As cordas de oxigênio em abril passado
A janela. O céu azul de abril. Para acabar com tudo, bastaria sair da cadeira, correr para lá. Já que não se corre para o céu... Com tudo. Contudo...
O vácuo. O desespero depois, a descida, bem horrível o ar não ter suportes, minhas mãos se agarram ao oxigênio de abril passado, o oxigênio virando cordas, o nada, agora sei o que é o nada, o oxigênio era nada e virou corda, me seguro, me salvo...
Só dormi. Agora, acordei azulado. Quem sabe, morri, não dormi. Quem sabe não estou azul, estou é roxo.
Estou amarrado. É o oxigênio. Água, H2O. Cordas de oxigênio. Não sei se no céu tem oxigênio. Tem? Ou não estou no céu? Estou?
Queria morrer, depois não quis. Acho que me deixaram achar. Pude escolher. Na hora da descida. Ah, sim, agora não quero mais. Foi horrível. Não quero mais.
Lhe conto. Foi assim. A janela aberta para o azul. Estava azul. O vácuo. O desespero, depois a descida, bem horrível o ar não ter suportes...
Não há mais suportes em volta. A condição humana é absolutamente importuna. Suspiro, sofro, não sou cafão, mas tenho alma. Quis ser tudo, fui até bicho, tico-tico, iguana de Páscoa, quase todos, mas não quero mais. Até os bichos têm alma.
Não há mais suportes. Há um vácuo. O ar parece com o vácuo. Desconfio que não possa ver o Absoluto, assim como não vejo o ar. As moléculas. H2O.
Não há mais suportes. A solução é o abandono. Aquela velha estória do adorado e do adorador.
Suportes, nem mesmo me suporto.
Talvez me arrependa. Há exemplos. Que não seja o outro lado da rua como o lado de cá. Que não me decepcionem, como ficou o herói de um determinado conto.
Agora o vácuo. A janela para o azul. A janela ou o azul. O oxigênio, H2O, água. O azul. Bem horrível o ar não ter suportes.
A terra é azul. Gagarin.
Quando me matar, dizia, há de ser naquela serra que azula no horizonte e chamarei Piedade. E não terei piedade alguma para comigo mesmo.
Quando tiver coragem de me matar, dizia, há de ser naquela vista de entre as placas da persiana, que chamarei de Piedade.
E não terei piedade alguma para comigo mesmo, quando tiver coragem de me matar, dizia.
(Belo Horizonte, 1º/08/1971)