O Potro
Espanha, 1820
Ela estava sendo carregada pelos guardas, sem nenhum ato de consideração, penalização ou cuidado. Suas atitudes foram descobertas por conta de uma traição. Jamais pensara que seu amado pudesse revelá-la, confiara sua vida a Edgar e ele a traíra por mirradas moedas de ouro.
Suas mãos estavam presas, os guardas a jogaram na cela fazendo-a cair desajeitadamente, deixando suas pernas, grossas e lisas, à mostra por entre a abertura do vestido. Os guardas a levantaram e a prenderam nas correntes, por suas mãos e pernas. A mulher não tomara nenhuma atitude, ainda estava atônita por conta da traição. Naquele mesmo dia seria visitada pelo Inquisidor para ser interrogada.
Em sua casa rodeada por plantação de hibiscos, um pequeno grupo de mulheres estava reunido. Todas usavam uma capa azul-celeste com capuz e recheada por lantejoulas que a faziam brilhar de acordo com o foco da luz. Possuíam maquiagem escura nos olhos e batom preto, realçando a pele branca.
- Nós precisamos fazer alguma coisa para tirar a Geovana de lá.
- Por certo que sim, Carmem. Mas o que faremos? – disse nervosamente.
- Carol, não podemos perder a razão. Ficamos calmas e pensamos em algo. A Geovana é nossa líder, possuí feitiços desconhecidos a nós, ela irá saber aguentar as torturas e não esmorecerá.
- Tens razão Carmem. Manteremos a calma.
- Ei... Vocês estão me ouvindo? – gritava um homem ao longe. – Me tirem daqui, por favor.
O barulho de correntes era ouvido por toda a sala. O guincho de ferro enferrujado sendo movimentado entrava em contraste com os gritos do homem que não cessavam.
- Se eu for aí acabo com o serviço subitamente, traidor! – disse Carmem.
- Por favor! – gritara o homem. – Por favor, me tirem daqui. Eu estou com fome, com sede, meu corpo dói por inteiro.
- E o que acha que Geovana está sentindo naquele calabouço? Imprestável. – tornou Carol.
- Meninas, esqueçam-se do traidor. Vamos nos concentrar para ajudar Geovana.
- Tens razão Diva. Geovana é nossa prioridade. – respondeu a última moça.
- Porque está tão calada, Eliza?
- Penso que ela não terá chances. O potro irá destruir seu corpo. Mesmo com toda a magia que possuí, com o corpo em frangalhos, ela não terá energia suficiente para usar sua magia. – respondeu Eliza docemente.
- Eu já sei o que fazer. – disse Carmem.
As mulheres se juntaram para uma confabulação particular.
Geovana estava desacorçoada, com a cabeça baixa e olhos longínquos. Nem notou a aproximação do Inquisidor D’Ávila, o Temível. O homem se aproximou da mulher e com uma pequena tigela cheia investiu toda a água no rosto de Geovana, fazendo-a despertar assustada dos seus devaneios.
- Pensando em seus pecados? – questionou intragável.
- Pensando em como devo matar o homem que me traíra, e todos os outros que me tocarem. – respondeu firmemente.
O rosto de Geovana foi jogado para o lado quando recebeu um golpe bruto.
- Ousa realizar ameaças, bruxa? – o Inquisidor D’Ávila cuspiu no rosto de Geovana.
- Ouso defender-me. – outro golpe sofrera.
- Confesse seus pecados e a sentença será mais branda. – disse rigidamente.
- Não há o que confessar. – foi a resposta.
- Prepare o potro! – gritou o Inquisidor dando as costas a Geovana.
Os guardas rapidamente prepararam o equipamento e buscaram Geovana na cela. A mulher deixou-se levar por todos os corredores subterrâneos do tribunal. Pararam quando chegaram num grande salão, mais parecia um anfiteatro, porém sem assentos e sem palco.
O potro estava preparado no centro. O cadafalso deu calafrios em Geovana, porém manteve-se firme e sorriu faceiramente. Os guardas colocaram uma argola no pescoço e um anel em cada pé de Geovana, ligando-os com oito cordas que passavam por furos do cadafalso. Aquilo aterrorizou a mulher, pensara que o cadafalso seria usado para a forca, desconhecia o que eles iriam fazer com ela naquelas condições.
O Inquisidor D’Ávila aparecera no salão. Seriamente a mirava com ódio. Os oito guardas pegaram cada um uma corda e posicionaram-se. O Inquisidor se aproximou, penetrou o olhar nos olhos de Geovana e sorriu ardilosamente com o canto da boca.
- Será que há algo a ser confessado agora? – sua voz era tão fria quanto seu coração.
- Talvez! – respondeu Geovana sorrindo.
- Ah! Vejo que mudou de ideia rapidamente. – considerou o Inquisidor. – Vamos lá, não se acanhe. Diga! Confesse.
Naquele momento, a íris dos olhos de Geovana alteraram-se, do natural verde-água tornara-se vermelho. O Inquisidor assustara-se e deu um passo para trás.
