A Caverna do Encontro

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Essa criatura está entre os seres mais bizarros que já vi em toda a minha vida, com um pescoço enorme e uma cabeça em forma de cobra, os quais se projetam de um corpo de cavalo, com patas e cascos, mas com braços que parecem humanos, segurando um gigantesco machado nas duas mãos. Não tenho certeza a essa distância, mas o corpo parece ter o dobro do tamanho de um homem, e a cabeça mais uns dois metros. De onde poderia haver surgido algo tão inacreditável? Seria uma criação do próprio Efebek, deus da destruição? Esse caso pode ser muito interessante. Seja como for, a criatura permanece imóvel em frente a uma caverna, apenas nos observando.

“Moghal, tem certeza de que está em condições de enfrentar uma coisa dessas?” A voz de Roger vem do meu lado.

“Não sei”, respondo, virando-me em sua direção.

Ele veste um elmo de aço no topo da cabeça, além de placas do metal sobre seu tórax, ombros e quadril. Fios de cabelo loiros despontam por baixo do elmo e seus olhos azuis fitam o monstro. Em sua mão esquerda, segura um escudo de pipa vermelho e, na mão direita, uma espada fina e comprida. Nenhum de seus equipamentos carrega uma única decoração.

“É melhor você ficar para trás e tomar cuidado”, Lucca diz logo atrás dele, “até a sua magia voltar.” Ela me observa com seus penetrantes olhos verdes, como uma mãe cuidando do filho.

Seus cabelos castanhos e curtos são contornados por um elmo de couro endurecido e seu tórax é coberto por uma cota de malha que chega até a cintura. Com as duas mãos, ela segura um arco longo com detalhes entalhados ao longo da madeira, e nas suas costas carrega uma aljava.

“Eu ainda não sei o que está acontecendo”, explico, “mas eu não posso ignorar esse caso. Claramente há algo muito interessante acontecendo por aqui”. Segurando a lança com as duas mãos, aponto-a na direção do monstro.

Sinto uma mão no ombro direito e me viro para encontrar Marie, com um sorriso meigo no rosto e os olhos, negros como a noite, transmitindo gentileza. “Eu sei que você sempre se encanta com situações diferentes e novas oportunidades de aprendizado, mas tome cuidado, está bem? Eu ajudarei no que for possível.”

Ela veste um elmo similar ao de Lucca, com seus cabelos negros saindo por trás dele em um rabo de cavalo, além de vestir uma cota de malha similar. Na outra mão, ela carrega uma balestra com um dardo engatilhado, o qual foi retirado da aljava atrás de suas costas. Aproveitando-se da mesma tira usada por esta para se prender ao tórax, uma pequena bolsa branca apoia-se na lateral do seu corpo.

“Claro”, respondo de maneira seca. Você é amigável demais comigo, somos apenas colegas de trabalho. Você tem sido muito útil no meu desenvolvimento, mas não preciso agir desta forma aí por causa disso, não quero me sentir tão dependente. Tenho que conseguir fazer a minha parte por conta própria hoje.

Apalpo a bolsa amarrada ao meu quadril, por baixo da cota de malha. Comprei tanto pó de crystallium quanto possível nesse pouco tempo, mas precisarei controlar bem o seu uso.

“Então, pessoal, o que fazemos?”, pergunta Damien, descansando no chão a ponta do seu enorme machado de duas mãos. Irmão de Marie, suas feições são meio parecidas e possuem a mesma pigmentação de cabelos e olhos. Ele veste uma armadura semelhante à de Roger, com elmo e placas de aço, porém mais extravagantes, com decorações entalhadas nas extremidades.

“Para mim, está claro que o ataque veio daqui”, digo. “Essa caverna atrás do monstro é enorme, devem haver outros iguais a ele lá dentro. Alguns desses seriam suficientes para destruir Jiodagiu daquela forma, e ela fica a bem pouca distância daqui.”

“Como ninguém viu esse lugar antes?”, Roger pergunta. “Não é possível que essa caverna e esses monstros tenham aparecido aqui de repente.”

Dou de ombros. “Não duvido de nada. Só entrando lá para descobrirmos a verdade.”

Damien levanta o machado com as duas mãos e o aponta para frente. “Vamos lá?”

“Não tenho certeza do que aquela cabeça é capaz”, diz Lucca, “mas acho que podemos tentar a estratégia de sempre contra criaturas gigantes, certo?”.

Marie observa o monstro atentamente e dá um suspiro. “Flechas provavelmente não fariam muito efeito naquele corpo de cavalo, mas a cabeça de cobra parece ser um bom alvo.”

Lucca levanta o arco acima da sua cabeça. “Vamos!”

Conforme nos aproximamos, confirmo que o monstro está ciente de nós: a cabeça abre a boca, expondo os dentes e a língua, e sibila. As patas dianteiras se erguem e batem no chão com força. Os braços preparam o machado para um golpe.

Quando estamos a aproximadamente uns cinquenta metros, Marie se prepara para disparar o primeiro dardo. Como essa aberração irá reagir? Será que é um alvo fácil de se matar? Se ela tiver algo a ver com Efebek, dado o gosto que ele tem por monstros e como escolheu a cobra como seu símbolo, isso não será nada fácil. Seja como for, preciso descobrir os segredos que se escondem nessa caverna, certamente há algo a ser aprendido aí.

Me surpreendo quando a cobra se abaixa rapidamente para desviar do dardo, pois com aquele pescoço enorme, ela consegue fazer movimentos longos e rápidos. Em retaliação, o corpo de cavalo dispara em nossa direção.

