Contos de Seapher: Mellianoute
Mellianoute nunca estivera em Von Sirehn, na verdade, ela sequer sabia da existência d’este tão imensurável reino. Nascida no berço da antiga Qhehsir, no eclipse mais raro, o alinhamento dos dois sóis e a lua, Mellianoute veio ao mundo de Seapher com a beleza, a doçura e a obscuridade daquele entardecer. O eclipse iniciara ao meio dia e, às dezesseis horas, estava completo. Mellianoute nasceu às dezesseis horas em ponto e nunca se viu criança tão linda como ela. Não era uma beleza conhecida, tampouco extraordinária; possuía um inenarrável reluzir em seus olhos que facilmente mesmerizava aqueles que se dispunham a fitá-los. Mellianoute também foi abençoada com um sorriso níveo como as nuvens primaveris e uma pele tenuemente dourada que enriquecia a fascinação profunda de todos que a conheciam.
Conforme crescia, sua personalidade vívida e gentil tornava-a ainda mais graciosa, contudo, pela imensidão de sua singularidade sublime, Mellianoute não era verdadeiramente contemplada. Embasbacavam-se por sua aparência, tanto, e esqueciam-se de seu dom: o Amor Incondicional. Mellianoute amou desde a infância, a começar por seus familiares e amigos; e mesmo aqueles que a feriam eram amados; Mellianoute era capaz de encontrar a flor mais airosa no pântano mais horrífico; e ela nunca quis nada em troca, embora, por vezes, a partir da adolescência, sentira-se solitária por não ser amada na mesma intensidade amava — e a isto ela queria dizer: ser vista. Ninguém a amava por seu dom, por sua dedicação e cuidado, por ela ser apenas quem ela era; amavam-na pelo que ela oferecia e pelo idealizar da vida que teriam ao lado dela; essa quimera angustiava a pobre jovem que, atormentada por homens de coração adoecido, sentia-se apenas um instrumento de satisfação. Todos a queriam, tê-la como posse era uma sina, mas ninguém a enxergava em sua real constituição, ninguém era capaz de conhecê-la e se ela, exausta e triste, não atingisse as expectativas alheias, toda a fascinação que sentiam por ela transfigurava-se em indiferença e essa indiferença doía em Mellianoute, pois todos os sentimentos de descuido, com ela ou com quaisquer seres, feriam-na.
Foi pelo sangue hialino vertido de sua tez dourada, tão ferida, que Mellianoute fugiu para a floresta sombria a qual preenchia sessenta por cento das terras e mares de Seapher. Em seus poucos fragmentos escritos, Mellianoute dizia preferir o exílio sombrio à solidão entre os seus semelhantes. Ninguém acreditou na loucura de seu ato, pois a floresta era densa e perigosa, não havia humano capaz de adentrá-la, principalmente pela flora em virente violeta que contornava todas as margens da floresta; exalava um perfume inebriante e venenoso. Tudo o que tocava aquela vegetação era imediatamente engolido para dentro dela. Sem retorno. Todos aqueles que moravam próximos da vegetação contavam sobre os sons ameaçadores que vinham de lá, bem como as lamúrias de dor. Após a trágica história de Mellianoute, o grande rei de Qhehsir ordenou a construção de um muro por todo o seu reino e Mellianoute tornou-se um símbolo de loucura para o povo Qhehsiriano, exceto para alguns poetas e poetisas que a viam como musa e a reconheciam como a deusa da beleza e da eterna melancolia. Somente dez anos depois, com a descoberta de seus fragmentos poéticos, ergueu-se um movimento de adoração à Mellianoute juntamente com o ódio ao rei de Qhehsir por não ter resgatado a pobre moça, por ter influenciado seu povo a imaginá-la como louca miserável e por ter destruído a maior parte das suas tristes e apaixonantes poesias. Acredita-se que foram sessenta e dois livros escritos por ela e queimados pelo rei. Graças a esse movimento, a lembrança de Mellianoute perdura até os dias atuais e os mais fiéis acreditam que com a sua morte na floresta sombria, toda a glória e toda a prosperidade de Qhehsir afundiu.
