Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 30: Técnicas Samurai: Michijutsu, os Caminhos Elementais
Antes de iniciar a terceira e última fase dos treinamentos, os gakusho ainda tiveram aulas sobre outras duas técnicas de combate com armas, o Jojutsu, arte de luta com bastões, e o Yabujutsu, técnica de combate com armas de longa distância, desde punhais até pedras.
Orinsuke não se familiarizou muito bem com essas técnicas diferentes, utilizando armas que ele imaginava que os samurais não usavam, o que foi uma surpresa. Por sua vez, Shimitsu se sentiu bastante a vontade com os bastões. Percebeu que a leveza, o balanço e o amplo leque de movimentos que o bastão Bo, esse era o nome específico da arma, fornecia calhava bem com seu estilo aberto de luta.
Mas ao final do dia o sensei Azura levou todos para o bosque dentro de Jinkai, pois ali realizariam uma atividade a que ele chamou de “primeiro contato”, onde os gakusho, num exercício de concentração, meditação, tentariam fazer contato com o “Elemento Guia”, ou seja, o aspecto da natureza a que seus espíritos, através do seu chi, estariam ligados.
A partir desse primeiro momento, começariam a treinar a nova e mais poderosa técnica samurai, chamada Michijutsu, os Caminhos Elementais. Desse modo, descobririam maneiras de manipular seu elemento guia na forma de técnicas pessoais, com um leque grande de variações.
Azura-sensei explicou que, em linhas gerais, a natureza e tudo que existe é formado por seis elementos básicos, fonte geratriz dos caminhos elementais estudados pelas gerações de samurais: luz (Hikari), sombras (Kage), fogo (Kaji), água (Mizu), terra (Tsuchi) e vento (Kaze). E de acordo com o que está escrito nos Pergaminhos do Conhecimento, toda criatura possui pontos de ligação com esses elementos, uns mais e outros menos.
Existe o que seria um sétimo caminho, embora muitos não o vejam dessa forma, chamado Soma, o Caminho do Corpo, utilizado por aqueles que possuem afinidade com a energia interior, o Chi. Usuários desse caminho são capazes de grandes façanhas físicas.
A Michijutsu, criada pelo venerável Ermitão Peregrino, Senin Sidara, é justamente a técnica que permite ao usuário a percepção e a manipulação de um dos elementos, geralmente daquele que tem mais afinidade. Alguns samurais podem até manipular mais de um elemento, mas isso requer mais disciplina e estudos avançados.
Foram necessários dois dias inteiros para que os primeiros alunos começassem a sentir seu elemento se manifestar, ainda que de forma sutil. Nesse momento todos ficaram sabendo a respeito do poder de Orinsuke, algo totalmente diferente dos elementos tradicionais.
- Dizem as lendas que o grande sábio Senin Sidara tinha o poder de manipular todos os caminhos elementais, inclusive de uni-los, criando novas formas de manifestação. Seus sete principais discípulos foram os primeiros usuários desses novos caminhos e transmitiram seus conhecimentos para os descendentes. E um desses raros caminhos elementais, que muitos imaginavam estar extinto para sempre, é o Hayashi, o Caminho da Floresta. Por graça dos grandes Kami, nós do clã Wanabi tivemos a honra de encontrar seu usuário em nosso território. Somos agraciados por isso.
Azura tinha reunido a turma num círculo e todos estavam surpresos com sua revelação a respeito da habilidade de Orinsuke e de sua importância na história dos samurais. Uma mistura de alegria, inveja e raiva perpassou seus corações. Mas no geral, todos estavam ansiosos em saber do que seu amigo seria capaz de fazer de agora em diante, qual seria a extensão do poder do Hayashi.
Diante do que ouviu e dos olhares dos companheiros, Orinsuke ficou sem reação, tomado por uma pressão em seu coração, sentindo-se uma espécie de atração bizarra diante de todos. De repente uma enorme expectativa recaiu sobre si. Olhou na direção de Yume e a colega de Kimoto estava sorrindo, parecendo contente por ele. Ao contrário de Takeda, que estava com cara de poucos amigos.
“Então quer dizer que o idiota do camponês tem a droga de uma habilidade especial? Como os Kami poderiam escolher alguém tão fraco para portar um poder raro? Quem sabe até os deuses podem errar” pensava Takeda enquanto encarava Orinsuke.