- Eu confesso senhor, que há alguns anos eu traí o Estado. Cometi barbáries com jovens ninfas durante noites e noites a fio. – disse Geovana cautelosamente.
O Inquisidor se assombrou com aquelas palavras, ficara suando frio e reajustou sua gola para melhorar a respiração. Os guardas estranharam as palavras.
- Eu confesso senhor, que desde o início de meu ofício eu tramo para destituir a Vossa Santidade e possuir seu lugar.
- Puxem! – gritou afobado o Inquisidor.
No mesmo momento os guardas puxaram as cordas, Geovana grunhiu de dor, as cordas penetraram seu corpo fazendo jorrar sangue. A dor era terrível e a mulher gemia estridente. Os guardas eram como estátuas, imóveis e parciais. Somente agiam ao comando do Inquisidor.
- Tem mais alguma confissão a ser feita? – questionou aprumando-se.
- Eu... Confesso senhor... – sua respiração estava ofegante. – Que roubos e tramóias são corriqueiros em minhas atitudes.
- Cale-se! – gritou o Inquisidor.
- Eu confesso senhor que minha maior heresia é possuir duas famílias sob meu comando. – falando alto.
- Puxem! – gritou o Inquisidor.
E os gritos estridentes de Geovana foram ouvidos e ecoados por todo o grande salão.
O Inquisidor estava afobado e os seus nervos saltavam da jugular. A bruxa estava bradando todos os seus pecados, suas heresias. Confirmara sua bruxaria, porém seu medo de seguir com a sentença passou a dominá-lo. O que faria se algum dos guardas revelasse o que estava ouvindo para os seus superiores? Não poderia permitir.
Geovana gritava ululantemente, sentia o penetrar cada vez mais profundo das cordas.
As bruxas em sua casa estavam afoitas. Arriscariam um contato por código genético. Os riscos de morte eram grandes, porém poderia dar a energia que Geovana iria precisar para libertar-se.
Fora desenhado uma grande estrela de cinco pontas no chão, os riscos estavam uniformes, haja vista o nervosismo das mulheres, o desenho parecia uma estrela do mar, cada mulher posicionou em uma ponta e deram as mãos. Colocaram um vestido de Geovana no centro do desenho. Elas baixaram a cabeça, o brilho das lantejoulas brincava com a luz das lamparinas, criando um ambiente místico agradável.
- Robore! Dignitatem nostram opprimere! – disse Carmem.
Imediatamente os riscos do desenho ganharam brilho. O mesmo desenho parecido com uma estrela do mar brilhou no busto de Geovana, acima dos seios. O Inquisidor D’Ávila deu dois passos para trás temeroso do que iria acontecer.
- Puxem! – gritou.
O berro angustiante de Geovana foi sentido pelas bruxas em sua casa, fazendo-as balbuciar dor. A bruxa sentiu as cordas chegarem a seus ossos, estava tremendo, sentia-se fraca, balançou a cabeça lentamente.
- Robore! Et imperium industria! Nos convertere potestatem excellentiae! – disse Carmem.
- Nos convertere potestatem excellentiae! – repetiram as outras.
Ondas de calor emanaram do corpo das mulheres que caíram de joelhos, porém não soltaram suas mãos. As ondas de calor passaram a dominar o corpo de Geovana. O Inquisidor se ajoelhou amedrontado, com os olhos esbugalhados notava a energia e o poder dominando o corpo da bruxa. Os guardas mantinham-se imóveis e calados.
O brilho no busto de Geovana se intensificava em cada membro dominado pelo poder recebido. As cordas foram cedendo como se tivessem sido cortadas, serpenteando no ar arremessavam os guardas para longe, mortos. Quando a última corda cessou e o guarda fora arremessado, a argola e os anéis dissiparam. O brilho no busto de Geovana intensificou e alcançou todo o limite do salão, o Inquisidor cerrou os olhos e baixou sua cabeça.
O brilho fora sugado pelo corpo de Geovana, penetrando no busto e tomando o seu corpo, as marcas das cordas foram sumindo e todo o seu belo e suntuoso corpo voltara ao normal. As mulheres em sua casa desmaiaram, o brilho do chão se apagou. Seus cabelos estavam esvoaçantes e Geovana sentiu todo o poder dominá-la.
A mulher caminhou até o Inquisidor.
- Há alguma coisa a ser confessada? Senhor. – questionou com escárnio.
- Maldita sejas tu e toda sua prole. – disse com astúcia.
Geovana investiu sua mão para o Inquisidor e o homem fora consumido pelo fogo, urrando de dor. Desesperado tentou segurá-la, porém Geovana deu uns passos para trás e o fogo aumentou, as cinzas voaram ao vento. A bruxa deu as costas, levantou as mãos e o teto cedeu.
- Agora me acertarei com Edgar! - Geovana sorriu e voou pelo espaço, livremente.
Agradeço imensamente a Carmem Lucia pelo desafio com as palavras Hibisco, Lantejoulas e Estrela do Mar.