UM GRANDE ENGANO

UM GRANDE ENGANO

Os derradeiros dias de 1959 se aproximavam às carreiras, no atropelo de mais um final de semana incomum no Rio de antigamente, com o recém-eleito JK já pensando em mudar a Capital Federal para o s confins "da caixa-prego", do "raio que nos parta", do "cafundó do Judas". Na tradicional família Barbosa de Mello e Magalhães só se pensava em viajar, as 3 filhas mocinhas preparando as malas -- ou melhor, baús, mais femininos -- para mais uma viagem a Paris, presente de aniversário da irmã mais velha, Lindalva, "surpresa" providenciada pelo avô.

-- "Enfim, vamos para Paris... não vejo a hora" !

-- "Vamos"?!, questiona Marialva ainda incrédula.

-- "Será que vamos mesmo"?!, reforça Rosalva.

-- "Vamos... é claro que vamos" !, contrapõe "Lindinha".

-- "Bom, se você diz... então, vamos" !

Nisso, entra na sala o motorista da nobre família, também mordomo, contínuo, servente e tudo o mais.

-- "Vão aonde, senhorinhas... posso saber" ?!

-- "Vamos a Paris, é claro... onde mais" ?!

-- "Huumm, como sou eu que compro as passagens e providencio o embarque... as meninas podem até ir, mas não nessa semana" !

-- "Chiquinho, meu pinguim de terno e chapéu, você não terá como saber, vovô vai fazer segredo" !

-- "Não pra mim... falou a semana inteira sobre isso comigo, mas foi pra Campos do Jordão com vossa mãe sem deixar nenhuma isntrução" !

-- "NÃÃÃOOO... então, NÃO VAMOS" ?!, gritam as 3.

-- "Quem disse que... NÃO VAMOS ?!, retruca Lindalva, irritada.

-- "Ligue pra mamãe, Chiquinho, quero saber que história é essa ? Não gosto de fazer papel de besta" !

-- "IM-POS-SÍ-VEL, dona Lindalva... seu avô não queria ser incomodado. Não deixou sequer endereço" !

-- "Pelo visto, realmente NÃO VAMOS... vou para o meu quarto, estou com dor de cabeça, faavor não me incomodar" !

Marialva sentiu vontade de chorar e foi para o quarto dela. Rosalva queria dizer uns palavrões, mas não conhecia nenhum, eram todas moças finas. No salão vazio, o telefone toca por longo minuto, ninguém atende. Torna a tocar e Chiquinho vem correndo da cozinha, para atender ao chamado.

***** ***** *****

A uns 500 km dali, num luxuoso hotel mineiro, pai e filha se esbaldavam ao balanço das redes emborladas.

-- "Querida, penso em estender nossa estadia aqui por mais uma semana... esse sossego todo vale ouro. Minhas netas -- a estas horas -- já devem estar voando, pela PANAIR, para Paris" !

-- "Que história é essa, papai ? Quando foi que o senhor planejou mandá-las à França" ?!

-- "Ora, minha filha... quando te dei aquele gordo cheque para providenciar isso ! Era a surpresa de aniversário dela ! Mas, claro, você fofocava no telefone com a Ritinha e nem me ouviu" !

-- "Minha nossa... eu entendi que era para o "aniversário-supresa" dela ! Gastei tudo providenciando uma "festa de arromba" para as três ! E agora, o que faço" ?!

-- "Ligue pra lá e explique-se... elas estão sem entender coisa alguma, não fiz segredo do presente que lhes daria" !

-- "Alô, alô?! Chiquinho ? Graças a Deus ! Como estão as coisas por aí ? Como vão minhas meninas" ?!

-- "Estão prestes a explodir, senhora Lindinalva... mais um pouco e terei que "juntar os cacos" delas pelo quarteirão inteiro" !

-- "Ah, meu São Benedito ! Foi um engano, um GRANDE ENGANO... e agora, o que faço" ?!

-- "Fique por aí mais uns dias, madame... cuido de tudo por aqui, podes ficar tranquila" !

Seguiu-se às festas de fim de ano, à secular esbórnia de cada Ano Novo no então Distrito Federal, outra festa "de arromba" -- sob as graças dos Barbosa & Magalhães -- quitutes a farta, bebida generosa e "BLT - boca livre total", com boa parte do "high society" carioca ainda espantada com um "grito de Carnaval" tão precipitado. Rendeu páginas inteiras nos jornais, por vários dias, para desgosto das 3 pimpolhas, amuadas e vendo seu sonho de "UMA NOITE EM PARIS" virar toda aquela palhaçada momesca.

-- "Ah, mas esperem vovô voltar... não vai ficar pedra sobre pedra, isso eu prometo"!, jurou Lindalva, fremente de ódio santo, o vexame entre as amigas ricas ainda a borbulhar nas veias de sangue (quase) azul.

Nesse mesmo ano, JK mudou a Capital do país para o "deserto de tudo" chamado Brasília e os negócios do avô tiveram sentido baque. Nunca mais foram a Paris !

"NATO" AZEVEDO (1º/2 abril 2020)