O RESGATE

Era muito estranho o jeito de ela se portar perante a multidão que a cercava naquele momento de angústias e desespero. Enquanto centenas de pessoas se espremiam uns aos outros, ela olhava como se nada estivesse acontecendo de anormal.

O mundo poderia até se acabar que ela não se afetaria com isso, tal era sua completa indiferença a tudo e a todos.

Jamais havia surgido naquele meio outra pessoa que pudesse agir ou se portar daquela forma tão indiferente.

Em certos momentos tinha-se a impressão de que ela sofria de autismo e não pudesse interagir com o mundo nem mesmo se afetar por ele.

Era realmente um ser estranho, tanto por sua forma física como pelo seu modo de agir ou se portar no meio onde estava.

Parecia ser humana no andar e observar, mesmo com as diferenças. Mas era assim que se portava toda máquina, que tem apenas um objetivo, o trabalho, sem, no entanto, se afetar com as emoções ou com as dores humanas.

As formas adaptadas tinham como objetivo maior não criar diferença física muito grande entre máquinas e homens. Embora fossem quase iguais aos humanos, emoções ela não tinha, seguia um programa que tinha como objetivo obedecer, sem se preocupar com nada que não fosse cumprir o que determinava o programa comandado por um chip na cabeça.

Todos que olhassem poderiam jurar que aquele ser era humano, mas, no entanto, era apenas uma máquina que tinha como objetivo o trabalho.

A multidão parecia uma manada em estouro, naquele momento nenhuma parte racional funcionava nela. Portava-se de forma animalesca diante dos últimos acontecimentos.

Enquanto alguns pisoteavam os mais fracos, duas crianças tentavam se proteger debaixo de um pequeno banco que ainda estava inteiro no meio da praça. Escondidas, pareciam ter consciência do perigo e dos horrores. Seus rostos esprimiam a dor e o medo diante daquela massa ensandecida.

Centenas de corpos caídos eram pisoteados, outros procuravam fugir de algo que nem mesmo eles sabiam o que era. Ela, no entanto, observava a confusão reinante sem se afetar com nada daquilo.

No meio da confusão se aproximou do banco, pegou as crianças pelas mãos e pediu que a seguisse.Seguindo por ente a multidão que parecia massa sem consistência que se movia, como uma folha solta levada pelo vento, de um lado para o outro. Enquanto ela andava passando por entre os humanos, levava sob sua proteção crianças assustadas e chorosas que havia resgatado.

Elas seguiam a mulher sem questionar e em nenhum momento demonstraram medo ou temor dela. No momento que ela se aproximara das crianças manipulara uma energia especial, que fazia parte do seu programa para conseguir acalmá-las e facilitar o resgate no meio da manada.

Após sair do meio da turba, dirigiu-se a uma rua praticamente vazia, parou e tirou de uma bolsa amarrada a sua cintura um pequeno aparelho que parecia um celular e depois de clicar alguns botões falou:

“ Resgate efetuado pode acionar o transporte.”

Segundos após ter falado, um jato de luz vindo de cima atingiu as três figuras e em instantes o local estava vazio.

Ao chegarem ao destino, o homem que parecia ser o comandante da operação se dirigiu a outro igual a ele que se encontrava sentado operando algumas máquinas e disse:

- Quantas ainda faltam para ser resgatadas?

- Poucas, senhor, acredito que ainda hoje conseguiremos pegar todas. E complementou: Nossos agentes estão todos a postos e aguardam o momento certo.

- Tudo bem, vou ver como estão as crianças, se surgir novidade na superfície, avise-me com urgência, talvez seja necessário nossa intervenção direta sem o uso das máquinas.

- Senhor, não acho prudente nossa intervenção direta, os humanos parecem loucos, já não existe nenhuma racionalidade neles.

- Eu sei, mas não podemos arriscar as vidas de nossas crianças, por isso, se for necessário, alguns descerão até lá.

