Orinsuke e os Sete Trovões - Capítulo 22: Honra de ser quem é
“Nossa, pai, esse lugar é bem grande”
“Sim. Demorou um pouco para ficar pronto, mas agora já pode guardar mais produtos para venda”
“Com certeza dá para armazenar muita coisa aqui dentro. Vai conseguir vender tudo?”
“Aposto que sim. Até porque pretendo expandir os negócios para outras vilas do território, ajudando a alcançar mais pessoas com esses alimentos”
“Que legal, pai. Deve ser difícil lidar com negócios, mas você entende tanto, não é?”
“De fato não é fácil. Mas com o tempo você acostuma com os pesos, medidas, cálculos e números. Basta ter disciplina e vontade”
“Construir isso tudo deve ter custado muito dinheiro. Você sempre teve muito dinheiro, pai?”
“Não, nem sempre foi assim. Eu não conheci meus pais e vivi nas ruas um bom tempo. Passei até fome”
“Nossa, pai, nunca me disse isso”
“Não havia necessidade até agora. Mas se eu te falo é para saber que o passado é importante para relembrarmos os aprendizados, não para nos fixar nele. Devemos avançar com todas as nossas forças no caminho que a gente escolhe. Quero que você entenda uma coisa, meu filho, toda caminhada tem seus obstáculos, seus desafios, muitas vezes bem difíceis, mas esses obstáculos servem justamente para testar nossas forças, se realmente queremos chegar aos nossos objetivos. E não importa o tipo de obstáculo, ou que as pessoas não acreditem em você, mantenha-se firme no caminho que seu coração indicar. Não permita que ninguém te impeça de caminhar, nem mesmo eu, entendeu?”
“Sim, pai”
A lembrança de cinco anos atrás, da visita que fizera com o pai ao novo galpão de armazenamento e da conversa entre eles, veio à mente de Katsuromo enquanto se preparava para entrar no tatame. De fato seguiu a risca o conselho do pai para manter-se firme no caminho que escolhesse. Lembrou da surpresa do pai ao escolher o caminho da espada e se tornar um samurai.
O mundo dos negócios parecia fascinante no primeiro momento, mas seu coração lhe dizia outra coisa. Não poderia dar continuidade à função do pai se não sentia isso sinceramente. Vencida a resistência inicial, seu pai, como sempre, apoiou sua decisão.
Katsuromo agradeceu e prometeu que se esforçaria por colocar em prática seus ensinamentos, mantendo-se firme no caminho escolhido e enfrentando os obstáculos, os desafios e, principalmente, as pessoas que não acreditassem nele. Honraria ser quem é. Honraria sua origem.
Alimentando-se desses pensamentos de incentivo, Katsuromo subiu ao tatame e encarou seu oponente. Takeda representava a desconfiança e o preconceito que pessoas como ele recebia. Seu pai o alertara que os samurais eram ciosos de sua origem, seguindo tradições antigas de ancestralidade, e que nos últimos tempos a entrada de pessoas de fora das linhagens samurai desagradava muitos dos mais antigos. Desagrado esse que era passado para as gerações mais novas.
Portanto, pensou Katsuromo, se manteria firme no caminho que escolheu e enfrentaria os obstáculos necessários para alcançar seu objetivo, se tornar um samurai e defender o clã.
- Prontos? Agora lutem – ordenou o sensei Azura.
Takeda, que encarava o adversário como um predador encara sua presa, partiu logo para o ataque desferindo chutes e socos sem parar. Katsuromo se esforçou ao máximo para evitar a maioria dos golpes, mas a velocidade empregada por Takeda era grande demais para ele.
Não viu quando um chute lateral atravessou sua defesa e o acertou no rosto, sendo seguido por outro giratório que o derrubou no chão, fazendo-o cuspir sangue no tatame. Limpando a boca com as costas da mão, levantou-se e rapidamente teve que se esquivar de um novo chute.
