212 - O Oleiro
Dizia da casca das coisas e ignorava os conteúdos. Como se só pelo espírito pudesse ir, como se fosse a essência do mundo o lugar inexpugnável onde só pela imaginação se chega. Tudo o que não pudesse sublimar em fragrâncias era recusado pelo espírito. Depois, caído dos seus mitos, precisava de beber que o corpo tinha sede e fome e vontade de se misturar com o húmus para ser daqui. A seguir pegava no barro, recordava que era oleiro, e espremia as pastas para lhes dar um informe aspecto onde ninguém via nada. E todas as obras eram acabadas quando o espírito se enchia de luz, vento ou verdade impossível de dizer. Chamavam-lhe louco. Ela, porém, considerava-o escultor, poeta, um ser amável que só era seu quando voltava desses lugares de espanto onde não conseguiu ir. Cabia-lhe zelar por ele, pelas peças que fazia, pelo nada que guardavam como um aroma que nunca sentiu. Mas um dia, José, levas-me contigo para onde vais quando, puxado por mil duendes, pássaros, ventos ou só caminhos persegues a luz e a encontras? – Sim, um dia levo-te.