O Príncipe Negro

Dizem os poetas, que no alto da Grande Serra, habita o Príncipe Negro. Falam ainda que os quatro ventos têm, lá, a sua origem. Fluem pelos corredores, dançam nos salões vazios do Palácio da Solidão, e quando satisfeitos, descem pela serra, sussurrando os segredos ao ouvido dos bardos.

As vazias mansões eram o lar do solitário monarca. Feitas de mármore negro, de dia, destacavam-se mesmo se vistas do sopé da serra, desaparecendo na noite, dando espaço somente ao reflexo da lua.

Quanto mais tempo Érebus permanecia dentro de sua casa, maior ela se tornava. Os corredores se estendiam e os pátios se alargavam, o que constantemente o fazia se perder em algum cômodo novo.

Visando evitar esses aborrecimentos, passava grande parte de seu dia e noite do lado de fora, no jardim. Não que o jardim deixasse de se expandir, mas aquele lugar o fazia se sentir livre.

Rodeado de suas rosas negras, o jovem mestre não via o tempo passar, embriagado com seu cheiro. O veneno que irradiavam, a dor causada pelos espinhos e o torpor que só podia ser sentido no contato constante com a morte, o faziam ignorar o enorme palácio que crescia atrás de si.

Certa noite, enquanto passavam pelo castelo, os ventos, tristes com a situação do príncipe, pediram ajuda à Mãe-Lua. Comovida, ordenou ao vento norte que fosse até os campos consagrados à ela, e buscasse uma única flor, que sozinha brotava, longe de todas as outras. E assim o fez.

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Despertando na noite seguinte, Érebus ia em direção à suas rosas, quando uma imagem o chamou atenção. Em meio àquele mar escuro, um ponto branco, uma luz. Intrigado, aproximou-se.

Era um lírio, ainda pequeno, mas que irradiava uma magia nunca antes sentida pelo príncipe. Fascinado como estava, decidiu cuidar pessoalmente daquela plantinha intrusa, que, despretensiosamente, destruía o arranjo monocromático de sua vida.

Todos os dias, o rapaz levava água e os nutrientes necessários para que o lírio crescesse forte. E esta o retribuía crescendo e iluminando cada dia mais o jardim.

Certa vez, as rosas, enciumadas com toda a atenção dada à invasora, espalharam seu veneno com ainda mais força, de forma a desmaiar o jovem.

Aproximando-se do Lírio, Érebus viu que suas as pétalas começaram a murchar. Mas não entendia o motivo para isso, já que havia cuidado tão bem da flor. Chateado, acabou por esbarrar em uma das rosas, cortando seu dedo, que escorria sangue negro.

Ele estava profundamente envenenado.

Seu sangue se tornara tóxico, e quanto mais próximo estivesse de Lírio, mais rápido ela morreria.

Sentia seu coração se quebrar, coração, esse, do qual nem se lembrava. Chorava copiosamente pela distância que teria que manter de sua amada amiga. Suas lágrimas caíam escuras como a noite, enquanto ia ao chão, de joelhos.

As rosas regozijavam-se de sua dor, se tornando mais fortes, enquanto o Palácio da Solidão se expandia vertiginosamente. Tudo crescia à uma velocidade alarmante, criando um barulho ensurdecedor, que só aumentava o desespero do príncipe.

E então, em um segundo, tudo parou.

Olhando para frente, uma cena que jamais lhe escaparia da memória: De onde, antes, se encontrava a flor, uma mulher, trajando um vestido branco, feito de longas pétalas, que se perdia na cor alva de sua pele.

Atrás dela, a lua, enorme, iluminava a noite, como se fosse dia. Ao se levantar, a donzela, olhando nos olhos atros de Érebus, abriu um sorriso.

Num estalo, todas as rosas negras se desmancharam, espalhando suas pétalas obscuras pelos ventos. E a cada passo que a jovem dava em direção ao rapaz, todo o jardim ruia, em meio ao vórtice sombrio que se formava ao seu redor.

E mesmo com tanto acontecendo, ele só conseguia olhar fixamente para ela, a mais bela criatura que já vira. Era uma mulher, mas não perdera nada da magia, beleza e delicadeza que somente o Lírio pode ter. Nenhuma palavra consegue explicar o que ela lhe transmitia naquele momento.

Agora bem perto, olhou para o príncipe no chão, e delicadamente lhe estendeu a mão.

No primeiro toque entre seus corpos, toda a estrutura, desde o jardim até o Palácio da Solidão, começava a cair.

Ela o levantou, e juntos dançaram. Dançaram a noite toda, ao som daquilo que um dia o prendera, em cima dos escombros do que, um dia, já fora uma infeliz vida.

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Dizem os poetas, que no alto da Grande Serra, não há nada. Falam ainda que os quatro ventos, passando por lá, regozijam-se com sua paisagem. Aproveitam as frutas, descansam em suas árvores e quando satisfeitos, descem pela serra, sussurrando segredos ao ouvido dos bardos.