Aponto a lança em sua direção e grito: “Bola de Fogo!”. Absolutamente nada acontece. Mas que merda, minha magia continua sem funcionar! Coloco uma mão na bolsa ao meu lado. Terei que usar o pó antes mesmo de entrar na caverna? Como eu odeio depender disso!

“Damien!”, Roger exclama. “Eu vou encontrar ele de frente e você corre pelo lado. Marie, me dê um reforço de defesa.”

Marie ergue a mão esquerda e diz: “Proteção!”, disparando uma bola de luz em Roger, cujo corpo inteiramente passa a brilhar com uma luz fraca.

Ele corre adiante, com o escudo erguido, enquanto Damien abre uma distância pela direita e faz um caminho em parábola até a criatura, tentando flanqueá-la.

A aberração rapidamente se aproxima de Roger e tenta atropelá-lo, o qual se apoia em um joelho, deixa a espada de lado e ergue o escudo com as duas mãos para se proteger. Os cascos se encontram com o escudo e, por alguns décimos de segundo, os dois parecem imóveis, antes de Roger conseguir empurrá-los para frente graças à magia de Marie, fazendo as patas se erguerem e balançarem no ar para manter o equilíbrio. Mesmo nessa situação, a cabeça consegue desviar de uma flecha.

Nesse momento, Damien corre até o flanco do monstro, erguendo o machado para o alto para lhe desferir um golpe, mas acaba se deparando com uma grande agilidade do monstro que, aproveitando-se do impulso de voltar ao chão, brande o seu machado com muita força, indo de encontro ao de Damien.

Os dois machados fazem um baque muito forte quando as hastes se encontram e os dois lutadores são travados em uma tentativa de sobrepor a força um do outro, com Damien dando sinais de que perderá a disputa em breve.

Enquanto o monstro está ocupado, Roger aproveita a oportunidade para soltar o escudo, pegar a espada com as duas mãos e enfiá-la com toda a sua força no peito do cavalo.

Ele não parece dar qualquer sinal de que o golpe foi fatal. A cabeça de cobra se prepara e mergulha, engolindo metade do corpo de Roger e tentando esmagá-lo com seus dentes.

Nesse momento, uma flecha de Lucca desponta do centro da cabeça do monstro, seguida por um dardo de Marie e, pouco depois, outra flecha. Ele agoniza, sibilando de boca cheia, e demonstra estar perdendo as forças quando Damien consegue finalmente vencer o embate e enfiar o machado na lateral do cavalo, o qual cai no chão, derrubando também Roger.

Contornando a criatura, Damien desfere outro golpe no pescoço da abominação, decapitando-a. Lucca e Marie correm para remover Roger de dentro da boca dela.

Frustrado, caminho lentamente até eles, segurando a lança com força. Eu fui inútil! Inútil! Eu deveria ser o mais forte desse grupo, não o otário que não consegue sequer desferir um golpe! Essa lança é só uma arma secundária, eu não teria como causar grandes estragos num inimigo desse tamanho sem sofrer retaliação. Desgraça! Preciso da minha magia de volta!

“Todo Poderoso Pital!”, Marie exclama, passando a mão pelo peito de Roger, o qual geme de dor, deitado no chão, seu rosto coberto de saliva. “Os dentes conseguiram atravessar a armadura, mesmo com a minha magia!”

“Será que eles conseguiram perfurar os órgãos dele?”, Lucca pergunta com tom de preocupação.

“Acho que não chegaram tão fundo”, ela responde. “Mas, com certeza, o suficiente para injetar veneno. Preciso salvá-lo o quanto antes!” Posicionando as duas mãos em seu peito, ela diz: “Cura: Veneno!”. Uma luz que envolve o corpo dele, sua respiração se alivia e ele parece recuperar os sentidos, piscando e olhando ao redor.

Então esse bicho é poderoso assim? Muito interessante. Em um gesto inútil, enfio a minha lança na cabeça morta dele, apenas tentando realizar meu desejo de matá-lo. Um exército de criaturas formidáveis assim poderia destruir qualquer lugar que quisesse. Preciso descobrir de onde veio.

Com a ajuda de Damien, Roger levanta-se, mas contraindo o rosto de dor. “Ela pode ter tirado o veneno”, digo, “mas é melhor curar os furos também ou eles ficarão doendo”.

Ele faz uma careta. “Eu não queria que ela gastasse energia à toa.”

“Não tem problema”, ela intervém. “Eu trouxe crystallium suficiente para poder continuar usando magia.” Logo ela coloca as mãos no peito dele novamente.

Ótimo, seria burrice tentar seguir em frente com dor. Enquanto ela realiza o procedimento, eu me aproximo da caverna para observá-la: ela é grande o bastante para dois daqueles monstros passarem lado a lado, e com alguma folga de altura acima da cabeça. A borda exterior da caverna é feita de gesso, como um portal. Se esse lugar for uma formação natural, algum ser racional se apossou dele.

Surpreendo-me com o topo do portal, onde uma grande insígnia dentro de um círculo está entalhada no gesso, exibindo duas serpentes cujos corpos se entrelaçam e as cabeças despontam para lados opostos.

Passo a mão pelo rosto, confuso. Será uma coincidência? O símbolo das cobras geralmente é associado ao deus da destruição, mas essa posição delas... Que estranho. Elas estão posicionadas exatamente da mesma forma que as setas da insígnia de Kahlum, a torre onde treinei magia. Seria esse lugar o trabalho de um mago? Seria desagradável encontrar um de meus antigos colegas por trás disso tudo.

