Preview: Distante do Céu
Eles brigavam constantemente. Mas naquele momento, os ânimos estavam bastante exaltados. O rapaz pegou o capacete no sofá da sala e saiu pela porta da frente fazendo estardalhaço. Ela não se deu por vencida, veio atrás dele, gritando como uma louca. O jovem não parecia interessado, subiu na motocicleta e deu ignição, acelerou-a tentando silenciar os gritos da mãe, a mulher já chorava. Ela enfiou a mão no guidom e retirou a chave. O estapeou com força no rosto. Plaft! O som fez um eco seco no ar. O garoto ficou olhando para o horizonte. Ela pôs as mãos no rosto. Se sentiu envergonhada, os vizinhos a tudo assistiam pelas persianas das janelas.
— Se você se importasse só um pouquinho com seu futuro, não arriscaria a vida numa moto! — bradou ela.
— Eu não pedi pra nascer caso você não saiba — retrucou ele. — Eu não tenho culpa se eu sofri aborto paternal.
— Já conversamos sobre isso, seu pai não pôde ficar aqui...
— Não me importa! — disse ele furioso. — A senhora nunca fala dele, só diz que ele nos abandonou para nos proteger. Que tipo de pai abandona a família pra protegê-la, mãe? A senhora todos os dias dobra o joelho no chão chamando por Deus, aonde é que ele está que não vê o nosso sofrimento?
— Eu não sei mais o que fazer com você Arthuriel — disse alisando as têmporas. — Você sai com essa moto por aí, sem carteira de habilitação. Pode ser preso!
Ele continuou com o rosto virado. A mãe tomou o seu rosto nas mãos, o jovem rangia os dentes. Estava furioso.
— Nós precisamos de dinheiro, né mãe!?
— Mas não dessa forma garoto? — retrucou ela. — Você é mais importante do que a casa. Saía dessa vida de malocagem e arrume logo um emprego, se tornar alguém decente, quem sabe até estudar, não quero que você se torne alguém como...
— Como o papai? — perguntou ele com alguma esperança. — Porque a senhora nunca fala dele, hein mãe? Qual o mistério? Porque é que ele abandonou a gente?
— Eu... snif-snif. — Ela não conteve as lágrimas. Toda vez que tocavam nesse assunto, havia mais briga e choro do que respostas.
— Quer saber? Tô cansado disso, coroa. Cansado, ouviu!
A mulher pôs a mão na boca tentando parar a torrente de choro, caminhou apressada em direção à casa. O vizinho da porta da frente meneou a cabeça e disse:
— Não se sente envergonhado de fazer isso com sua mãe, Arthuriel?
— Vá se lascar, velho! — respondeu irritado.
Num movimento rápido, deu partida na moto e avançou deixando a mãe para trás. O garoto olhava a mulher em soluços pelo retrovisor. Os moradores desviaram quando ele passou velozmente. Era tido como o típico garoto problema na vizinhança. Sua mãe o definia muito bem: arrogante, egoísta e individualista. Por sua vez, o rapaz não se importava. Odiava a tudo e a todos. Se não fosse a exceção do amor que nutria àquela mulher, a seu modo, ele já teria dado o fora. Uma estranha sensação de piedade e necessidade de retribuição o prendia àquela casa minúscula num bairro pobre de sua cidade natal.
Só havia uma coisa que o fazia se sentir bem. Mesmo arriscando a vida, era uma maneira de levantar uma grana e aumentar a dose de adrenalina in natura. Arthuriel unia o útil ao agradável. Todas as noites, ele pegava a moto e ia para a Death Line. Era o mais perigoso racha de motos da região. Ele participava de todas as edições. O adolescente de 17 anos era um famoso corredor...
Continua
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