Os Marcianos
Eu me lembro de quando os marcianos desembarcaram na Terra. Foi numa tarde de Agosto. Era hora do pôr-do-sol. A nave, movida pela energia da luz, baixou perto da Represa de Morro Longe. De início parecia que o Sol, antes de ir embora, voltara a dar uma última espiada no planeta. No final, uma imensa explosão de luz que de tão brilhante fundiu todas as cores numa só, afugentou gente e criação e o lugar ficou completamente deserto.
Ao desembarcar, esses extraterrestres ficaram boquiabertos com as cores da tarde na Terra. Era um poente multicolorido de inverno. No seu planeta, os fins de dia são apenas o encerramento de mais uma jornada: monótonos e uniformemente rosados e poeirentos.
Depois se soube que tinham vindo à procura do povo que estava dizimando o nosso planeta e pondo em risco o equilíbrio dos astros vizinhos. Estavam incumbidos de exterminá-los. Você deve lembrar, saiu nos jornais.
Você, também, deve ter lido, que passados muitos meses, eles ficaram desanimados; andaram por todo lado, procuraram, procuraram, e não encontraram os tais devastadores, apesar da grande quantidade de rastros dessa passagem em muitos dos lugares visitados. Um outro fato causou-lhes estranheza: continuamente cruzavam com outro povo terrestre muito diferente do procurado. Um povo de índole amável cuja principal ocupação parecia ser a de produzir bem-estar. Gente que mostrava um talento invulgar para extrair beleza de objetos toscos e sem graça: como produzir sons angelicais a partir de fios de metal normalmente ásperos e mudos; elaborar descrições inebriantes a partir de fatos corriqueiros e inexpressivos; dedicar-se a ressuscitar vidas a caminho da extinção e até formular soluções originais para problemas complicadíssimos, alguns inclusive para os quais os próprios marcianos ainda não tinham resposta.
Durante a sua estada no planeta, os extraterrestres apenas encontraram exemplares desse outro povo e nem lhes passou pela inteligência a possibilidade de ser esse o mesmo povo que, insistentemente, procuravam; povo esse que, segundo lhes chegou ao conhecimento, destruía com grande alegria recursos naturais ou fabricados e dizimava animais apenas para serem admirados. Um povo que matava semelhantes por razões infundadas e que até orava antes de explodir bombas e, acredite, contaram-lhes até que esse povo emporcalhava recursos vitais como o ar e os mananciais de água, pondo em risco a sua própria continuidade no planeta (mas, nisso eles não acreditaram!).
Não havia a mínima possibilidade de dois povos de comportamentos tão contraditórios conviverem no mesmo mundo.
Frustrados, os marcianos desistiram e desolados embarcaram de volta pra casa na sua nave resplandecente movida pela energia da luz, deixando a Represa e o Planeta Terra da forma como os tinham encontrado.