“O que você encontrou aí?”, Damien pergunta atrás de mim.

Viro-me para encontrar o grupo todo parado ali. “Isso não é um mero ninho de monstros. Tem algum mago envolvido ou o próprio Efebek.”

“E o que você sugere que façamos quanto a isso?”, Lucca pergunta, coçando o queixo.

“Não há o que se fazer senão entrarmos, não é mesmo?” Dou de ombros. “Só tenham bastante cautela.”

Caminhando pela galeria, é possível ver uma luz crescendo à nossa frente, até que chegamos a um grande salão vazio e com uma iluminação fraca que não parece vir de nenhum lugar específico. Deve ser magia.

“Esse salão é suspeito”, Roger diz. “Devíamos ter feito isso antes, mas um dos dois pode tentar detectar magia, por favor?”

Coloco a mão na bolsa, pensativo, mas Marie logo se propõe a fazê-lo: “Detectar Magia!”.

Um orbe de luz se forma ao redor de seu corpo e se expande rapidamente, englobando todo o salão e desaparecendo em seguida.

Ela franze a testa. “Só consigo identificar que a luz ambiente é mágica, mas... Não sei. Esse lugar me dá uma sensação estranha, porém, não consigo identificar o porquê.”

Continuo com a mão na bolsa. Seria melhor eu tentar também para ver se encontro algo a mais? Antes de ter uma resposta, o grupo já está andando lentamente em frente, preparado para um ataque de qualquer direção.

Terei que ceder, caso contrário estamos nos arriscando desnecessariamente. Abro a bolsa e pego um punhado de pó. Porém, nesse momento, um tremor atinge toda a caverna, deixando todos assustados e procurando possíveis inimigos.

No entanto, nenhum preparo mental poderia nos deixar absorver facilmente o que acontece ao nosso redor. Como se expelidos do chão, diversos monstros como aquele aparecem ao redor de todo o salão, nos cercando. Sinto um grande aperto no peito e o suor frio escorrendo pela minha testa. Não tenho frieza o bastante para contar quantos são, mas faço uma estimativa rasa de que sejam uns trinta.

Marie grita: “Senhor Pai Pital, nos proteja!”, tremendo e em prantos.

Roger parece ter parado de respirar, em choque, e Lucca olha desesperada para todas as direções, como se tentando encontrar alguma saída. Damien, no entanto, é o mais estranho: ele olha para trás de mim, em direção à entrada, de boca aberta e paralisado.

Engolindo em seco, viro-me para ver o que há de tão terrível lá atrás. Além das criaturas, não há... Nada. Nada? Exatamente, nem mesmo a galeria por onde entramos! Como isso é possível?! Teria alguém usado uma magia de ilusão para esconder a saída? A outra hipótese é muito pior: o mago consegue manipular a própria estrutura da caverna. Mas isso seria loucura, eu nunca ouvi falar em uma magia tão poderosa assim! Eu deveria estar extremamente feliz em encontrar essa possibilidade, mas o temor pela minha vida está falando muito mais alto.

Em uma cacofonia, os monstros desordenadamente sibilam, batem os cascos no chão e brandem os machados.

Sem saber direito o que estou fazendo, levo a mão até a boca e engulo o pó o mais rápido possível. Em poucos instantes, sinto a energia fluindo pelo meu corpo, dos pés até a cabeça, como uma onda refrescante.

Se aquela parede não for uma ilusão, teremos perdido tempo precioso em ir até ela. Só nos resta correr até o outro lado, onde avisto outra saída. Não temos como matar tantos monstros, só podemos fugir.

“Marie!”, eu grito, fazendo-a se virar para mim instintivamente, ainda em choque. “Use Escudo e me siga! Vocês também!”

Inicio o trajeto até a saída e vejo que todos vêm me acompanhando. Provavelmente eles não sabem o que estou planejando, mas não têm qualquer outra ideia do que fazer.

Erguendo uma mão para o alto, Marie diz: “Escudo!”, e logo o grupo todo é envolvido por um orbe de luz.

Fazendo um rápido gesto horizontal com a mão, digo: “Tempestade!”. Uma névoa se forma ao redor do orbe, a qual gera pequenas faíscas até finalmente se tornar um campo de raios que surgem e desaparecem.

Um dos monstros nos ataca pela frente com o machado, o qual fica preso no orbe de Escudo, mas ele continua exercendo força para tentar penetrá-lo. No entanto, logo um raio faz um enorme ruído ao atingi-lo e dispará-lo para trás.

Acelero o passo e eles me seguem. De todas as direções, cabeças de serpente tentam penetrar o orbe e são repelidas pelos raios antes que consigam atravessá-lo, bem como patas de cavalo e mais machados.

Faço um sinal com a mão. “Rápido! Nossa energia não vai durar muito tempo!”

Finalmente chegamos até a abertura da galeria e corremos por ela, com as criaturas na nossa cola. O campo de raios começa a enfraquecer e quase desaparecer, mas o orbe parece conseguir aguentar mais um pouco. Mesmo usando crystallium, minha energia não está durando quase nada.

A luz cresce à nossa frente, indicando a presença de outro salão como aquele. É só um palpite com pouco fundamento, mas preciso que esse plano dê certo. O orbe começa a se desfazer também, mas os raios os afastaram o bastante para que cheguemos sozinhos até o final dessa galeria.

