O ESPELHO

O ESPELHO

POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE

Apolo era um jovem rapaz de 28 anos que se interessou pelo estudo do esoterismo. Para Apolo, a magia era a ciência das ciências – a maneira de manipular as forças sutis da natureza com um fim maior. Mas Apolo não havia ainda entendido que no universo da magia não há espaço para o curioso. O jovem rapaz ao ler um grimórium antigo sobre a confecção de um espelho mágico pôs na cabeça de fazer um para si. Seus estudos o havia avisado com muita propriedade que o espelho mágico só deve ser feito por alguém verdadeiramente iniciado nas ciências ocultas e que o espelho pode ser muito perigoso para curiosos.

- Mas Apolo, você vai fazer o ritual do espelho mesmo? Perguntou Márcio seu amigo inseparável.

- Vou sim basta eu reunir o material. Eu estou me sentido seguro e através do espelho eu poderei ver tudo que eu quiser.

- Mas tudo mesmo Apolo? E isso será bom?

- Já pensou Márcio, eu saberei com antecedência qualquer coisa que me aconteça. Terei esta vantagem em relação as demais pessoas do mundo. Nunca mais terei surpresas. Sem dizer do privilégio de saber tudo de todos é só querer.

- Mas rapaz, tem certeza que isso não vai dar problema?

- Que problema rapaz? É fazer tudo certinho e aproveitar as coisas.

- Mas você tem certeza mesmo que vai poder ver tudo isso?

- Por que não? Eu vou ajudar muita gente.

Márcio se deu por satisfeito e foi para casa e Apolo voltou a se debruçar nos grimóriuns. Apolo sabia de todos os riscos que corria. Mas o rapaz quando colocava uma coisa na cabeça não tirava mais. E ele estava completamente seguro que o seu aprendizado era bastante para construir um autêntico espelho mágico.

Apolo comprou um espelho de 7 palmos por palmo e meio. Pôs sobre uma base de metal consagrada na hora de Mercúrio. Escreveu com lápis hidracor as letras sagradas do tetragamaton na face do espelho. Depois ele fez o ritual de imantação do espelho que consistiu na evocação do raio saturniano. Depois Apolo cobriu o espelho com um manto branco e aguardou as velas se queimarem.

Na segunda feira, no horário da lua, Apolo tirou o pano do espelho e o olhou pela primeira vez. Era só um espelho riscado com letras hebraicas. Ele não viu nada. O espelho era, na verdade, apenas um espelho. “Devo aguardar mais tempo”. Disse o jovem bruxo consigo mesmo. Apolo esperou até a outra segunda quando ele fez o mesmo e nada. O espelho ainda era somente um espelho e nada mais. “É, pelo menos, eu não provoquei nenhum acidente. O espelho é um espelho, mas não é mágico, será? Vou aguardar mais um tempo”. Na outra segunda feira, a mesma coisa aconteceu e aí Apolo desistiu de vez do espelho, mas o deixou no local que era o seu Sanctum.

- Apolo, o espelho deu certo? Perguntou Márcio a seu Guru.

- Rapaz, até agora nada. O espelho num mostra nada.

- Mas, graças a Deus que não deu problema.

- É, Márcio eu sabia que se não desse certo, problema também não daria. Apolo prosseguiu sua vida e se esqueceu do espelho. Um ano se passou e Apolo nem lembrava mais de seu espelho mágico. Certo dia uma moça da Tapera foi a sua casa por ouvir falar que Apolo podia ajuda-la com seu cão. O animal da menina havia sumido e ninguém dava notícias dele. Apolo tentou se livrar da moça dizendo-lhe que não podia fazer nada, no entanto, Márcio havia dito a moça que ele tinha um espelho que sabia tudo. Quando a moça falou do espelho, Apolo se animou para dar uma olhada nele.

- Olhe, eu vou tentar, mas, não garanto muita coisa não.

- Num se preocupe não moço. Se não der certo, sem problema, o que conta é que o senhor tentou ajudar. Apolo foi com a moça até o quarto do espelho, o seu Sanctum. Acendeu uma vela e evocou as forças do espelho. Para a alegria da moça o espelho mostrou o cãozinho amarrado na casa 77 do conjunto Dantas I. O espelho brilhava quando ia dar um oráculo e depois se apagava e voltava ao normal. A moça se despediu e agradeceu a Apolo prometendo que nada ia falar a pessoas como ele pedira. Mas, a coisa não ficou assim e as pessoas de sua cidade ficaram sabendo do tal espelho.

