Ana Paula e suas covinhas Ok

Ana Paula

De repente, ao pegar o microfone, levantei os olhos para observar as pessoas presentes no auditório, então vi aqueles olhos me fitando, o mesmo olhar que me perseguiu por seis anos, estava ali. E eu parado e nervoso, tinha que falar, afinal era uma palestra. Afinal, dissertei durante duas horas sobre Teoria da comunicação, não sei como, as palavras jorraram límpidas e soltas, porque em mim, tudo era prisioneiro daquele olhar.

- Alberto, que prazer. - Ela disse com os olhos fixos em mim e as covinhas dançando no rosto moreno

-Ana Paula, há quanto tempo né?- Falei com traço de ironia.

- É. Muito, muito tempo. - Ela respondeu com um leve tom de deboche brilhando no olhar.

-Quando voltastes Ana Paula? -Perguntei de forma direta.

-Faz seis meses!- Ela Respondeu de forma tranquila.

-Nenhuma mensagem, carta, sinal de fumaça, já inventaram o telefone, redes sociais. Sabias? Falei meio brincando.

- Nunca te disse que nos falaríamos .- Dizendo isso, mudou de assunto rapidamente, Olhar e voz dela se modificaram em doce ironia.

-Alberto, quanto tempo ficas em Porto Alegre? - Perguntou-me séria.

-Uma semana, tenho quatro palestras em outras universidades.

-Ok, me deixa o fone do hotel. - E eu te ligo. Até.

Disse um até displicente. E doeu. Foi uma pontada aguda, vê-la sair na maior calma, como se fossemos somente velhos conhecidos que se encontram depois de algum tempo longe. Almocei com alguns colegas de oficio, discutimos jornalismo, até um dos colegas falou:

-Conheces Ana Paula? - Ele Disse.

-Sim, por quê? - Perguntei com curiosidade.

-Tu a conheces da onde? - Enruguei a testa e respondi.

- É uma velha conhecida, foi minha aluna, quando eu morei em Porto Alegre. E o assunto não morreu na minha cabeça. Ao chegar ao hotel perguntei se havia recados, ao que responderam.

- Sim. - Perguntei ansioso.

-Quem?- Falou o Rapaz.

- Sua esposa.- Ele falou.

Senti uma pontada de remorsos junto com aquela escuridão que desceu sobre mim ao ouvir a resposta. Deitei e fiquei recordando Ana Paula, continuei me atormentando por umas duas horas quando o interfone tocou, era a recepcionista dizendo que havia uma ligação. Só podia ser ela.

- Alberto, sou eu. - Sua voz era inconfundível meio rouco, talvez grave demais para uma mulher. Era Ana Paula.

-Está me ouvindo? Dizia uma voz rouca.

- Sim, fala Ana Paula. - Eu disse com calma.

-Que tal uma janta? - perguntou ela.

-Sim. Pode ser. - respondi.

Desligou tão rápido que não pude dar tchau. Sempre a mesma autoritária, querendo dar a última palavra.

As horas passaram rápido, quando me dei conta, já eram oito horas da noite. Ana Paula chegou com morenice destacada por um vestido vermelho e a boca no mesmo tom. Não lembrava da Ana Paula arrumada, mas sim das tirada irônicas, com sua inteligência que massacrava qualquer argumento não bem sustentado.

Fomos jantar no plazinha, ela pediu um coquetel de frutas sem álcool. Odiei. Eu a queria tonta, sem lógica e sem argumentos. Eu pedi vinho branco com peixe. Ela quis a mesma comida. Contou como gostava de dar aulas. Falou sobre o mestrado no Canadá. Disse que não faria doutorado por enquanto. Estava cansada, precisava de férias e tinha que tomar uma decisão importante.

Aquela última frase me deu esperanças, não me atrevi a perguntar, fiquei quieto. Doía menos. Eu olhava o contorno da sua boca, sem ouvir as palavras. Os olhos dela me entorpeciam junto com o vinho, se e ela dissesse um sim por mais confuso e ambíguo que fosse, eu aceitaria. Mas, ela não disse nada.