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Textos e poesias registrados na CBL
Pintura: Philip Alexius de Laszlo — Portrait of Princess Xenia Georgievna (1915)
Mellianoute nunca estivera em Von Sirehn, na verdade, ela sequer sabia da existência d’este tão imensurável reino. Nascida no berço da antiga Qhehsir, no eclipse mais raro, o alinhamento dos dois sóis e a lua, Mellianoute veio ao mundo de Seapher com a beleza, a doçura e a obscuridade daquele entardecer. O eclipse iniciara ao meio dia e, às dezesseis horas, estava completo. Mellianoute nasceu às dezesseis horas em ponto e nunca se viu criança tão linda como ela. Não era uma beleza conhecida, tampouco extraordinária; possuía um inenarrável reluzir em seus olhos que facilmente mesmerizava aqueles que se dispunham a fitá-los. Mellianoute também foi abençoada com um sorriso níveo como as nuvens primaveris e uma pele tenuemente dourada que enriquecia a fascinação profunda de todos que a conheciam.
Conforme crescia, sua personalidade vívida e gentil tornava-a ainda mais graciosa, contudo, pela imensidão de sua singularidade sublime, Mellianoute não era verdadeiramente contemplada. Embasbacavam-se por sua aparência, tanto, e esqueciam-se de seu dom: o Amor Incondicional. Mellianoute amou desde a infância, a começar por seus familiares e amigos; e mesmo aqueles que a feriam eram amados; Mellianoute era capaz de encontrar a flor mais airosa no pântano mais horrífico; e ela nunca quis nada em troca, embora, por vezes, a partir da adolescência, sentira-se solitária por não ser amada na mesma intensidade amava — e a isto ela queria dizer: ser vista. Ninguém a amava por seu dom, por sua dedicação e cuidado, por ela ser apenas quem ela era; amavam-na pelo que ela oferecia e pelo idealizar da vida que teriam ao lado dela; essa quimera angustiava a pobre jovem que, atormentada por homens de coração adoecido, sentia-se apenas um instrumento de satisfação. Todos a queriam, tê-la como posse era uma sina, mas ninguém a enxergava em sua real constituição, ninguém era capaz de conhecê-la e se ela, exausta e triste, não atingisse as expectativas alheias, toda a fascinação que sentiam por ela transfigurava-se em indiferença e essa indiferença doía em Mellianoute, pois todos os sentimentos de descuido, com ela ou com quaisquer seres, feriam-na.
Foi pelo sangue hialino vertido de sua tez dourada, tão ferida, que Mellianoute fugiu para a floresta sombria a qual preenchia sessenta por cento das terras e mares de Seapher. Em seus poucos fragmentos escritos, Mellianoute dizia preferir o exílio sombrio à solidão entre os seus semelhantes. Ninguém acreditou na loucura de seu ato, pois a floresta era densa e perigosa, não havia humano capaz de adentrá-la, principalmente pela flora em virente violeta que contornava todas as margens da floresta; exalava um perfume inebriante e venenoso. Tudo o que tocava aquela vegetação era imediatamente engolido para dentro dela. Sem retorno. Todos aqueles que moravam próximos da vegetação contavam sobre os sons ameaçadores que vinham de lá, bem como as lamúrias de dor. Após a trágica história de Mellianoute, o grande rei de Qhehsir ordenou a construção de um muro por todo o seu reino e Mellianoute tornou-se um símbolo de loucura para o povo Qhehsiriano, exceto para alguns poetas e poetisas que a viam como musa e a reconheciam como a deusa da beleza e da eterna melancolia. Somente dez anos depois, com a descoberta de seus fragmentos poéticos, ergueu-se um movimento de adoração à Mellianoute juntamente com o ódio ao rei de Qhehsir por não ter resgatado a pobre moça, por ter influenciado seu povo a imaginá-la como louca miserável e por ter destruído a maior parte das suas tristes e apaixonantes poesias. Acredita-se que foram sessenta e dois livros escritos por ela e queimados pelo rei. Graças a esse movimento, a lembrança de Mellianoute perdura até os dias atuais e os mais fiéis acreditam que com a sua morte na floresta sombria, toda a glória e toda a prosperidade de Qhehsir afundiu.
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Pintura: Philip Alexius de Laszlo — Portrait of Princess Xenia Georgievna (1915)