A princípio Apolo se dedicava a ajudar as pessoas sempre pedindo a elas que nada contassem ao povo. O tempo passou e Apolo ficou conhecido como “O homem do espelho”. Muitas pessoas foram ajudadas e Apolo não se corrompia. O espelho mostrava tudo; as pessoas procuravam Apolo para as mais variadas questões e todas eram solucionadas.

- Apolo, eu acho você tolo.

- Por que Márcio?

- Você com um espelho desse e pobre que nem Jó.

- Rapaz, mas, o espelho não pode ser usado de forma egoística.

- Mas, Apolo, eu no seu lugar perguntava o que era que ia dar no bicho. Apolo não deu ouvidos a seu amigo e continuou discretamente a ajudar as pessoas.

Mas, certo dia à tarde, o espelho emitiu uma luz roxa. Toda vez que Apolo olhava o espelho a luz roxa aparecia e nada podia ser visto. Apolo não podia mais ajudar as pessoas, e isso lhe foi muito pesado. Apolo cobriu o espelho com um pano branco e se aquietou por uns tempos. Contudo, Apolo leu nos grimóriuns que os espelhos entram em recesso e passam muito tempo sem mostrar nada. Havia, no entanto, um procedimento que tornava o espelho mais forte. Este era a oferenda com três gotas de sangue na base de metal do espelho e evocar as forças da lua. Apolo não viu obstante algum no procedimento e o realizou numa segunda feira as novo horas da noite. Era noite de lua cheia. No outro dia, o espelho não tinha mais a luz roxa e no lugar dela havia uma porta. O espelho mostrava uma porta de madeira. Era um modelo antigo de porta e nela havia uma inscrição: “A estrada sem retorno”. Por dias o moço viu a porta no espelho e não sabia o que fazer. Foi no final do verão que Apolo riscou o pentagrama e pôs no seu centro o desenho da porta. As velas do pentagrama clareavam a sala de magia de Apolo onde ele realizava o ritual de banimento. Logo em seguida evocou os espíritos do espelho e os mandou mostrar lhe o passado, o presente e o futuro. Após o ritual Apolo caminha na direção do espelho e o mesmo se abre como uma porta e o moço estava dentro de uma sala sinistra.

Da sala sinistra que estava dentro do espelho Apolo podia ver seu Sanctum, mas também podia ver outras coisas, pois, a sala era cheia de outros espelhos. A sala sinistra era espaçosa. No meio dela havia uma cadeira de ouro bem no meio de um pentagrama riscado no chão com tinta vermelha. Apolo olhou em todas as direções; e em todos os cantos, os espelhos mostravam cenas que tratavam de diferentes aspectos da vida das pessoas. Em um canto ele viu dona Raimundo que faz bolo fazendo o seu bolinho; em outra, ele viu um casal namorando. Para onde o rapaz olhasse havia algo para ser visto. Havia momentos em que os espelhos como televisão se apagavam e ficavam quietos, nada podia ser visto. “Agora, eu vou ver tudo”. Disse Apolo a si mesmo. O tempo passou e Apolo via cenas de todos os tipos; e esse dom de ver começou a incomoda-lo. Apolo viu um assassinato no conjunto Padre Pedro, um estupro na Vagem dos Potes, um assalto na rodovia que vai para Itabaianinha. Apolo, de fato, agora, podia ver tudo. “Basta”. Disse Apolo tomando uma decisão. Tentou Apolo sair do espelho mas, o rapaz não via como. “Como é que vou sair daqui?” Marcio estava em seu quarto certo dia, Apolo tentou falar com ele, mas, era impossível. Apolo viu seu amigo chorar e pedi a Deus que ele aparecesse: “Onde anda meu amigo, espelho?” Fez isso muitas vezes o rapaz Márcio sem obter sucesso e Apolo via tudo sem poder fazer nada. “É, fui engolido pelo espelho” Disse Apolo finalmente.

Os dias se passaram. O rapaz estava com muita fome. Até aquele momento o rapaz não tinha comido nada. “Espelho eu preciso comer!” Disse Apolo olhando para os espelhos. Os mesmos mostravam comidas de diferentes tipos e isso aumentava ainda mais a fome do rapaz. Apolo preso no quarto sinistro cercado de espelhos nada podia fazer ou para sair ou para matar sua fome. O tempo é sempre implacável, lentamente, minuto a minuto Apolo foi devorado pela fome...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 04/01/2020
Código do texto: T6834030
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