PAPAI NOEL DE SUNGA [ENCONTROU DEUS NUMA PRAIA] – Um Conto de Natal

Ainda em outubro (mais precisamente no dia 13), Papai Noel estava sentado na cadeira de uma barraca de praia no Rio Vermelho, em Salvador.

- Eu não vou mais participar de CACETE nenhum! - Bradou dando um cuspe no chão.

Estava apenas de sunga e sua barba se misturava num branco acinzentado, com manchas de caipirinha de seriguela e caldo de lambreta. Não usava nada vermelho quando não era natal… nem mesmo em dia de Santa Bárbara... Apenas uma sunguinha asa delta azul-piscina e um óculos Ray-Ban com lentes espelhadas amarelas.

- Ráá! Chega desta meeeeerda! - Não dava pra ver, mas ele tinha lágrimas nos olhos... E o garçom se aproximou sem oferecer, mas já abrindo uma garrafa e pondo-a com firmeza na mesa.

Tentou dar um sorriso terno e seu nome era Mauro. Mauro tocava cavaquinho numa banda de pagode, “Os Tiozões” e já tinha 49 anos. Aos doze, desejara ser famoso pela primeira vez... Pensou em dizer alguma coisa como: “é… tá difícil pra todo mundo, meu amigo...”, mas alguma coisa o impediu. Vacilou um pouco, sentiu o sangue em seu rosto esquentar. Sentiu raiva de si mesmo e cuspiu na areia imitando o gesto do Bom Velhinho.

- Pra mim chega, também.

Papai Noel não se virou para olhá-lo. Deu um suspiro e fez um sinal com a mão pra que Mauro puxasse uma cadeira e se sentasse.

- Não tem copo pra tu.

- Tudo bem, eu não bebo. Posso tomar seu caldo?

- Toma...

A praia estava deserta e quase anoitecia. Alguns meninos passaram segurando uma bola de futebol... suados; indo ou voltando, tanto faz. Alguns riram de uma forma debochada e intimidadora. Outros dois fizeram gestos agressivos, como se estivessem ameaçando assaltá-los. Ninguém se importou… O que iam roubar?! Uma garrafa de cerveja mona? Um avental? Uma maldita sunga azul?

- As cordas quebraram, do meu cavaco. Se não eu tocava uma música pra você. Meu dente tá nascendo e ele resolveu doer JUSTAMENTE hoje! Eu não vou achar um dentista agora… vai ficar doendo…

- Você sabe quem sou eu? - Perguntou Noel.

- … Já matou alguém?

- Não!

- Então tá bom.

Nesse momento ia passando uma garota gorda e bem escura. Uma mistura da própria negritude com o sol em excesso. Ela vinha com uns espetinhos de camarão... Vinha assobiava uma canção da banda SPC e entre um passo e outro parava na areia e fazia coreografias. Papai Noel e Mauro se olharam e deram uma boa gargalhada. A risada de Noel foi alta e super característica, porém não levantou suspeitas… Ninguém pensava muito nele em outubro.

- Camarão? - Perguntou em volta alta.

- Deve tá ruim... né não DANI?! TÁ TARDE, JÁ!

- Meus camarões NUNCA ficam ruins, papito. Se está FRIO? Sim, está! Hihi…

- Vocês já se conhecem?

- Mais ou menos… Mais de vista!

- HO-HO-HO! PUXA UMA CADEIRA CABRITINHA!

Mauro se levantou e voltou com uma garrafa de cerveja, dois copos e uma latinha de refrigerante. Tinha também em mãos um pano com gelo que ele levou à bochecha. Estava nitidamente sentindo muita dor, mas tentou sorrir... Estavam tranquilos. O momento estava “pré-divertido”.

- Cansada dessa vida? - Perguntou o velho.

- Por hora... AMANHÃ, já não sei! Hihihi... - Dani respondeu com uma bicada no copo que parecia estar mal lavado.

Permaneceram ali por algum tempo. Pouco menos de uma hora. Pouco conversaram… O homem e a mulher por estarem exaustos e Papai Noel por estar tomando cuidado pra não se denunciar. Era m verdadeiro solitário durante quase todos os dias do ano, e ninguém se importava.