- Alberto, está me ouvindo?- Ela falou.

- Sim estou ouvindo.- Eu disse.

-Como sim? Te perguntei aonde vamos depois do jantar. Disse com o rosto sem covinhas

- Para o Embaixador, o hotel em que estou hospedado. - Arrisquei.

- Ok. Era a minha Ana Paula simples e objetiva, contudo, sem se entregar. Foi uma noite com a mesma magia entre nós. De manhã, eu fitava aquele rosto suavizado pelo sono e pensava, qual seria a importante decisão. Ela levantou, não tomou café.

- Te ligo! - Falo antes de sair.

-Quando? Só fico mais quatro dias.

-Eu sei. - Respondeu sem mudar um traço do rosto.

Saiu tranquilamente como se nunca tivesse entrado na minha vida. Me arrumei, dei duas palestras chatas. Voltei para o hotel e jantei sozinho. Vi um pouco de televisão e dormi embalado pelo sorriso de Ana Paula. Dormi até o meio dia. Acordei com um rosto de covinhas me dizendo.

- Acorda preguiçoso! - Vamos sair, não tenho aulas a tarde.

-Ai, meus Deus. - Só mais três dias.

Saímos, passeamos pela cidade, não me recordava da beleza de Porto Alegre, ou a cidade tornou-se bela porque Ana Paula estava ali. Ela falou novamente da sua decisão, disse que vivia muito sozinha. Queria uma vida normal com filhos. Afinal, já estava com trinta e dois anos. Não perguntei, jantamos no hotel e ficamos juntos à noite. Tive vontade de perguntar sobre seus namoros.

- Ana Paula, tens alguém fixo?

-Sim e não. - Respondeu ambígua

-Como assim?

-O que eu tenho é cama, corpo. - Falou com olhos brilhando.

Baixou os olhos e vi rapidamente uma dor estampada no rosto.

- Olha, quando nos conhecemos, era muito jovem . me apaixonei por ti, mas tu eras casado, com filhos pequenos. Depois ganhei a bolsa do doutorado fui embora durante seis anos. É claro, vários homens existiram na minha vida. - Ela disse tudo isso de forma leve, suave com uma brisa ou alguém que estamos perdendo aos poucos.

- Bastava uma palavra tua, e eu largava tudo. Por que não falaste nada.- disse de forma triste.

-E tu querias ouvir realmente? Ela disse com rancor.

- Mas.... Ela não me deixou terminar, mudou de assunto rapidamente me deixando com uma sensação oca.

Dormi muito bem. Sonhei com uma casa cheia de meninas morenas com covinhas. Acordei tarde. Ana Paula já havia saído, não deixou recado, me e desesperei era último dia em Porto Alegre . Deve ter passado umas duas horas, quando bateram na porta.

- Sim? O mensageiro do hotel estava parado na porta com pacote de rosas vermelhas e um envelope branco na mão.

- Deixaram para o senhor. - Disse o homem.

-Quem? Quando?

-Hoje cedo, uma moça morena de cabelos lisos, pediu que fosse entregue somente depois do meio dia.

Agradeci. Fechei a porta. Uma pontada no estomago me atingiu. Eu não queria abrir o envelope muito menos ler. Porém, a sanidade voltou e com ela a racionalidade. Larguei as rosas em cima da cama. Abri o envelope, nele havia um papel branco e uma letra que eu conhecia tão bem. Dizia: “Alberto, sonhos são feitos para serem sonhos, não me odeies, não creio que possamos ser felizes juntos. Parto hoje para o Canadá. Existe alguém me esperando”. Não conseguia raciocinar, mais uma vez ela me deixará. Só conseguia me lembrar do que dizia Rolland Barthes sobre o amor:

“Bem que eu gostaria de saber o que é o amor, mas estando do lado de dentro, eu o vejo em existência, não em essência. Excluído da lógica, não posso pretender pensar bem.”

20/10/2002-