Entrando no salão, começo a desacelerar o passo. Engolindo em seco, viro o rosto para trás e me deparo com... Isso! A entrada sumiu novamente! Minha boca se abre em um sorriso de alívio, o qual é percebido por meus companheiros, que também se viram.

“Ha!”, Roger diz, incrédulo. Lucca solta um suspiro e Marie ergue a balestra para o alto, em sinal de vitória.

“Não sei se fico feliz”, Damien diz. “Fugimos deles, mas estamos presos aqui.”

Isso é verdade. Agora nossos destinos dependem do que virá adiante. Ainda ofegante, volto-me para frente, observando o salão que eu tinha ignorado na correria. Ele parece idêntico ao anterior, talvez até exatamente do mesmo tamanho, e não vejo sinal de mais monstros gigantes. Porém, lá na frente, há uma silhueta preta, que parece estar se movendo em nossa direção.

“Pessoal, tem algo ali!”, eu os alerto.

Rapidamente, Roger e Damien se posicionam à minha frente, com armas preparadas. Lucca e Marie preparam-se para atirar assim que necessário.

A figura mostra ter uma forma humana, vestida com uma túnica negra. Ela carrega o que parece ser um cajado em uma mão, e uma coroa brilhante sobre a cabeça, cintilando com as cores de diferentes pedras preciosas. No entanto, seu rosto permanece invisível, como se algum feitiço impedisse que a luz o revelasse.

Essa vestimenta é de um daqueles patéticos magos de alguma corte real qualquer, mas a coroa poderia indicar que ele seja o líder de algum dos impérios de magos, como Pokiton. Eu não saberia reconhecer nenhum deles.

Abro a bolsa e engulo mais uma porção de pó. Pelo canto da visão, percebo que Marie faz o mesmo. Quanto estoque será que ela ainda tem?

“Quem é você?!”, Roger exige, apontando a espada adiante.

A figura para e, sem falar nada, faz uma reverência.

Sentindo-me mais calmo após conseguir fugir das bestas, minha curiosidade volta a ser atiçada. Seria esse maluco o mago por trás disso tudo? É difícil pensar em outra alternativa. Preciso saber quem ele é, como fez isso tudo e qual o propósito. Mas estaria ele disposto a dialogar? É possível que ele simplesmente ataque-nos a qualquer momento.

O homem aponta o cajado em nossa direção, e todos reagem com rapidez: Roger ergue o escudo, Damien segura o machado à sua frente com as duas mãos, uma flecha é disparada e uma camada de luz surge entre nós e ele quando Marie diz: “Barreira!”. Ótima escolha para bloquear magia.

Anuncio: “Pilar de fogo!”. Chamas surgem como um círculo ao redor dele, porém algo muito bizarro se segue: o homem é engolido pelo chão. A flecha atravessa o local onde ele se encontrava e atinge o chão, enquanto as chamas dão origem a um pilar cilíndrico de fogo que apenas queima o ar e ilumina o salão.

Lembrando-nos de como as bestas surgiram do chão anteriormente, formamos um círculo, uns de costas para os outros, para observarmos todo o salão. Ele pode sair de qualquer lugar do chão? Será que também das paredes ou do teto?

Movimento a cabeça e os olhos em todas as direções que posso, confiando que os outros também farão a sua parte. Com o desaparecimento do pilar de fogo, nossos únicos companheiros são o silêncio e a tensão.

Não encontro nenhum sinal do mago em qualquer lugar. Teria ele ido embora? Se ele tivesse surgido novamente, alguém o teria visto. A menos que... Giro o corpo e a cabeça para trás e observo meus companheiros procurando sinais dele pelo salão. Porém, no pequeno espaço entre nós, há uma cabeça com uma coroa e a metade de um cajado saindo do chão.

Rapidamente preparo a lança para perfurá-lo, mas um raio logo é disparado da ponta do cajado, sem ele pronunciar qualquer palavra mágica, atravessando o corpo de Damien de baixo para cima, saindo pela sua cabeça e indo até o teto.

Quando empurro a lança, a cabeça já foi engolida pelo chão de novo como se ele fosse água e eu atinjo apenas rocha dura, sem conseguir penetrá-la.

Com o seu desaparecimento, volto a atenção para Damien, cujo corpo está estirado no chão, em um estado terrível. Suas roupas se encontram destruídas, revelando a pele toda queimada por baixo. O feitiço foi tão poderoso que a entrada e a saída do raio parecem ter formado um túnel, como se ele tivesse sido atravessado por algo sólido, deixando um buraco na base das suas costas e outro saindo por cima do elmo, com as queimaduras se espalhando a partir dele. A morte foi instantânea.

Marie cai de joelhos no chão, incrédula, com os olhos arregalados e as mãos no rosto. “Não! Damien! Irmão!”

Parece que ninguém sabe ao certo como reagir. O mago pode surgir a qualquer momento para nos atacar novamente, não seria uma estupidez fingirmos que ele não é mais uma ameaça e focarmos em Damien?

Felizmente, Marie parece se dar conta disso. Com o rosto vermelho e tenso, tentando segurar as lágrimas, ela fica em pé e se posiciona. Formamos o círculo novamente, mas dessa vez colando as costas umas nas outras.

Além de procurá-lo pelo salão, também me lembro de olhar para baixo de mim, caso ele queira surgir parcialmente mais uma vez. O tempo passa, e não há mais qualquer sinal dele. Estaria ele esperando baixarmos a guarda? Ou ele realmente se foi?

