A verdadeira revolução

Dora, já sem paciência e muito irritada por ser tolhida por seus avós durante a quarentena, tinha um comportamento agressivo. Era mesmo da pesada. Virou, mexeu, arranjava um jeito de bagunçar toda a rigidez deles durante o isolamento!

Um dia, já desenrolando os cipós que vovô fez para todas as crianças daquela casa, chamou Susi, Matilda e Luna para balançar. Embora fossem suas companheiras maiores, Susi ainda tinha muito medo de brincar no cipó e Matilda era muito grande para qualquer um deles. Dora nem ligou que as crianças pequenas podiam se machucar se caíssem do cipó.

Dias depois lá estava Dora querendo subir no muro onde fica a ducha de jardim. Para que? Parecia que ela queria pular o muro para ir atrás de Bebela e Fafá.

Dora, claro, já tinha seu plano. Pularia o muro para fugir dos avós, depois cruzaria a rodovia e, escondida do porteiro do condomínio, já estaria quase na casa das duas irmãs! Plano ótimo, estragado por vovó...

Dora foi ficando cada vez mais audaciosa nos planos para fugir de casa e furar a quarentena. De quietinha, sempre disposta a ajudar, passou a aventureira, só criando formas de burlar as regras atuais. Como já gostava de mata, de acampar, de dormir em sua tenda no meio da floresta, já pensava, excitada, em sua próxima molecagem no pomar – que lugar seria melhor, já que estavam presas em casa? Atiçou as outras amigas e lá foram elas, esconder-se entre as árvores, bem quando vovó as chamava para o jantar.

O problema é que caiu um temporal ainda quando estavam a meio caminho!

Vovó chama daqui, chama dali, vai para dentro de casa, para a frente, procura no jardim e, finalmente, volta-se para o pomar, sem acreditar que estariam por ali. Procura e grita o nome de todas, até descobrir que a autora da bagunça que se fazia no pomar era a Dora.

Daí, foi a gota final para vovó. “BASTA!”, gritou ela.

Dora, já amedrontada com a chuva, estava quietinha. – O que fazer? dizia ela consigo mesma. Não havia o que fazer, a não ser se esconderem. E foi correria para todo lado. Quando Dora procurou Yutaka, Merida, Frida, Lupita, Esmeralda e Mercedes, que eram as menorzinhas, lá estavam os olhinhos delas entre os hibiscos. Susi e Matilda, em suas roupas de festa e cabelinhos arrumados, já bravas, corriam atrás da Dora. “Você fica inventando essas histórias, nos arruma para sairmos, seca cabelo, bota roupa de festa, pra que? Pra levar uma boa bronca da vovó e, pior, ficarmos alagadas desse jeito?”.

Não deu tempo nem de Dora responder, só de se enfiar sob a primeira moita grande que encontrou. E vovó já estava no seu pé.

Encharcadas pela chuva, agora com cara de paisagem, pé ante pé, já em direção à casa e com acompanhamento musical: a ralhação de vovó.

Mas ainda ousaram, apresentando outro ato de revolta! Em uníssono, ecoaram: “Estamos cansadas de suas histórias, vovó, não queremos mais escutar você! Essa coisa de coronavírus, essa prisão, não dá mais. Vamos juntas, vamos embora, vamos atrás das meninas e você não vai nos impedir!”

Claro que vovó esbravejou até! Levou todas para o banho e sugeriu o cantinho, onde deviam ficar até segunda ordem para pensarem em sua conduta. – Quem sabe, assim, melhoram seu humor e voltam a sorrir e colaborar conosco um pouquinho!

O problema maior foi que elas ainda ficaram ensopadas... Foi aí que vovó mudou o castigo e... pendurou-as no cabide para secarem. – Agora é que vão ver o resultado de tanta ousadia, disse ela. – Pode levar dias para saírem daí. E não pensem que vão me dobrar, não, pois mereceram!

Dora, ainda a afrontou, tentando ganhar a parada na marra: “Daqui nós não vamos sair enquanto Vic, Teté, Fafá e Bebela não vierem nos libertar!” Mas nenhuma delas se deu conta de que estavam penduradas e amarradas num varal improvisado por vovó... Sorrindo, ela virou de costas para as crianças não a verem se divertir.

E começou a antever a calmaria que seriam os próximos dias. Até se lembrar de que Vic e Teté viriam logo, para o fim de semana. Então, largou as crianças suspensas lá no canto e já começou a pensar nos preparativos para a vinda dos netos, muito feliz que estava.

Tristonhas, reinou, de fato, um bom silêncio na casa... As meninas não tinham a menor disposição, nem para brincar, nem para argumentar com vovó.

Chegou, afinal, o grande dia para os avós. Vic e Teté vieram com os pais de longe, mas também vieram Fafá e Bebela. Os quatro, que alegria! Vovó não cabia em si de contentamento! Iria ver seus netos pela primeira vez, já idos quase cinquenta dias de isolamento!

Preparou-se, colocou sua máscara. Chegaram todos. Crianças

comportadas, preparadas pelos pais a não correrem para abraçar ou beijar os avós. Cumprimentar, só com os pés!

Mas o que os netos fizeram? Cumprimentar, que nada! Entraram feito um batalhão, prontos para o confronto. Procuraram suas amiguinhas presas no varal e as encontraram no meio do jardim. Correram feito um raio, para libertarem-nas.

Felizes, Fafá e Bebela correram para Matilda, Susi e Dora, dando-lhes um abraço bem apertado. Teté correu para Iduna e Merida. Vic não conhecia nenhuma delas, mas escolheu Yutaka, porque também tinha que correr atrás de alguém.

Vovó, feliz, só se deu conta de que foi em boa hora que resolveu lavar e pendurar as meninas no varal... Afinal, depois de tanta luta com elas para se acalmarem em época de coronavírus, elas também estavam preparadas para interagir com seus netos, seguindo as recomendações de isolamento durante a visita da família toda!

Rebeca Maya

Jul/2020

Rebeca Machado Maya
Enviado por Rebeca Machado Maya em 29/07/2020
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