Percebendo o silêncio que se abateu sobre os alunos, Azura ordenou que todos voltassem imediatamente aos trabalhos de concentração, alertando que só conseguiriam desenvolver suas próprias técnicas se estabelecessem uma conexão mais profunda com seu elemento guia. Para isso era necessário que esvaziassem a mente e buscassem sentir a natureza em volta, cada lufada de vento, a terra embaixo dos seus pés, o ruído das águas, o calor do fogo, a luz do dia e a força dentro de seus corpos. Todo esse trabalho de ampla percepção era de fundamental importância para saber a que ponto seu chi seria atraído.
Essa sem dúvida foi a fase mais silenciosa do treinamento, com os gakusho empenhados em atividades de concentração que duravam várias horas ao dia, num exercício tenaz de paciência e disciplina. E assim se deu por longos três dias, mas no final todos foram recompensados com as primeiras manifestações de seus elementos.
A pequena chama flutuante que se desprendeu de uma fogueira, o vento rodopiando veloz em volta do corpo, a esfera de água que pousou suavemente na palma da mão, a terra que moldou-se em outra forma, o floco de luz que se intensificou e a vegetação que ganhou vida. Todo esse espetáculo sutil dos elementos em volta foi motivo de alegria para os gakusho, satisfeitos pela conquista.
A conexão com o elemento guia estava estabelecida, e a partir de agora poderiam dar início aos treinos mais intensos na busca pela manifestação pessoal de cada elemento na forma de uma técnica.
Dando continuidade ao treinamento intensivo de Orinsuke, Azura o levou para o bosque em Jinkai, no mesmo local onde antes o garoto havia manifestado seu poder de forma descontrolada. Parados de frente um para o outro, o sensei começou a dar as primeiras instruções. Orinsuke estava equipado com sua bokken presa à cintura.
- Muito bem, jovem gakusho, agora que já sabe a respeito do seu elemento guia, chegou a hora de aprender a usá-lo, dando-lhe foco, precisão e poder de ataque. Todo guerreiro samurai sabe que, independente da técnica usada, existem três posturas básicas dentro dos combates: o ataque, a defesa e a evasão. E na michijutsu não seria diferente. Vou demonstrar, me ataque o mais rápido que puder e não pare até me acertar.
Orinsuke saiu correndo na direção do sensei e desferiu um golpe com a espada de madeira, na intenção de atingi-lo no tórax num corte transversal. Mas o sensei fez um rápido movimento de mãos e evocou sua técnica.
- Tsuchi: Barreira de Duas Mãos!
Em resposta ao seu comendo, duas enormes mãos feitas de terra se ergueram do chão e bloquearam o golpe da espada. Obedecendo o sensei, Orinsuke deu a volta e continuou o ataque. Percebeu que o sensei tinha dado alguns passos para trás, aumentando a distância entre os dois. O gakusho saiu em disparada para alcançar o adversário, mas nem completou o segundo passo quando o sensei lançou outra técnica.
- Tsuchi: Ondas Tremulantes!
Orinsuke sentiu a terra sob seus pés tremer furiosamente, uma força sacudindo o solo num pequeno espaço e fazendo-o perder o equilíbrio, vindo a cair de costas. Logo em seguida a sombra do sensei o encobriu. O mesmo havia saltado em sua direção, aproveitando seu desequilíbrio, e usou uma terceira técnica, para espanto de Orinsuke.
- Kaji: Punho Flamejante!
Ao pobre gakusho só restou cobrir o rosto com os braços, na tentativa de evitar ser queimado pelo fogo que envolvia a mão e o braço do sensei. Mas, instantes antes de acertar Orinsuke, Azura dissipou sua técnica. Orinsuke sentiu o calor das chamas se extinguir e olhou para o sensei, que estava em pé encima dele com o punho direito exalando fumaça.
“Incrível, o sensei é usuário de dois caminhos elementais” pensou Orinsuke, impressionado com o que viu.
- Muito bem, gakusho, entendeu o que acabei de fazer com minhas técnicas? Que postura assumi na primeira?
- Defesa – respondeu prontamente Orinsuke.
- E na segunda?
- N..não sei ao certo. Foi um ataque?
- Eu utilizei uma evasão. Esse tipo de postura serve para atrapalhar, confundir, desnortear o oponente, dando tempo ao usuário para pensar em contra medidas. Neste caso aproveitei para me aproximar e desferir um ataque. Entendeu a importância de uma boa estratégia na utilização dessas posturas?
- Acho que sim, sensei – respondeu Orinsuke.
- Ótimo, pois treinará para usar o hayashi da mesma forma.