Roger diz: “Moghal, eu e você ficamos de guarda, certo? Lucca, pode ajudar a Marie. Talvez ele tenha ido embora”.

Enquanto nós dois continuamos preparados para caso o mago apareça, Marie chora sobre o corpo enquanto Lucca a abraça. Ela foi forte em controlar suas emoções e agir racionalmente. Eu a teria achado uma idiota se ela tivesse esquecido do perigo e simplesmente se entregue aos prantos, mas ela não é assim.

Não sei ao certo o que sinto com a perda de Damien. Será que eu cheguei a considerá-lo um amigo? Talvez ele tenha sido apenas um companheiro importante na minha jornada para me tornar mais poderoso. Não significa que eu não possa reconhecer as suas qualidades: ele era um ótimo lutador, cumpriu o seu papel e salvou as vidas de todos nós diversas vezes. Damien era ambicioso e queria que seus grandes feitos como aventureiro fossem conhecidos por todos. É possível que eu venha a sentir falta de sua presença, parece que a vida será diferente sem ele, como se a forma que eu tenho vivido começasse a soar estranha.

Afinal, por que eu continuo me aventurando? Qual era meu objetivo quando eu embarquei nessa jornada? Ela parece ficar meio sem sentido agora que Damien se foi.

“Vamos ter que deixar o corpo dele aqui?”, Marie pergunta, triste.

“Bem, a saída desapareceu e não sabemos o que vem pela frente”, Lucca responde. “Não acho que teremos como carregar o corpo dele enquanto enfrentamos mais das desgraças oferecidas por essa caverna.”

“Poderíamos pelo menos enterrá-lo? Senão ele pode nunca ter outra vida!”

“Não tem como cavar essa rocha”, Roger diz. “A menos que Moghal use magia.”

Todos olham para mim. Droga, eu não queria gastar minha energia, que já está tão limitada.

Com o corpo enterrado sob a rocha e os ritos de passagem para a próxima vida realizados, Marie já secou suas lágrimas, mas está totalmente desanimada. Tenho certeza de que ela abandonaria a missão e iria embora se fosse possível, mas agora não há o que se fazer. Talvez ela ainda tenha um pouco de desejo de vingança, apesar de não ser muito de seu feitio.

Confirmando que não é apenas uma ilusão que bloqueou a entrada, só nos resta seguir em frente. Cavar um buraco do tamanho daquelas duas galerias iria requerer mais crystallium do que eu trouxe, sem contar que a rocha acima poderia desabar em nós. Observando o rosto dos meus companheiros, todos abalados pela morte de Damien, me dou conta de que sou o único ainda interessado em descobrir a verdade por trás dessa caverna, tomando a frente do grupo.

Caminhando pela próxima galeria, avisto que ela afunila até um corredor estreito, com uma leve iluminação nas paredes, sem acabar em outro salão. Quando chego na extremidade do corredor, percebo que há uma entrada para cada lado. Viro-me para eles e todos dão de ombros.

Não há uma escolha racional aqui, apenas palpite. Aleatoriamente escolho o caminho da direita e o seguimos até ele acabar e um novo se abrir à direita. Esse também termina em uma parede, com um caminho para cada lado.

“Acho que estamos num labirinto”, anuncio.

“Era só o que me faltava”, diz Lucca. “Qual é o problema dessa caverna maldita?”

“Eu só queria matar aquele mago desgraçado para irmos embora daqui”, Marie diz, com um suspiro.

“Não consigo entender o propósito desse lugar”, Roger comenta. “As entradas desaparecem para nos forçar a seguir adiante, mas para quê? Para ficarmos presos num labirinto até morrermos de fome? Não tem como sabermos o tamanho dessa merda.”

É realmente muito curioso, não consigo entender o plano daquele mago esquisito. Ele mandou as bestas destruírem uma cidade, mas depois se isolou aqui, talvez esperando que algum aventureiro viesse atrás delas para dar início a esse plano maluco. Como ele tem tanto poder? E o que era aquele símbolo na entrada? Preciso arrancar as respostas dele.

“Vamos ver se chegamos ao fim desse labirinto. Se ele parecer que nunca acaba, podemos tentar algo como destruir tudo e nos protegermos com magia.”

“Temos um plano”, Roger concorda.

Seguimos pelo caminho da esquerda e vejo que lá na frente ele também acaba, com uma entrada para cada lado. Enquanto avanço, de repente escuto um choro, que parece começar distante, mas vem se aproximando.

“Estão ouvindo isso?”, Lucca pergunta. “Ou eu estou ficando louca?”

“Eu também estou”, Marie afirma. “É um choro? Será que tem mais alguém perdido nesse labirinto?”

Enquanto penso no que pode estar acontecendo, o choro se torna mais alto e uma criança passa correndo da direita para a esquerda no final desse corredor. No pouco tempo visível, me pareceu que ele estava vestindo apenas trapos sujos e tinha uma coleira no pescoço. O cabelo comprido não me deixou ver o seu rosto.

“Uma criança?” Marie parece surpresa. “Como poderia ter uma criança aqui?”

Conheço muito bem o que significa a forma como ela estava vestida, pois um dia já fui assim também. “Uma escrava. Não faço ideia de como uma criança escrava poderia estar aqui dentro. Ou ela acompanhava um grupo de aventureiros ou é apenas mais um truque dessa caverna.”

“Acham melhor irmos atrás dela?”, Roger pondera.

