Alice Moreira – Conto de super heróis
O sanduíche de frango e ricota estava pronto e a Ana Maria Braga estava na TV. O sol brilhava intenso e dava um ar alegre quando atravessava as grandes janelas abertas do belo apartamento onde Alice, seu esposo Jorge e seu filho Daniel moravam. Ela terminava de tirar o pó dos móveis. O seu lar estava limpo, seus amores eram organizados e faziam sua parte do serviço, mesmo depois de Jorge chegar cansado após o trabalho ele fazia o que lhe era devido, limpava os banheiros, arrumava a área de serviço e ainda tinha aquele sorriso cativante que fez com que ela se apaixonasse por ele a tanto tempo. Já Daniel era um pouco menos atencioso, mas jamais saia de casa sem que seu quarto estivesse impecável, mesmo assim Alice não poderia querer uma família melhor.
Na TV o louro José comentava rapidamente as notícias do dia: a exposição de flores no Ibirapuera, a mostra de cinema no Meier, o encontro do presidente com o chefe do legislativo e Madame Esperança, os Jovens Vigilantes enfrentando um vilão em alguma cidade satélite do Distrito Federal e Fugaz, membro dos Destemidos, impedindo um assalto no Brás. Alice sorriu e suspirou. Ela não podia perder tempo, precisava tirar o pó para sair e trabalhar.
Desde que haviam se mudado para São Paulo, a dois anos, ela estava sem emprego. Tinha sido uma opção. Contudo apenas cuidar da casa não era o suficiente e seu carisma e bom papo foram determinantes para ser representante comercial de uma empresa de embalagens.
Andar de um lado a outro da enorme cidade, conversar com possíveis clientes e fechar bons negócios era prazeroso.
Enquanto visitava algumas lojas em Moema, olhou para o céu e viu o Místico Misterioso e Barda voando atrás de um vilão, provavelmente Ferrão, Sombrio ou Betty e Verônica. Alice ainda achava que a Barda poderia colocar algum tecido sobre aquelas pernas expostas, entretanto ela sabia que nem todos tinham a educação, porte e elegância de Madame Esperança, mas não dava para negar que o Místico Misterioso era um homem bonito e que Barda era uma moça linda e excelente heroína.
Alice entrou em uma loja, o dono já sabia que teria um embate grande por preços. No rádio os jornalistas e comentaristas especializados falavam sobre os novos filmes de Tarantino e Scorcese, além das notícias do futebol, política, os atritos no oriente médio, as intrigas palacianas entre os grandes governos, as novas tendências da moda com super tecidos e os embates diários entre os mega vilões e os heróis. Alice conseguiu mais uma grande demanda de seus produtos, sua meta estaria batida em poucos dias. Sorriu para si mesma.
Almoçou no Dona Lucinha, adorava aquele lugar, passeou pelo Shopping Ibirapuera, comprou uma bela blusa lilás que lembrava muito o uniforme de uma antiga heroína chamada Primerva, assistiu a uma comédia no cinema, ligou para o marido e disse que o amava e que ele não esquecesse de passar no mercado e comprar peixe. Foi à academia, a tarde já estava próxima do final, o ar-condicionado estava agradável e o suor pingava enquanto se exercitava.
O aparelho de TV estava no mudo, mas o jornal da Record mostrava, em close vindo do helicóptero, uma grande movimentação. Nas legendas diziam que um vilão antigo, chamado Flagelo Vermelho, havia reaparecido depois de trinta anos, na cidade de Osasco e que ele fez muitos reféns.
Alice fazia seus exercícios descontraidamente quando de canto de olho viu os Destemidos enfrentando o Flagelo Vermelho.
Alice parou o que estava fazendo e observou a TV. Foi em direção ao aparelho e aumentou o volume.
O sangue nas ruas era mostrado com sensacionalismo pelo câmera, Geraldo Luís dava um ar dramático à realmente dramática luta. O enfrentamento era de uma violência pouco vista antes. Talvez se comparasse ao dia em que o Esquadrão da Justiça havia enfrentado Ísis Negra, logo após ela sair do grupo. A quantidade de pessoas controladas pela antiga heroína indo em direção ao Esquadrão, era assustador e ficou marcado na mente das pessoas por muito tempo.
Alice estava nervosa, como sempre ficava quando os Destemidos estavam em ação, mas tinha confiança de que tudo daria certo, ao menos até o momento em que uma das armas do vilão foi destruída por um dos Destemidos e os fragmentos incandescentes atingiram os reféns, ateando fogo em alguns deles. Aquilo estava saindo de controle. O coração de Alice disparou. A câmera não pegava mais nenhuma cena próxima, pois o espetáculo era grotesco demais para se mostrar na televisão. Geraldo Luís atiçava a imaginação e a angústia de seus telespectadores com a narração vívida e dramática do acontecimento.
Era perceptível que o Flagelo Vermelho era um vilão acima da capacidade dos Destemidos. E então o coração de Alice parou de bater.
Na tela um borrão vermelho amarelado corria e chamava a atenção das armas do Flagelo Vermelho e do nada o borrão desaparece, mostrando apenas uma pequena figura no chão, ensanguentado. Era Fugaz, o velocista dos Destemidos. O jovem e bonito Bastial também estava caído, fora de qualquer combate. Sem Sentido e Guardião Ancestral tentavam desesperadamente suportar os raios elétricos e os ataques de esferas violentas que os castigavam. Eram os campos de força desses dois heróis que impediam que os reféns fossem mortos.
Geraldo Luís estava em silêncio. O Flagelo Vermelho desapareceu no ar, num estrondo de teletransporte, ele conseguiu roubar o que quer que ele pretendesse, e ainda deixou os Destemidos no chão.
Os bombeiros, paramédicos e voluntários começaram a correr em direção às pessoas feridas que foram feitas de reféns. Era certo que havia mortos.
A câmera do helicóptero avançou novamente em direção ao solo, mostrando em alta definição o corpo inerte de Fugaz, sua face desfigurada, seus braços caídos para o lado, seu uniforme vermelho, banhado em sangue.
Guardião Ancestral e Sem Sentido pegaram Fugaz e Bastial e os tiraram do local, o cinegrafista ainda os acompanhou por algumas quadras, até que desapareceram, numa escuridão possivelmente criada pelo Guardião Ancestral.
O coração de Alice voltou a bater, com dor e sofrimento.
Ela precisava saber o que aconteceu com seu menino, ela nunca questionou os perigos e o altruísmo de seu filho. Ela sabia que aquilo poderia acontecer, mas nunca impediu que seu amor impedisse Fugaz de ser o herói que ele era. Agora seu coração de mãe dizia que ele poderia não voltar para casa. Alice caiu de joelhos no solo da academia, chorando copiosamente enquanto se perguntava para onde haviam levado seu menino e se ele estava vivo.