Um clarão se fez no céu…

Parecia a chegada de um drone com uma luz que oscilava entre azul e dourado e ia chegando cada vez mais perto. Ele ia descendo bem em cima dos três e até mesmo Papai Noel que era acostumado com magia, não sabia dizer o que era aquilo. A luz tomou uma velocidade jamais vista por ele e deu um verdadeiro salto para frente, pairando em cima da água do mar, ainda no raso... mas nem tão raso que se pudesse chegar correndo e tocá-la.

Os três: Papai Noel, O Garçom Mauro e a Vendedora de Espetinhos Dani; ficaram perplexos e alarmados e mal conseguiram se mexer observando a luz estranha que iluminava o mar, fazendo a tardinha se tornar uma espécia de manhã prateada. Eles tinham medo e deslumbre ao mesmo tempo. Muito mais deslumbre do que medo.

- … d...d… D… DEUS???!! - Perguntou Dani, gaguejando e com lágrimas descendo pelo rosto.

- (SERÁ? Nem lembro quantos anos eu tenho, mas ELE NUNCA apareceu pra mim…) - Se lamentou o velhinho, também emocionado...

Mauro soltou alguns grunhidos. Sua dor de dente não o deixou fazer comentários. Porém seus olhos eram azuis e com a luz que vinha do mar ele parecia um gato perdido num matagal.

De repente a luz diminuiu sua intensidade e tomou forma de uma criança, com uma roupa de bailarina. Todos os três amigos pudiam escutar um violino que parecia tomar conta de todo o ambiente, tocando a canção “Eleanor Rigby” dos Beatles. As lágrimas não paravam de descer e a maravilha acontecia em suas frentes... e eles se deram as mãos. De repente, afinal, a música chegou ao fim... tudo voltou ao normal e já eram sete horas da manhã.

- Haan… Vixe Nossa Senhora! Hihihi... - Fez Dani.

- Então… era DEUS mesmo, Seu Noel? - Perguntou Mauro, com dificuldade de falar.

- VOCÊ SABE QUE EU SOU O PAPAI NOEL?

- Tsc... DÁ PRA PERCEBER, VELHÔÔ… Era…? Ou não era?

- Não sei, meu filho, não sei. Acho que sim...

Continuaram por alguns minutos de mãos dadas até escutarem uma buzina e alguns gritos. Olharam pra trás e viram que a rua lá em cima já estava tomada de gente. Uma multidão de formigas andando pra lá e pra cá. Mal humorados, apressados, putos de vida com o pós-feriado... de ressaca e com os bolsos vazios. Dois garotos de cursinho particular, com mochila nas costas, parados na parte de trás de um ponto de ônibus lotado... apontavam pros três e riam, principalmente do Papai Noel (de sunga) enquanto acendiam alguma coisa que provavelmente NÃO ERA cigarro e bebiam alguma coisa numa garrafinha, que provavelmente NÃO ERA refrigerante.

- Tenho que ir... encontrar meu marido na peixaria. Pegar mais camarão.

- Tchau, Dani. - Resmungou Mauro, balançando os braços freneticamente. Ele parecia ter sentimentos confusos por aquela mulher.

- Vai num dentista, querido! - Ela disse, enquanto andava apressada.

Papai Noel olhou o chão se sentindo um pouco triste. Viu a marca do cuspe ainda na areia. Seria cuspe? Seria uma gota de caipirinha? Seria caldo de lambreta? Seria o suor santificado de uma bailarina... que talvez… ou provavelmente… fosse Deus?

Já de costas e numa boa distância, Mauro parou um pouco e respirou fundo, percebendo a tristeza do Papai Noel. “Por que me importar?”, pensou… “Ele nunca se importou...”. Respirou novamente e se virou.

- Ei, velhô! No Natal… você vêm?

- … eu venho… - Respondeu Papai Noel com um sorriso conformado e tentando não chorar.

- Posso pedir umas cordas…? Pro cavaco?

- Pode pedir um cavaco novo, meu filho, ho-ho-ho…!

Mauro sorriu, mesmo sentindo uma ferroada no fundo da boca.

- Te vejo de novo?

- 12 de outubro, mesmo horário!

- Ok!

Acenaram e partiram… Mauro apertou o passo. Era coisa de tomar um banho, engolir um ovo frito e voltar pra barraca… Mais um dia inteiro servindo mesas. Talvez “Os Tiozões”, com a graça de Deus, fizessem sucesso. Talvez...