“Pode ser uma armadilha”, digo. Porém, logo sorrio para eles e acrescento: “Mas não tem outra forma de descobrirmos o que está acontecendo aqui, não é?”.

“Há há.” Lucca acha engraçado. “Então apenas tomem cuidado.”

Tomamos o corredor da esquerda, caminhando com cuidado, até chegarmos em uma pequena sala. Observá-la faz um choque percorrer a minha espinha.

Há um bloco de pedra encostado na parede, que reconheço como uma cama para escravos. Sobre ela, está uma coleira acoplada a uma corrente de metal, com a outra ponta presa na parede. Alguns ratos caminham pela sala e comem de um prato no chão, que contém alguma gororoba podre.

No meio da sala, há duas correntes saindo do chão e duas do teto, usadas para prender os braços e as pernas do escravo para aplicar diversas torturas, como chibatadas, estupros e pinças quentes. Em um suporte de madeira na parede, encontram-se os equipamentos utilizados.

Ela é exatamente igual o lugar onde passei tanto tempo sofrendo quando criança, com o mesmo tamanho e o mesmo posicionamento dos objetos. Como isso é possível? Se não for apenas uma coincidência, esse mago conhece a minha história? Ou estaria ele lendo as minhas memórias para reconstruí-las aqui? Isso é insano.

“Um quarto de escravo?”, Marie pergunta.

“Certamente. Ele traz lembranças”, digo, estreitando os olhos.

“Você contou que foi escravo durante alguns anos”, Lucca diz, em tom amigável. “Mas nunca quis entrar em muitos detalhes sobre o assunto.”

“Bem...” Eu hesito. “Esse quarto é onde eu morava, tenho certeza que é exatamente o mesmo. Tenho marcas até hoje de todos os castigos que sofri preso por essas correntes.”

“O mesmo?” Roger se surpreende. “Mas como assim? Trouxeram o quarto para cá? Ou criaram um igual?”

“Eu acho que essa caverna é ainda mais doida do que pensávamos”, respondo. Pensativo, ando até o outro lado da sala, onde há a abertura para outro corredor. O que esse mago sabe sobre mim? Quem é esse maldito e o que ele quer? Seu objetivo é resgatar minhas lembranças desagradáveis?

O início da minha história. Quando minha vila foi saqueada, eu fui capturado como escravo, servindo aquele bando de desgraçados até um dia descobrir que conseguia usar magia. Dou um sorriso nos cantos da boca quando relembro daquele momento em que os fiz queimar vivos com o único feitiço que sabia usar. Aquele exato minuto em que pude experimentar o poder e a liberdade, chegando a me viciar neles. Como aquilo foi gratificante.

A voz de Marie interrompe meus pensamentos. “E como você se sente estando aqui?”

Viro-me e, escondendo essas recordações, digo: “Nada. É um período da minha vida que já superei”.

“Fico feliz.”

“Nem sinal da criança por aqui”, digo, mudando de assunto. “Seguimos em frente?” Certamente ela também era uma criação daquele mago.

O corredor se desdobra em outros corredores, fazemos diversas escolhas e curvas. Será que esse labirinto não tem fim? Nunca chegamos em um espaço sem saídas, elas parecem sempre surgir do nada, levando-nos a sabe-se lá onde.

Enquanto cogito a possibilidade de usar Perfuração, de repente escuto uma batida muito forte que parece vir de trás de mim, além de sentir uma sensação estranha nas pernas. Com a lança em mãos e escolhendo algum feitiço para usar, viro-me e encontro Marie e Roger em choque, girando para trás com um pulo, com as armas em mãos.

O que há atrás de nós é uma parede que não estava ali, como se houvéssemos chegado até aqui atravessando-a. Mas, espere, cadê Lucca? Ela ficou do outro lado da parede?

“Lucca? Você está aí?”, pergunto em voz alta.

Marie grita, em tom de desespero. O que foi isso? Percebo que ela está olhando para baixo, então sigo seu olhar e encontro uma poça de sangue sob nossos pés, nossas pernas com respingos de líquido vermelho, e um braço despontando da parede, segurando um arco. O quê? Não pode ser!

“Ah!” Roger também se assusta e começa a bater na parede. “Lucca! Lucca, me diga que você está do outro lado! Pelo amor de Pital!” Não há resposta, mas ele continua batendo.

Marie coloca as mãos no rosto, em prantos. “Não, a Lucca também não! Não!”

Nesse ritmo, esse mago vai acabar com todos nós. Sobrevivemos a tantas missões inacreditáveis juntos, enfrentamos tantos monstros que pareciam sair de lendas, para agora morrermos todos para um mero mago com uma coroa idiota?

Lucca. Ela agia como a mãe do grupo, sempre cuidando de todos. Não acho que eu tenha desenvolvido um grande afeto por ela, mas é realmente esquisito pensar que ela não está mais entre nós. Aprendi coisas importantes com Lucca sobre como sobreviver nas missões, caçar, preparar alimentos, cuidar de ferimentos sem magia. Com meus companheiros morrendo, ainda faz sentido levar essa vida de aventureiro? É curioso pensar no que tenho feito nos últimos anos. Parece que eu estive há um tempo sem refletir sobre o sentido da vida e apenas segui adiante sem pensar.

Falo: “Pessoal, precisamos sair daqui rápido! Marie, use Escudo para o caso de desmoronamento!”.

“Não conseguiremos nem fazer os rituais...”, ela comenta, triste, mas usa o feitiço.