Depois dirigiu-se a uma parede que se abriu, dando passagem a ele e logo após sua passagem as paredes voltaram ao seu normal.

O jovem que estava sentado recebeu novo pedido, apertou alguns botões e outra mulher com mais algumas crianças apareceu dentro de um jato de luz no meio da enorme sala circular. Na sala, várias mesas e atrás delas, dezenas de homens e mulheres operavam as máquinas responsáveis pela operação.

O grupo recém chegado era composto por uma loira e quatro crianças que, de tão assustadas, pareciam estar traumatizadas com o horror que estava acontecendo na superfície do planeta. Elas não esboçaram nenhuma reação, quando a loira, levou-as no mesmo rumo da parede que anteriormente se abrira dando passagem ao comandante. Também por lá ela desapareceu com os resgatados.

Enquanto a loira sumia, o jovem que parecia ser o imediato do comandante sorriu e observou a uma colega que se encontrava quase a sua frente.

- Não se esqueça que ela foi feita a sua imagem e semelhança.

Ao que ela respondeu:

- Espero que você não queira me trocar por ela.

E enquanto ambos riam, o painel indicou que novamente alguém solicitava ajuda, por seu piscado intermitente.

Durante todo o resto do dia de rotina trouxeram centenas de crianças de vários lugares. Logo que elas saíam do foco de luz eram levadas à sala de recuperação, a fim de voltarem ao normal e esquecerem os últimos acontecimento na face da terra.

Durante três dias seguidos o resgate foi efetuado de acordo com os planos da frota que tinha como objetivo salvar o maior número possível de humanos que estavam sofrendo com os últimos acontecimentos. A terra estava em transformação e muitos não poderiam ficar sobre sua superfície sob pena de regredirem ao estado quase animal.

Num enorme aposento, havia milhares de catres e sobre estes crianças de todas as idades e várias etnias dormiam como se fosse hora do sono. Igual àquele aposento havia outros e também em outras naves que tinham como objetivo servir de ponto de apoio para manter os sobreviventes em estado de sono, evitando os traumas.

Somente quando todo o processo de transformação se consumasse elas seriam acordadas e, com pais adotivos, voltariam à superfície do planeta para recomeçar novamente numa nova etapa civilizatória. Isso somente aconteceria depois de efetuadas todas as limpezas físicas e extrafísicas, o que poderia durar alguns meses.

Eles, como guardiões, tinham todo o tempo do mundo e quando este acabava, podiam manipulá-lo em prol da grande causa maior que era a salvação dos homens ou sua descendência.

Em alguns lugares da superfície existiam os locais apropriados mantendo as sementes de todas as espécies, vegetais e animais, que iriam formar a grande cadeia evolucional.

Não haveria desperdício, somente algumas espécies seriam desprezadas em detrimento de outras. A evolução exigia reparos. A grande arca de Noé continha todos os elementos necessários do novo período que iria reiniciar-se dentre alguns anos de trabalhos reparatórios e replantio das áreas que haviam surgido.

A superfície do planeta mudaria completamente e a azáfama do grande trabalho, seria efetuado por milhares de criaturas criadas pelos dirigentes do projeto.

Na superfície, as máquinas executavam os acertos necessários, nenhum ser humanos seria ainda capaz de suportar as transformações que estavam sendo operacionalizadas. As máquinas davam os retoques necessários e administravam os detalhes na superfície.

Milhares de crianças dormiam e cresciam lentamente.

No fim do terceiro dia, após tudo acabado, na reunião do conselho ficou decidido quem seriam os pais voluntários que deveriam descer à terra com seus filhos adotivos para iniciarem a nova etapa de vida na terra.

Os eleitos haviam herdado a terra, os que tinham perdido a chance de continuar sobre a superfície tinham sido levados pela própria vibração a que estavam sujeitos.

Foram obrigados a partir rumo a um novo destino no grande vazio do infinito.Em outros lugares, eles seriam necessários.

21/12/06

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 25/10/2007
Reeditado em 07/08/2008
Código do texto: T708859