Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 21: Desistir Jamais?
Depois da luta, Orinsuke foi levado a enfermaria para os devidos cuidados. Recebeu curativos em todo o rosto, mas estava de bem consigo mesmo depois de ter dado o melhor de si. Mesmo com seu taijutsu tão deficiente, estava orgulhoso por ter resistido bravamente à surra que levou de Sarabi.
Mas ficou tenso quando parou para pensar em quem poderia enfrentar na segunda rodada do kumite, já que o natural seria os mais fortes seguirem adiante nas lutas. Se com Sarabi já tinha sido difícil vencer, imagine com alguém mais habilidoso, como Takeda ou Shimitsu. Sua sorte estava prestes a acabar, imaginou.
Assim que se sentiu mais recuperado, Orinsuke voltou ao dojo para acompanhar as demais lutas. Antes passou no quarto onde estava Sarabi para saber como ela estava e encontrou Shimitsu ajoelhada ao lado de sua cama.
- Olá, Shimitsu, como ela está? - Orinsuke viu que Sarabi dormia, com o rosto também coberto de ataduras, principalmente uma grande no meio da testa onde sua cabeçada a atingiu.
- Bem. Só precisava descansar. Aika-sensei resolveu aplicar erva do sono para ajudar na recuperação. Por falar nisso, acho que também deveria repousar não é? Seu rosto ainda está inchado.
- Ah, sim, ainda dói um pouquinho – Orinsuke passou a mão no rosto – Antes estava bem pior. A sensei Aika disse que me recupero rápido, por isso me liberou para acompanhar as próximas lutas.
- Pelo jeito você é cheio de truques na manga, como aquele golpe que realizou. Bem inesperado.
- Inesperado e desesperado, eu diria – falou Orinsuke, coçando a nuca – Se não fosse aquele movimento maluco, Sarabi teria acabado comigo. Ela é bem melhor lutadora do que eu.
- Isso é verdade. Mesmo assim foi um excelente golpe.
- Obrigado.
O próximo combate foi entre Takeda e Katsuromo. Os dois não se davam muto bem, pois, como Katsuromo era filho de um poderoso comerciante de Hikuran, era hostilizado por Takeda por não ser de linhagem samurai pura.
Katsuromo fazia o máximo para ignorar as piadas, mas era algo que o incomodava sempre, não importava o quanto discutisse com o grandalhão. Muitas vezes acabavam brigando a respeito da importância dos seus pais para a vila, para o clã.
Pensando em dar uma lição no idiota do Takeda, Katsuromo queria aproveitar o kumite para provar que um filho de comerciante também poderia se tornar um grande samurai, defensor do clã.
- Não ligue para aquele sem noção do Takeda – disse certa vez, conversando com Orinsuke – Meu pai sempre me falou que o tempo das linhagens puras já passou, numa época em que os clãs viviam em conflito, e que agora nesses tempos de paz surgiu a necessidade de recrutar mais pessoas.
- Meu pai adotivo é um honrado agricultor, mesmo com poucos recursos – falou Orinsuke – Sempre penso nele para me inspirar.
- Eu também penso assim do meu pai. Começou do nada e hoje tem grandes recursos. Se eles venceram enfrentando tantas dificuldades, nós também podemos seguir seus exemplos e alcançar nossos objetivos, não acha?
- Sim, é verdade.
As lutas seguintes, finalizando a primeira fase do kumite, foram entre Mamoru e Nanashi, Shimitsu e Asako, Takeda e Katsuromo. Na primeira delas, Mamoru, um dos garotos que costumavam implicar e fazer piadas com os demais, derrotou com certa facilidade sua oponente.
Mesmo demonstrando esforço na aplicação dos movimentos de taijutsu, Nanashi foi ao chão quando um golpe certeiro a atingiu na altura do estômago, fazendo-a cair de joelhos, sem ar, e depois deitar em posição fetal.
Já o segundo combate, entre Shimitsu e Asako, terminou de forma inusitada. Depois dos primeiros segundos de troca de socos e chutes, Shimitsu percebeu que facilmente conseguia evitar os golpes do oponente. Parecia que propositadamente Asako estava retardando seus movimentos, e isso a irritou. Era algum tipo de estratégia ou queria simplesmente brincar com ela? Na dúvida, resolveu entrar no espaço do adversário, agarrá-lo e derrubá-lo no chão.
Com o oponente caído, os dois se encararam por um momento e Shimitsu percebeu que Asako não a estava menosprezando, e sim que havia desistido de lutar. Seu punho fechado parou a poucos centímetros do rosto do garoto, logo depois dele ter lhe dirigido a palavra.
- Desisto.
- Por que fez isso? - perguntou Shimitsu, arqueando a sobrancelhas, tentando entender – Você evitou lutar pra valer o combate inteiro. Foi fácil encontrar uma brecha em sua defesa.
- Eu sei. Foi de propósito – respondeu Asako, com um sorriso. Parecia realmente despreocupado em ter tomado aquela decisão.
- Mas você lembra o que o sensei Azura nos disse. Samurais não desistem de um combate direto, isso seria demonstrar fraqueza. A desistência somente é permitida nas lutas-treino do kumite e mesmo assim em situações onde não se tenha mais forças para lutar.
- Cá para nós – Asako cochichou para Shimitsu – eu nunca dei muito crédito a esse tipo de fala. Se for para proteger vidas ou evitar machucar, ou ser machucado, por quem eu considero meus amigos e amigas, eu desisto quantas vezes forem necessárias.
Shimitsu ficou encarando o amigo por um tempo, refletindo nas palavras dele, até um braço surgiu entre eles. Sensei Azura agarrou Asako pelo quimono e o levantou do chão com força.
- Desistir de um combate sem tentar vencê-lo é uma atitude covarde, gakusho, indigna de um samurai de verdade. E também fere as regras deste kumite. Portanto, fique ali no canto e aguarde minha decisão sobre sua punição.
Azura arremessou Asako com força na direção do canto do dojo. O garoto saiu deslizando pelo chão até se chocar contra a parede. Todos os demais alunos ficaram observando a cena em silêncio. Quando o sensei estava irritado qualquer comentário poderia desencadear punições para a turma inteira.
Shimitsu continuou no centro do tatame olhando o corpo estirado de Asako no canto da sala. O garoto ergueu o rosto e a encarou de volta com o mesmo sorriso de antes.