Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 28: Liberando a Raiva
O treino se arrastou por longas duas semanas. E no último dia da última semana de treino, Orinsuke já tinha ido ao chão cinco vezes no combate simulado com o sensei. Suado, sujo e escoriado, levantou-se devagar, segurando a bokken com as duas mãos trêmulas, e encarou o professor.
- Seus movimentos ainda estão muito previsíveis – disse, e sei exatamente o porquê – disse o sensei - Você não gosta de machucar as pessoas, Orinsuke. Mas se quiser realmente se tornar um samurai, deve saber que nem sempre podemos manter esse código pessoal. Todo samurai precisa em muitos momentos machucar, ferir e até matar se a sua sobrevivência e a de seus companheiros de clã estiver em jogo. E a raiva é de fundamental importância. Libere sua raiva e me ataque, vamos.
Depois de pensar nas palavras do sensei, Orinsuke correu em sua direção a atacou com várias investidas, mirando seus braços, pernas, tronco e cabeça. Azura, que lutava segurando sua espada de madeira com apenas uma das mãos, defendeu facilmente todos os golpes do gakusho e no fim estocou a ponta da bokken no peito do garoto, arremessando-o para trás.
- Libere sua raiva, garoto. No mundo samurai, sem raiva você morre facilmente. Se não se mostrar mais impiedoso que seus inimigos, morrerá no primeiro encontro e todo o seu esforço terá sido em vão. Agora, de novo, venha e tente me acertar com toda sua raiva. Foque-a sem se deixar cegar. Entende isso?
Orinsuke, ignorando as dolorosas bolhas nas palmas das mãos, desferiu uma nova sequência de golpes visando acertar o sensei. Mas Azura se mostrava impossível de ser alcançado. Seu domínio nos movimentos do kenjutsu era muito alto e novamente foi ao chão quando o sensei atingiu suas costas com a lateral da espada. Orinsuke saiu deslizando pelo solo, sua bokken escapou das mãos e rolou alguns metros adiante.
- Sem raiva, sem chance. De novo, venha, ou desista de ser um samurai.
Enquanto estava ainda caído, quase sem forças para continuar lutando e frustrado com o resultado de seu esforço, Orinsuke tentou se concentrar fechando os olhos. Como poderia liberar a raiva que o sensei falava? Não guardava esse tipo de sentimento por ninguém, e de fato nem gostava de sentir. Mas tentou retirar de algum canto na mente algo que pudesse fazê-lo sentir.
E de repente, como se girasse uma chave numa caixa escondida no fundo da mente, uma caixa que não sabia que existia, encontrou a raiva, o ressentimento, e o que saiu foi intenso.
Órfão, camponês, pobre, fraco, impotente. Tudo veio à tona ao mesmo tempo, trazendo lembranças antigas e esquecidas e outras que nem sabia que estavam lá, guardadas em sua mente e coração.
Orinsuke levantou-se e caminhou devagar até a espada. Virou-se para o sensei e sua expressão havia mudado.
“Muito bem, garoto. Parece que trouxe algo para a superfície. Será suficiente?” pensou sensei Azura, com um leve sorriso entre os lábios.
Com toda a nova energia que as lembranças haviam despertado, Orinsuke investiu mais uma vez contra o sensei, e desta vez a cada golpe soltava um grito de fúria, aumentando a potência das investidas.
Azura percebeu que Orinsuke realmente estava mais rápido e decidido, focado. A liberação da raiva havia gerado resultado e isso era bom. Sabia que no combate corpo a corpo o garoto nunca demonstrara grande competência, mas para que houvesse maior chance de sobrevivência no mundo samurai, ele precisaria deste sentimento, principalmente em relação ao que estava por vir.
Pela lateral, pela frente, girando para atacar por trás, de todas as formas Orinsuke tentou atingir Azura com sua espada, forçando o sensei a sair da postura de tranquilidade para uma mais atenta. Mas ainda assim continuava lutando com apenas uma das mãos, movimentando com firmeza sua bokken para aparar os golpes do aluno.
As bolhas nas mãos de Orinsuke estouraram e sangraram, meso assim ele não parou de desferir seus golpes. Suas forças logo acabariam, mas que assim fosse, cairia demonstrando seu valor para o sensei. E num único e decisivo movimento, percebeu uma brecha se abrir na defesa do oponente, ou talvez gerada de propósito, não importava, e aproveitou ao máximo.
Quando o sensei desferiu um contragolpe, tentando mais uma vez acertá-lo no tórax e jogá-lo longe, Orinsuke saltou rápido e girou, dando uma cambalhota para frente por cima do braço de Azura, e desferiu um golpe visando a cabeça do oponente.
Surpreso com o movimento inesperado do aluno, Azura girou rapidamente a espada para uma posição de bloqueio e aparou o golpe instantes antes de ser atingido em cheio. Ainda com o gakusho em pleno ar, Azura o atingiu com um soco no abdômen. Orinsuke perdeu o ar, largou a espada e voou para trás, caindo no chão alguns metros depois. Tentou levantar mas a dor não deixou, fazendo-o cuspir sangue no chão.
- Pelo jeito não será possível – disse o sensei, caminhando na direção do gakusho e jogando a bokken de uma mão para outra – Me diga, gakusho, eu estou perdendo meu tempo com você? Estou diante de um fracassado? - Azura gritou e saltou para cima de Orinsuke, sua sombra encobrindo o garoto.
Orinsuke arregalou os olhos, mas não de surpresa, e arqueou as sobrancelhas. Sentiu uma forte energia começar a tomar seu corpo e lembrou. Era a mesma energia que sentira quando viu o Sr. Onoke ferido nos braços de Kiha. Uma força, vinda do ambiente à sua volta, circulou pelo seu corpo, fazendo-o focar sua raiva num único ponto.
- Diga, garoto, perdeu a raiva? - gritou o sensei, já próximo o suficiente para acertar seu alvo com a espada de madeira.
- Nãããããooooo! - gritou Orinsuke de volta. E seu grito veio junto com a fúria da natureza em volta.
O que aconteceu logo em seguida deixou Azura com os olhos arregalados. Após o grito de Orinsuke, sua bokken espatifou em vários pedaços que se espalharam no ar e do chão brotou o que pareciam ser raízes. E como se fossem grossos cipós, voaram na direção do sensei e se enroscaram em seus braços e pernas, prendendo-o em pleno ar com grande força. Logo em seguida um grande galho de uma árvore próxima se desprendeu e saiu voando, se partindo até tomar a forma de um imenso dardo mortal. Mas, em vez de atingir seu alvo bem no meio, como parecia que aconteceria, passou pela lateral do seu corpo, rasgando um corte no rosto do sensei e cravando-se no solo.
- Muito….bem, Orinsuke. Liberou sua raiva e a controlou – disse o sensei, ainda preso e com o rosto suado e sangrando – Está pronto para a etapa seguinte.