“Perfuração!” Um buraco se abre na parede do corredor e cresce em ritmo constante, avançando mais fundo na rocha e ampliando sua circunferência até quase o tamanho de uma pessoa.

O túnel deixado pela magia parece chegar até outra sala como a anterior. Curvando-nos um pouco, corremos pelo túnel, com o Escudo impedindo que rochas caiam sobre nós.

Reconheço a sala, bem maior que a anterior. Com a insígnia das setas desenhada dentro de um grande círculo no chão, além de diversas velas em suportes nas paredes e várias cadeiras posicionadas ao redor do círculo, aqui é realizado o teste final da torre de Kahlum. Foi aqui que eu consegui derrotar meu mestre, Aster, e me tornar um mago de verdade.

O treinamento na torre foi muito importante. Lembro-me de como criei desprezo pelos demais magos, que buscavam apenas serem como todos os outros e se contentavam até em não conseguir derrotar Aster, desde que aprendessem o básico.

Eu queria mais, muito mais. O mundo da magia ainda tem muito a ser explorado, há tantas coisas que ainda não são conhecidas, e eu decidi me tornar um aventureiro para descobrir tudo que fosse possível, sem ficar preso à vida mundana de uma corte ou algo pior. Eu queria ser o maior mago de todos os tempos, mostrar o meu poder para nunca mais ter que me submeter a ninguém, nunca mais ter minha liberdade limitada como naqueles tempos de escravo.

Assim que saí vitorioso daqui, fui para Parno me tornar um aventureiro, onde conheci Roger e nosso grupo começou. Encontrei criaturas mágicas, novos tipos de feitiços, ruínas de civilizações perdidas... Minha vida realmente tem sido de crescimento constante. Consegui até desenvolver magias que não conheço mais ninguém que as usa.

Mas como esse mago sabe disso tudo? Ele me mostrou a cena da minha infância, agora a da minha juventude. Ele quer me fazer lembrar do meu passado? Mas com que propósito?

“Você também conhece essa sala?”, Roger pergunta atrás de mim.

“Sim. Aqui é realizado o teste final para os magos da torre de Kahlum”, respondo sem me virar.

“Será que você conhece esse mago? Aparentemente, ele sabe tudo sobre você.”

“Talvez. Eu realmente preciso descobrir o que está acontecendo aqui.”

Nesse momento, o orbe de luz ao nosso redor desaparece. “Minha energia acabou”, Marie nos conta, com pesar. “Também usei todo o pó que eu havia trazido. O que faremos agora?”

“Não poderei usar mais a Perfuração, pode ser arriscado. Teremos que caminhar pelo corredor e esperar que esse labirinto termine logo.” Há um corredor ao nosso lado, perto de onde entramos, e outro na outra extremidade da sala. “E temos que tomar cuidado com armadilhas como aquela.”

Caminhamos em formação de círculo, cada um cuidando de um lado, até o outro lado da sala, comigo à frente. De repente, parece que a temperatura do lugar subiu. O que é isso? Giro o corpo para trás e vejo pequenas brasas percorrendo a borda do círculo desenhado no chão.

“Pulem para fora do círculo, rápido!”, eu os aviso, estendendo o braço.

Eles demoram alguns momentos para me entender, mas logo agem. Marie consegue sair do círculo rapidamente, mas Roger está mais longe da borda. Preciso protegê-lo! As brasas dão origem a um enorme pilar de fogo, semelhante à magia que usei anteriormente, mas com um diâmetro muito maior.

“Água!”, eu anuncio, apontando a lança na direção de Roger, escondido pelas chamas. Porém, nada acontece. Maldição! A Perfuração consumiu toda a minha energia?! Eu deveria ter tomado cuidado e já usado mais crystallium! Será que ele vai sair vivo dessa?!

Fico na expectativa de que ele rapidamente atravesse a barreira de fogo apenas com algumas queimaduras, porém, não há sinal dele. O calor emitido pelas chamas é tão grande que eu e Marie andamos para trás para nos proteger.

“Roger! Não!” Marie está incrédula.

Engulo mais uma porção de pó e me preparo para lançar o feitiço, mas o pilar desaparece. No chão, próximo à borda, há um corpo todo preto, sem roupas, e com aço derretido formando uma poça vermelha de metal incandescente no chão. As chamas eram absurdamente intensas.

Marie tenta se aproximar dele, mas fica com medo de encostar no aço e se machucar. Lágrimas escorrem pelo seu rosto e ela as seca com a mão.

Roger, meu primeiro companheiro. Seria ele o mais próximo que eu tive de um amigo? É quem eu conheço há mais tempo. Ele nunca buscou conquistar glória ou reconhecimento, ele apenas tinha um desejo legítimo de ajudar as pessoas com o seu trabalho. A recompensa era apenas algo que ele precisava para sobreviver. Como teria sido a minha vida sem ele? Certamente não teria chegado até aqui. Mas o que é que eu faço daqui para frente? Sinto que eu estava seguindo uma vida dependente desse grupo, e que agora estou ficando sem motivos para continuar levando-a da mesma forma.

A situação está desesperadora, essa caverna é o lugar mais perigoso em que já estive. Podemos morrer a qualquer momento! Pego o braço de Marie, que ainda olha triste para o corpo de Roger, e ela vira-se para mim.

“Pelo amor de Pital, Marie! Precisamos correr! Essa caverna é perigosa demais, não podemos deixar que esse mago acabe conosco também!”

