Uma mulher vestida com folhas

Eu vi aquela mulher se aproximando de mim num deslocamento majestoso. Ela tinha faces coradas e um sorriso que iluminava seus olhos cor de mel. Sobre seus ombros altivos desciam longos cabelos pretos que se perdiam nas folhas de seu vestido maravilhoso. Ela se vestia com folhas de cajueiro e a cada passo que entregava em minha direção, as folhas se despregavam da barra de seu vestido amarelado indo deitar-se no chão. Imediatamente outras folhas surgiam nas superfícies mais altas da vestimenta deslocando-se até sua barra, como uma folha que passeia por cima da água sem jamais afundar. Assim o vestido não terminava no chão. Ele sequer conhecia um final. Não podia ver seus pés, mas atrás dos seus passos o caminho se revestia de folhas amareladas.

Já não podia mais saber onde me encontrava. E, naquele momento, talvez aquilo não importasse mais. O único encontro que eu queria só poderia acontecer ali. A ânsia por aquela mulher me consumia. Queria que ela chegasse e visse seu sorriso deitado em meus olhos. Estava preenchido por seu mistérios. Minhas carnes tremulavam, mas não de pavor. As carnes também tremulam quando se apaixonam. E esse era o sentimento daquele momento.

Já vivi todos estes sonhos incompletos. Eles nunca se realizam, são sempre promessas com asas. Tive medo de que aquela visão se despedisse de mim antes de sua revelação. Esses sonhos escapam de mim como as areias da praia fogem de nossas mãos ansiosas. Levadas pelo vento, dispersas pelas águas do mar, as areias nos dizem que nossas mãos se comportam como jaulas. Elas procuram ter, mas as areias não são de ninguém. Elas são como sonhos. Por um tempo, me afastei destas belezas. Mas agora elas reclamam seu lugar em mim. Elas voltam como sonhos e principiam minha imaginação para o irreal, aquele domínio onde toda racionalidade engatinha.

Ela trouxe um doce vento quando chegou. Não desfiz meu pouso ao lhe ver chegar. Senti que era melhor não lhe assustar com minha pretensão. Seria melhor ela, em primeiro lugar, dizer como seriam as coisas. Apenas ergui um pouco mais a minha cabeça para vê-la melhor. Não me atrevi a lhe perguntar coisa alguma. Não se pode perguntar a uma folha onde ela pretende ir. Elas simplesmente seguem o impulso do vento e desaparecem. Não queria que meu hálito lhe fizesse desaparecer. Na verdade, não tinha palavras suficientes para semelhante dama. Deixei que me dissesse sua intenção.

Ajeitei seu sorriso em meus olhos. Deixei um sorriso meu pousar em sua bochecha. Uma pequena borboleta serenava em seu vestido. Queria fazer dela um lugar para se encasular? Ela se curvou, me tocou nas mãos e me levantou. Sem dizer uma palavra me fez virar de costas e virou a si mesma de costas ainda segurando minhas mãos. Ficamos de costas um para o outro, mãos dadas, mas logo em seguida estávamos de frente. Durante o giro, ela segurava minhas mãos com força evitando que nos soltássemos. Forças que viajam desde o antigamente. Reconheci o cumprimento como um antigo jeito que só os Encantados fazem. Vi algum sentindo quando ela me perguntou com sua voz delicada, serena, muito macia:

– Você sabe quem eu sou?

– Me perdoe, mas não sei nada além de que eu sonho.

De fato, eu queria que ela mesma me esclarecesse o mistério e pudesse me dizer por que eu estava sentindo aquelas coisas. E ela sorriu, como se aquele sorriso fosse a origem de toda a primavera. Ela fazia-se entender com aquele sorriso largo de quem conhece mais coisas. E então continuou:

– Eu sou uma Guia, conhecida como Princesa da Floresta. Sou a tua Guia desde que minha jornada começou nestes além-mar. Eu sou este sonho com quem tu sonhas todas as vezes que se lembra do passado de tua avó. Cheguei aqui por meio das folhas, do perfume, das borboletas, do antigamente que mora em sua alma. Este é apenas o primeiro encontro que vais te lembrar, porque você me conhece há muito tempo. Somos duas forças que se atraem desde o vermelho do primeiro pôr do sol.

Fiquei pensativo com essas palavras. Quisera eu me lembrar de meu conhecimento sobre aquela mulher que se apresentava como alguém tão importante para mim. De toda forma, seus dizeres iniciais me faziam entender o sentimento magnético que nos atraía. A duração daquele encontro não contava tempo. Suas palavras é que soavam tão antigas como se principiassem nossa história num tempo onde o tempo não conta. Aquela voz macia já fazia morada em minha alma, sem jamais anunciar um adeus.

Uma estranha felicidade apoderou-se de meu coração. Quis tocar uma folha que estava debruçada sobre o chão para entender o mistério daquele vestido. Ao me abaixar para pegá-la, me esqueci que ao tirar os olhos da ave arrisca-se ela voar sem dizer adeus. E foi assim que aconteceu. Só senti a ventania sob meus cabelos, a mulher tinha partido num único voo. Distanciava-se cantarolando. Livre. Ainda sorri bem a tempo de pousar meu sorriso em seus olhos. Tive certeza de que nos encontraríamos outra vez.

Eu venho da floresta / minhas flores no mar

Eu trago força e passo em terra / com penas brancas e maracás

Eu venho da floresta / minhas flores são lá

Em terra sou Princesa Índia / no mar eu sou juremeira.