A MURALHA DE FLORES
Welington Almeida Pinto
* Há muito tempo, um poderoso rei na região da Galiza resolveu construir um muro alto em torno de sua cidade para dar mais proteção aos seus vassalos. A notícia correu o mundo de boca em boca. Arquitetos de vários lugares do velho continente europeu apresentaram projetos para realizar a obra. De todos, apenas dois foram selecionados. E seus autores convocados para entrevista na corte.
No dia da audiência real, o primeiro a entrar na sala do trono foi Pedro Pedreira. Repleto de promessas, ele apresenta seu projeto:
- Majestade, trago a melhor idéia para a construção do grande muro. Farei tudo com pedras brancas, roliças de igual tamanho, assentadas em argamassa com óleo de baleia, escamas de peixe, cal de ostra e terra também branca.
- Escamas de peixe!... – estranha o rei.
- Sim, Majestade! Escamas de peixe para que o muro faísque ao toque dos raios solares.
- Huuummmmm!... Seu projeto me parece bom. Além de bonito e reluzente, deve ser bastante seguro, não é?
- Muito seguro, Majestade. Por fora, a beleza e a miragem da suavidade de uma extensa nuvem de algodão. Por dentro, uma fortaleza indestrutível. Despertará inveja até nos chineses - afirma o arquiteto muito cheio de si.
- Muito bem, cavalheiro. Agora, Depois de ouvir o outro candidato farei a opção que achar a melhor.
- Majestade, se optar por mim terá o condado mais admirado e protegido da Galiza - garante Pedro, já inclinando o busto para frente numa mesura ao rei.
Pedro Pedreira deixa a sala do trono e entra Monjardim para mostrar seus planos ao rei. Depois de uma respeitosa reverência, fala:
- Senhor da Galiza, trago a Vossa Excelência um projeto para proteger suas terras dos invasores que nada retira dos mares nem das montanhas, além de encher de beleza e perfume os ares de seu reino.
- Meu Deus, verdade? - espanta o monarca.
- Farei uma cerca viva com milhões de pés-de-rosa enfileirados e enlaçados um no outro.
- Rosas!... Que proteção um muro desse pode dar ao meu império?
- Total, Majestade! A roseira é um vegetal lenhoso cuja haste é ramificada desde a base até dois metros de altura. Os ramos se entrelaçarão tão habilmente que nem mesmo um pequeno roedor terá como passar pelos seus espinhos, afiados como a ponta de uma espada!
- Interessante!...
- Bastante seguro também. E ecologicamente correto.
- Santo Deus! Reconheço que tenho diante de mim dois projetos audaciosos.
E depois de pensar mais um pouco:
- Ah!... Tenho uma idéia.
- Sim, Majestade.
- Você fará uma metade da obra e Pedro Pedreiras fará a outra.
- Mas...
- Concluídas as partes, peço ao mágico Pé-de-Vento para fazer o teste de resistência com seus tufões. O construtor da parte que não ceder ao poder do vento será consagrado vitorioso. Ganhará um prêmio de cem mil moedas de ouro e a tarefa de finalizar a muralha em torno de meu reino. Certo?
- Bravo, excelência!... É um rei sábio e generoso - aplaude Monjardim.
Pedro Pedreira igualmente aceita o desafio. Meses mais tarde, o grande muro fica pronto: metade de vegetal metade de pedras. A parte de Pedro Pedreira, mais parecia uma comprida nuvem celeste, de tão alva, lambendo o solo. A de Monjardim, se estendia pelos campos como um extenso paredão colorido, embalsamando o ar com o aroma agradável e o encanto das flores.
No dia do julgamento, o velho prestímano Pé-de-Vento chega bem cedinho ao local da prova e passa um bom tempo examinando o céu. Depois, satisfeito com a inspeção, procura o rei e comunica:
- Majestade, farei soprar um vento tão forte que a construção mais frágil cairá por terra tão rápida como uma estrela cadente.
O rei:
- Então, vamos pôr tudo à prova.
A um sinal do soberano, o ilusionista começa a dizer frases num dialeto diferente, abre os braços e risca o ar várias vezes com o cajado até surgir no azul do céu um bloco de nuvens escuras, escondendo o sol. E grita:
- Afastem-se todos do grande muro.
E com mais fôlego:
- Foooogoooo!...
Foi o bastante para o vento cumprir a ordem. E, solto de tudo, começa a galopar em direção à muralha, tão forte e veloz que a parte feita de pedras desmorona na mesma hora, mas a cerca viva resiste, sem se desgrudar do chão.
Passado o turbilhão, ao ver o céu clarear e sol voltando a brilhar, o povo retoma no rosto o sorriso. E, numa demorada ovação, saúda o rei:
- Deus salve o rei da Galiza!...
Passarinhos de várias as cores e tipos voltam a cruzar o espaço e a pousar alegremente nas roseiras. Monjardim, muito alegre, justifica:
- Meu bom rei, árvore plantada com amor nem o vento derruba.
O rei, satisfeito com o resultado, acolhe o arquiteto num abraço vitorioso.
- Ufa!... Pensei que o vendaval ia levar tudo. Confesso que, em toda minha vida, jamais encontrei um ser de mão tão boa para plantar rosas.
- Obrigado, Majestade.
O rei da Galiza, com outro gesto fraterno, passa o braço em volta dos ombros do Monjardim, convidando:
- Bravo!... Bravo!... Vamos comemorar a vitória nos salões de gala da corte.
O engenheiro concorda. Despedindo do povo, os dois entram na carruagem imperial e partem em direção ao Palácio. Lá, houve muitas festas e júbilo geral. Como o rapaz apaixona-se pela jovem Izabela, uma das filhas do rei, a sua vida, dali em diante, foi muito mais feliz ao lado da bela princesa de faces rosadas. Nomeado pela corte a um cargo importante no governo, foi o primeiro Ministro da Ecologia que se tem notícia na história das civilizações.
Tempos depois a outra parte da muralha foi concluída com milhares de roseiras e a Galiza nunca mais foi invadida. Pelo menos, por saqueadores.
* Nota do Autor: releitura de histórias populares do folclore europeu reverberando que a mesma inteligência que destrói a Natureza pode reconstruí-la.
** FBN© 2004 * A MURALHA DE FLORES - CATEGORIA: CONTO
*** Welington Almeida Pinto é escritor. Autor, entre outros livros, de Santos-Dumont, No Coração da Humanidade e A Saga do Pau-Brasil. Ver a relação de seus livros: www.welingtonpinto.blogspot.com ; e-mail: welingtonpinto@yahoo.com.br