O OVO MÍOPE
O OVO MÍOPE
Esta história começa como muitas outras; um dia um espermatozoide míope foi lançado numa cavidade escura e solitária onde não conseguia ver nada. De repente começou a se contrair executando movimentos ondulatórios com sua cauda como se estivesse nadando em direção à praia, mas logo se viu diante de um túnel escuro onde começou a rolar involuntariamente até sentir que havia tocado algo macio e falante. Logo após o toque uma voz delicada e frágil lhe perguntou:
- Está cego?
- Quase, vejo apenas vultos estou sem óculos, desculpe, quem é você?
- Eu sou o óvulo e você?
-Ah! Sou o espermatozoide; mas tenho nome.
-Qual seu nome?
- Zito e o seu?
-Mara, por quê?
-Só pra saber...
- O que você faz aqui?
-Ah! Saí do meu casulo para ver se encontro algo que me faça crescer, sabe? Mudar de forma pois não suporto mais viver redondo feito uma bola.
-E você que faz aqui?
-Também estou querendo mudar de forma, sofrer uma espécie de metamorfose, cansei de carregar meu rabo para lá e para cá, nadando a vida toda. O problema é que esqueci meus óculos de modo que vejo apenas vultos.
-Caramba você é cego?
- Não completamente, sou míope, sem óculos quase não vejo...
-Que coincidência, também sou míope, vejo quase nada, justo que nem você. E agora que podemos fazer para nos ajudar?
-Bom, não sei, talvez acasalar-nos que acha? Vamos nos penetrar, ficaremos um só e quem sabe juntaremos nossas poucas visões e ampliaremos numa visão que nos ajude mutuamente.
- Não sei - se nos juntarmos dessa forma daremos início a outro ser, de repente ele será pior que nós dois, tenho dúvidas se devemos fazer assim.
-Não tenha dúvidas, vamos tentar...
- Tem certeza?
-Tenho, então vamos...antes devo te dizer que também me chamam gameta.
-Ah! Eu também sou gameta.
-Que bom, você sabe o que acontece quando dois gametas de sexos opostos se juntam?
-Claro que sei, cada um perde sua individualidade para formar outro ser chamado zigoto.
-Sim, és muito por dentro, mas esse nome zigoto, é horroroso!
-E daí vamos ou não?
-Vamos, vem, onde você está, não te vejo está tudo escuro aqui.
-Também não te vejo, mas sinto teu calor, estamos próximos vamos tatear, devemos estar perto. Aqui te toquei.
-Eu senti: como fazemos?
-Me aperta bem vou penetrar na tua parede.
-Ok, vai devagar, isto pode doer, aí! Devagar.
-Penetrei, já senti que algo diferente está acontecendo, estou sumindo. Sinto meu corpo se incorporando ao teu.
-Eu também acho que já éramos, acabamos de dá início a uma outra vida! Cio!
-Cio!
De repente surge ele, o OVO.
Caramba! Senti um choque entre duas coisas de onde surgi, agora me sinto só mas com a sensação de que vim de alguém. Acho-me sozinho no escuro e sequer vejo vultos. Sinto como se tivesse nascido de uma explosão na qual não tenho pai nem mãe, embora na verdade os tenha. Estou pelado, com frio e não sei encontrar o caminho para onde me dirigir. Sinto-me num tubo escuro e estreito, pois chego a tocar suas paredes, devo escolher um lado e seguir a procura de um ninho, esta é a informação que consta do meu programa de percepção, porém para que lado seguir ainda não percebi, enquanto isso escolhi à esquerda, mas por milagre não caí num precipício de onde ouvi grande ruído como um turbilhão de águas agitadas. Voltei imediatamente para direita, no caminho dei de cara em algo endurecido e fiquei com olho roxo além de completamente míope. Finalmente alcancei a outra extremidade do tubo que de início me pareceu também um precipício, só que me senti atraído e mergulhei. Finalmente encontrei meu ninho, NIDEI – onde espero pela metamorfose sapiens de onde sairei, espero, vendo tudo, para explorar a bela incerteza de viver um mundo.
José Antonio da Silva