CONVERSANDO COM A ESTÁTUA DE CLARICE NO LEME
Num feriado de sol, saio a passear despretensiosamente pelo calçadão da Av. Atlântica quando avisto na Pedra do Leme uma senhora calmamente sentada na balaustrada, com um livro semi-aberto nas mãos, acompanhada de seu cão “Dilermando”. Aproximo-me e reconheço a judia-ucraniana-pernambucana Chaia Pinkasovna, mais conhecida como Clarice Lispector, que me chama e cochicha no meu ouvido:
“Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela.”
E depois num tom de humor sarcástico, digno de Woody Allen, me diz: “ter nascido estragou minha saúde”. O que me fez rir compulsivamente: hahahah...
Despedi-me de Clarice quando ela me chama de volta e sussurra em surdina no meu ouvido:
“O que acontece depois de sermos felizes?”- respondo-lhe de pronto que felicidade é uma miragem no deserto: de longe parece um verdejante oásis, mas de perto é apenas areia.
“E depois o que acontece? “- insiste ela. Respondo-lhe, desta feita, em tom filosófico: “Clarice, é necessário vislumbrar sempre novas miragens e seguir adiante caminhando mesmo sabendo que não encontraremos nada além de um infinito e intransponível deserto, situado na tristeza intemporal da existência”. Com um sorriso de soslaio, ela pareceu apreciar minhas divagações filosóficas, o que me encorajou a continuar: “Vivemos apenas enquanto somos capazes de caminhar atrás de miragens”. No que ela de pronto me responde com grande sagacidade: “A única verdade é que vivo. Sinceramente eu vivo! Quem sou? Bem, isso já é querer saber demais!”
Ela me deu um sorriso contido de Monalisa e afastei-me da Clarice de bronze, lembrando-me que a Chaia de carne e osso foi enterrada no Cemitério Israelita do Caju, numa sepultura ao lado da de minha mãe, e pergunto-me se ela viveu o suficiente para morrer de tanto viver…
* Trecho de meu livro "Conversando com estátuas", editora MouraSa, Curitiba, 2022.