila, fôlego da vida rebentando nas chaminés das casas de viés europeu, jardins com pequenas cercas brancas e um vulcão adormecido nas lonjuras da montanha. Minha alpercata ritmando compasso de fox trote no ladrilho medieval, por horas ignoro teu fascínio, terra amada. Esqueci-te? Não! Abortei-te? Jamais! Arribei de ti! Pus máscara de Tartufo e cortejei outra amante sedenta e ciosa de um amante despedaçado e furioso. Nas narinas ainda resiste teu cheiro de rameira libidinosa e guerrilheira afegã. Mas, sempre haverá uma cabocla baloiçando num vime de uma vila barroca no cimo de uma cordilheira virgem nas caatingas do sem fim.