Ainda chorosa, ela confirma com a cabeça. Solto o braço dela e disparamos em direção ao corredor, o qual se torna um labirinto novamente. Sem noção de tempo, não tenho ideia de quantos minutos corremos por corredores e escolhemos caminhos a seguir.

Até que, finalmente, a passagem começa a se alargar e se tornar uma galeria novamente. Olho para trás e sorrio para Marie. “O labirinto acabou. Devemos estar no fim!”

Com um leve sorriso triste nos cantos da boca, ela concorda com a cabeça.

Há um clarão lá na frente que cresce conforme nos aproximamos. Chegando perto, vejo que é outro salão, mas menor que os outros dois. Na parede ao fundo, há um enorme símbolo das cobras entrelaçadas, e no centro do salão há um trono vermelho, com uma coroa no assento. É a mesma coroa que o mago estava usando.

Paramos de correr, ofegantes, ao adentrarmos o espaço. De repente, o mago é expelido do chão ao lado do trono, dessa vez sem a coroa, e ele se ajoelha, olhando para nós. O seu rosto também não está mais coberto por sombras, revelando um rosto sério, de feições afiadas.

Engulo em seco. Sou eu? Ele está usando uma ilusão para se parecer comigo?

“Bem-vindo ao trono da sua mente, mestre. Por favor, sente-se”, ele diz.

“Ele também tem a sua voz?!”, Marie diz, pasma.

Trono da minha mente? Mesma aparência e voz? Seria ele realmente eu? Mas nada disso faz sentido.

“Quem é você?!”, eu exijo.

“Eu sou o seu mais profundo desejo. Toda essa caverna é uma manifestação da sua mente que você inconscientemente projetou na realidade usando magia.”

Sinto-me tonto e sem ar. As peças começam a se encaixar de uma maneira totalmente inesperada. Claro que toda a caverna é um feitiço, mas eu era o mago por trás dela! É por isso que eu estou há dias sem energia para feitiços, essa magia insana está consumindo todas as minhas reservas.

Se isso é uma manifestação da minha mente, ela está repleta de significados. A passagem pelas salas do labirinto me trouxe recordações sobre quem eu realmente sou, parece até que estive adormecido nos últimos tempos, distante do meu próprio ser.

A insígnia das setas se refere a mim mesmo, mas a alteração com o símbolo de Efebek representa a minha afinidade com ele, meu desejo por destruição. Esse é o meu novo símbolo, a perfeita representação de meu ser.

Começo a andar na direção do trono, mas Marie segura o meu braço. “Você não está acreditando nele, né?!”

Ah, Marie. Minha última companheira. Respondo apenas com um sorriso, e ela me solta, de olhos arregalados.

Enquanto caminho, rapidamente tento interpretar essa caverna. O símbolo de Efebek e também as criaturas bizarras, todos o meu desejo por destruição, aquele despertado na minha infância, quando matei aqueles que me escravizaram. É óbvio que eu escolhi o caminho da magia destrutiva, ao contrário da protetiva de Marie.

O labirinto é tudo que eu escondia lá no fundo da minha mente. A minha história, sobre a qual eu contei pouco para os outros, e a qual eu mesmo estava esquecendo, estava perdida nesse lugar de difícil acesso. Com esse feitiço inacreditável, eu me encontrei comigo mesmo.

Aproximo-me do trono e pego a coroa. Eu devo ser um rei? Isso mesmo. O mago disse ser o meu mais profundo desejo, o qual obviamente é o de ser líder de todo o mundo, a conclusão final de todos os meus desejos. Nunca mais alguém terá mais poder que eu e irá limitar a minha liberdade. Como rei do mundo, eu estarei acima de tudo e de todos, livre para sempre.

Aprendendo a controlar essa magia extremamente poderosa, ninguém mais poderá me impedir. Aqueles magos patéticos que se contentam com estudos em uma torre nunca poderão chegar aos pés de alguém que viajou o mundo e criou sua própria magia. Exércitos de humanos não têm qualquer chance contra o meu exército de bestas.

Coloco a coroa na cabeça e me sento no trono. Marie está paralisada, boquiaberta.

Essa caverna me chamou até aqui com o ataque dos monstros a Jiodagiu, me forçou a ir cada vez mais fundo em minha mente ao fazer as entradas desaparecerem. Mas isso não é tudo: ela matou meus companheiros, um a um. Eu me apeguei a eles, o que me fez perder de vista o meu objetivo. Assistir a eles morrerem foi me libertando, me afastando dessa vida falsa dos últimos anos e me trazendo mais próximo a mim mesmo. Só restou uma.

Furiosa, ela aponta a balestra para mim. “Me diga que nada disso é verdade, Moghal!”

“Mas é a realidade, Marie. Essa caverna é toda minha, fui eu quem matei os nossos companheiros.”

“Por que você faria isso?!”

“Porque vocês foram bons até demais para mim. Vocês criaram amarras em um monstro, impedindo-o de exibir sua natureza.”

“Depois de todo esse tempo juntos, é isso que você tem a dizer sobre nós?! Tanto tempo viajando juntos e somos apenas isso para você, amarras em um monstro?!”

“Sim.”

E ainda há um pequeno cordão me impedindo de seguir em frente. Tento controlar o mago como se fosse uma magia qualquer, e ele obedece apontando o cajado para ela. Sem dizer nada, ele dispara um raio que atravessa o seu peito e ela cai no chão.

Eu estou livre. É hora de começar a conquistar meu trono de rei do mundo.