Mas desta vez, empregando velocidade no contragolpe, conseguiu agarrar a perna de Takeda, tirar o apoio da outra e derrubá-lo com um golpe de mão aberto no peito.
Enfurecido, Takeda rolou para o lado e se levantou para recomeçar o ataque. Katsuromo percebeu que o grandalhão estava decidido a terminar a luta o mais rápido possível, numa demonstração clara de superioridade. Sabia que o taijutsu do ponente era melhor, mas estava decidido a cobrar caro pela derrota, fazê-lo perceber que o filho do comerciante também era digno de ser um guerreiro.
O rosto de Katsuromo ficou ainda mais machucado quando dois socos rápidos e uma cotovelada o atingiram, fazendo cambalear para trás e expelir mais sangue no chão. Mesmo se sentindo meio tonto, ainda conseguiu ver quando Takeda preparava um quarto golpe que, com certeza, finalizaria o combate.
“Não posso cair agora, não sem antes provar o que preciso” pensou Katsuromo, esforçando-se ao máximo para recobrar o equilíbrio e restabelecer a postura de defesa.
O soco de Takeda passou a poucos centímetros da cabeça do oponente. Katsuromo agachou-se no tempo certo, surpreendendo o adversário, e com toda sua força desferiu um poderoso golpe no abdômen do grandalhão, tirando-lhe o ar e fazendo-o cambalear para trás dois passos.
Aproveitando a brecha, Katsuromo saltou numa joelhada voadora que atingiu em cheio o rosto de Takeda, jogando sua cabeça para trás e esparramando seu sangue no tatame. A maioria da turma ficou surpresa com a possível reviravolta na luta. Takeda ainda não tinha recebido um dano daquela forma.
“Isso, Katsuromo, continue. Você pode vencê-lo” pensou Orinsuke, acreditando na possível vitória do amigo. Ao seu lado, uma pensativa Shimitsu acompanhava o combate com bastante atenção nessa hora.
Como que atendendo aos pensamentos de incentivo vindos de muitos da turma, Katsuromo continuou o ataque de forma furiosa. Aproveitando o desequilíbrio do oponente, desferiu mais três socos certeiros em seu rosto, balançando sua cabeça de um lado para o outro. Mais sangue foi espirrado do rosto de Takeda.
Sentindo que realmente poderia finalizar luta, Katsuromo resolveu dar seu melhor golpe, o chute frontal, na intenção de bater e empurrar o adversário para trás com o impacto. Mas Takeda não era considerado o gakusho mais forte à toa. Mesmo bastante machucado pelos golpes de Katsuromo, o mesmo ainda teve rapidez o suficiente para desviar e logo em seguida acertar um devastador soco de contragolpe no rosto do oponente.
Perplexos com o desfecho da luta, os demais alunos viram quando Katsuromo saiu deslizando até quase sair do tatame, um rastro de sangue o acompanhando. O garoto ficou tentando se erguer, mas não tinha forças para isso. Estava tudo acabado.
- Achou que podeira me vencer, comerciante? - gritou Takeda, com o rosto ensanguentado e um sorriso sinistro na boca – Sou muito mais forte e resistente do que você. Nunca será páreo para mim, de linhagem samurai.
- Declaro Takeda o vencedor desta luta – decretou o sensei.
Takeda já ia saindo do tatame quando foi surpreendido com a voz de Katsuromo.
- Takeda – gritou Katsuromo, que com toda a dificuldade conseguiu se colocar de pé – Não pense que força e linhagem o fazem superior a ninguém. Pois eu, Katsuromo, filho de comerciante, trilho o mesmo caminho que você, quer queria quer não. Sugiro que pare de querer criar obstáculos, pois no final, nossos punhos deverão estar unidos na defesa do clã Wanabi.
- Do que está falando, seu idiota? – perguntou Takeda.
- Estou dizendo que de agora em diante nem você nem suas palavras serão mais obstáculos para mim. Tenho honra de ser quem sou.